Capítulo 15

67 5 0
                                    

Mick

A primeira coisa que pensei ao entrar naquele quarto foi no quanto ele parecia ter envelhecido vários anos desde a noite em que havia sido internado. A última vez que eu o vira. E aquela noite ainda me assombrava, mesmo eu me afastando de tudo o que remetia à ela. E isso o incluía.
Eu sei. Sou um filho de merda. Mas eu não queria ver aquilo.
Naquela noite, os gritos, o desespero de Miranda, que sempre parecia tão calma, e a súbita preocupação de Greg - que normalmente não estava presente - me fizeram perceber a gravidade das coisas. E eu não queria ver aquilo.
Tudo bem, eu era um covarde. Mas não podia ver meu pai morrer.
Talvez, se eu fingisse que não estava acontecendo, então não aconteceria.
Mas que caralho. Quão idiota eu era?
Encostei a porta do quarto, odiando um pouco mais aquele cheiro de hospital.
"Fique calmo", disse a mim mesmo. Eu era um filho de merda, e ele não era lá um tipo de pai perfeito, mas era meu pai.
Cogitei ir embora, vendo que ele dormia. Eu estava com uma quase ressaca horrível, e ainda nem eram seis da manhã. E eu tinha aula. Claro que estava pouco me fodendo pra escola, mas eu precisava falar com a garota. Leah.
Eu tinha certeza de que ela estava meio puta comigo pela noite anterior. Quando eu a beijara. E, segundos depois, cai no chão, como um bêbado, ou drogado.
E eu o era? E porque, afinal, me importava com o que ela pensava?
Sim, porque eu fora um idiota, e tinha certeza de que ela havia ouvido.
Lembro de sua expressão, aquele dia nas arquibancadas. Ela parecia não se importar com nada na maior parte do tempo, mas, por algum motivo idiota, eu estava me sentindo meio mal por aquilo.
Tray havia feito um de seus comentários sobre ela estar gostosa de maiô, e eu, então, resmunguei que ele precisava de óculos.
A verdade é que eu nem havia reparado em como ela estava, de fato, naquela roupa. Ela se escondia a maior parte do tempo, e durante o restante, parecia mal-humorada. Não dava pra ficar encarando por muito tempo.
Mas aquilo fora meio idiota de minha parte. E ela havia ouvido.
Então porque raios me deixara beijá-la?
Claro, ela estava claramente bêbada - aquela garota tinha uma certa resistência pra bebida. Talvez um pouco menos do que eu, mas ainda assim...

- Garoto, o que está fazendo aqui?
Me virei ao ouvir a voz um pouco fraca, e notei que meu pai estava acordado, e me encarava com a testa franzida, e deixei de lado os pensamentos sobre Leah. Eu precisava me concentrar nele.
- Como você está? - eu perguntei, me aproximando. Eu sei, aquela era uma pergunta idiota. Mas eu não sabia o que dizer. Como justificar o fato de você ter ficado por, sei lá, semanas, sem visitar seu pai no hospital?
- Estou ótimo - ele resmungou, fazendo uma careta. - Ficaria melhor com uma televisão decente...
Assenti, me lembrando de como costumávamos ver todos os jogos de futebol. Era o único momento em que ficávamos próximos.
Miranda odiava isso.
Tentei afastar a dor de cabeça que se intensificava, e me concentrar em meu pai. Ele, entretanto, percebeu.
- O que você andou aprontando? - perguntou, curioso.
- Fui idiota com uma garota - falei a primeira coisa que veio à minha cabeça, e meu pai pareceu subitamente interessado.
- Vai nos apresentar, dessa vez? - ele me olhou com um olhar questionador, e dei de ombros.
A coisa com Leah não iria a lugar nenhum. Eu mal a havia beijado, e ela obviamente estava com raiva. E eu odiava compromissos pra caralho.
- Você sabe que não - falei, lembrando-me de todas as garotas a quem eu não os apresentara. Todas aquelas das quais eu sequer lembrava o nome. Todas depois de Alison. Ele pareceu decepcionado, e resolvi mudar de assunto. - Me desculpe não ter vindo antes. Eu estava... me desculpa, pai.
Ele assentiu, entendendo antes que eu precisasse completar, e tentei disfarçar o bolo que se formava em minha garganta.
Essa era uma das qualidades de meu pai. Como eu, ele não gostava dessa coisa de falar sobre sentimentos.
- Tá tudo bem, garoto. Espero que essa moça que esteja te mantendo ocupado seja bonita... - ele falou, brincando, e pareceu subitamente cansado.
Passamos a hora seguinte falando sobre meus planos para a faculdade - eu tinha uma quase garantia de bolsa pela natação - aquele quase é que me incomodava - , para a banda, e sobre trivialidades; e aquela foi nossa primeira conversa, desde muito tempo, em que não brigamos. Sem comparações ou discussões, e antes de ir embora, ele me fizera prometer uma televisão nova - e decente - e me expulsara, dizendo que eu precisava ir pra escola.
Antes de sair, peguei mais um café daquela máquina, e pensei em passar na casa da Zach para devolver a moto. Ele com certeza deveria estar puto comigo.
Mas eu estava atrasado para a escola - não que eu me importasse, afinal, levando-se em conta meu histórico, eu quase nunca chegava no horário; mas eu queria vê-la. A garota, Leah.
Eu não havia falado com ela desde a noite anterior, e estava um pouco...preocupado. Ela havia voltado sozinha para casa depois de eu, basicamente, cair como um idiota no chão sujo do pub.
Eu não tinha problemas com bebidas. Na verdade, era só mais um babaca que usava a bebida para escapar dos problemas, o que fazia de mim, não um idiota alcoólatra, mas um idiota qualquer. Talvez não fizesse muita diferença, pensei.
Dirigi um pouco devagar, com a sensação de que até uma velhinha poderia me ultrapassar, mas eu tinha certeza que não iria querer uma multa por dirigir bêbado - minha cabeça ainda parecia que ia explodir com aquela ressaca que não passava. Quanto eu havia bebido afinal?
Peguei a chave extra debaixo do tapete, notando o quanto a casa parecia impecável. Minha mãe - ou Miranda, como ela nos dizia para chamá-la, era obcecada por limpeza e organização, até mesmo quando sua vida estava uma bagunça do caralho. O que era o caso.
Joguei minha jaqueta no sofá, e abri a geladeira, procurando por algo pra comer, quando vi seu bilhete.
"Mick, precisamos conversar. Esteja em casa quando eu chegar.
Miranda."
Tudo bem, eu era um idiota. Ficar fora de casa sem dar notícias, por sabe se lá quantos dias não era lá a reação que se esperava de alguém cujo pai estava morrendo - eu odiava aquela palavra mais do que qualquer coisa. Mas eu não podia lidar com aquilo. Simplesmente não... conseguia.
Eu sei, eu não passava da porra de um covarde.
Tomei um banho rápido, imaginando como poderia evitar essa conversa, e cheguei à conclusão de que não conseguiria. Miranda sabia ser bem persistente.
Vesti um jeans e camisetas limpos, e me lembrei de pegar a pulseira que a garota havia esquecido no carro na primeira noite.

Como eu já esperava, cheguei à escola bastante atrasado - na metade da aula de educação física. Normalmente, eu correria para poder participar, mas não estava com cabeça. E aquela ressaca do caralho ainda não havia passado.
- Hey - Luiza me chamou, com aquela vez um pouco irritante, enquanto ajeitava o rabo de cavalo perfeito, e sorriu. Tudo bem, eu estava sendo legal. Aquela voz era muito irritante.
Tentei me lembrar de porque eu ficava com ela, afinal. A encarei, dando um olhar rápido às suas roupas. Sim, ela era gostosa. Mas um pé no saco às vezes.
- Você não me ligou de volta - ela fez um beicinho, parecendo chateada, o que eu meio que não entendia. Cara, ela não estava ficando com Tray?
Tudo bem, na verdade eu não me importava. Mas porque ela continuava vindo atrás de mim, afinal? Eu não era exatamente do tipo que dividia com os amigos.
- Devia ter deixado um recado com Tray - eu disse, para irritá-la, o que pareceu funcionar, porque ela arregalou os olhos, parecendo surpresa. Meu Deus.
- Ai, Mick - ela colocou a mão em meu braço, se aproximando mais, e senti o cheiro de seu perfume de amora. Não era ruim, mas ela exagerava. Às vezes parecia tomar banho daquilo.
Tudo bem, eu estava sendo um pé no saco. Mas não estava num humor muito bom - nem para Luiza.
- Aquilo foi um erro - ela continuou - Eu estava chateada, e você mal me deva atenção...
Fiquei tentado a revirar os olhos. Aquele era o problema das pessoas - elas sempre queriam mais. E eu estava fugindo de relacionamentos.
- Porque não deixamos isso pra lá? - eu sugeri, querendo encerrar o assunto, e ela sorriu, concordando prontamente.
- É claro. Você pode ir na minha casa depois da escola. Meus pais estão...
Não prestei atenção no que ela falava, porque notei a garota a alguns armários dali, recolhendo os livros que derrubara no chão. Esperei que ela se virasse em minha direção, mas ela não me encarou.
Luiza deve ter notado, porque também olhou em sua direção, e começou a chamá-la.
- Hey - ela caminhou na direção de Leah, com aquela voz irritante, e me perguntei o que ela queria. Não devia ser nada bom.
A segui, e Leah nos encarou, confusa.
- Meu Deus! - ela exclamou, fazendo uma careta de surpresa, e então eu soube. Garotas como Luiza podem ser malvadas pra caralho quando querem. Tudo bem, nós também éramos meio cretinos às vezes - Seu cabelo!
Leah sorriu discretamente, dando de ombros, e fechou seu armário, virando as costas para nós.
Luiza, entretanto, continuou indo atrás dela.
- Ficou bonito! - ela disse, num tom que me pareceu um pouco falso, e acho que Leah também notou, porque fez uma careta - Você tá bonita, apesar da...
Ela apontou para a cicatriz na bochecha de Leah, e fiquei tentado a tirá-la dali. Qual era o problema dela?
A garota, entretanto, pareceu não se importar, sorrindo discretamente, mas eu podia notar, pela sua postura rígida, que ela ficara meio puta. Deixei Luiza para trás, indo atrás dela, que - caralho - andava muito rápido.
- Ei - chamei, mas ela não se virou, então segurei seu braço, forcando-a a me encarar.
- Oi - ela disse, alguns segundos depois, com uma expressão não muito convidativa. Na verdade, não me parecia um oi do tipo "nós enchemos a cara juntos duas vezes, e você tentou me beijar em ambas" mas sim "saia da minha frente logo", o que me deixou meio puto. Tudo bem, talvez ela só estivesse brava pela noite passada, o que era bastante adequado, levando-se em conta o modo como as coisas haviam terminado.
- Você esqueceu isso - eu estendi sua pulseira, e ela levantou o pulso, parecendo um pouco confusa - Naquela primeira noite.
- Obrigada - ela disse, depois de me encarar por alguns instantes com uma expressão de indiferença e tédio - aquela que ela geralmente usava, e se afastou abruptamente.
Qual era o problema dela?
- Ei - eu a segui, caminhando ao seu lado - Leah.
Ela me encarou, e vi um vestígio de sorriso em seu rosto. Percebi, então, que eu usara seu nome pela primeira vez. Talvez ela tivesse percebido também.
- O que foi? - ela perguntou, suspirando, com uma expressão bastante irritada, então simplesmente dei de ombros.
- Nada.
Foda-se, pensei, me afastando, e não olhei para trás.

Perto do limiteOnde histórias criam vida. Descubra agora