Capítulo 22

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Leah

Meus pais e Rebeca conversavam com a família de uma de suas colegas de trabalho, enquanto ela encarava, meio irritada, a tal de Sally dar em cima de Richard, seu chefe; o que seria meio cômico, não fosse trágico.
Eu estava na minha terceira sobremesa - aquela mesa era enorme - e duvidava que pudesse ver algum doce na minha frente pela próxima semana. Eu havia pulado o jantar, conversando com uma garota que dizia ser modelo, e tagarelava sobre as técnicas de maquiagem - e como adorava minha sombra, e um cara que parecia ter saído da capa de uma revista (feminina) de moda, enquanto eles apontavam para as pessoas discretamente, me contando coisas constrangedoras sobre elas. Tudo bem, eu havia rido bastante - eles pareciam bem legais - mas eu tinha que admitir que minha cabeça estava em outro lugar. Ou em outra pessoa.
- Com licença - eu disse, sorrindo para eles, e me levantei da mesa, tentando passar despercebida por meus pais. Eu duvidava que eles me deixassem ir facilmente a um show naquele horário - depois das nove já era tarde pra minha mãe.
Suspirei, meio algum aliviada, assim que cheguei ao jardim, e mandei uma mensagem para Rebeca, avisando que eu fora me encontrar com alguns amigos, e não demoraria. Eu sei, aquilo era meio sem sentido, porque ela estava a apenas alguns metros de mim, mas eu não queria ficar respondendo às suas perguntas, que com certeza seriam muitas, pois Rebeca nunca me via sair.
Procurei pelo endereço do lugar na mensagem que Mick havia enviado, e lembrei não ser muito longe dali. Resolvi ir caminhando, o que se mostrou uma decisão não muito boa alguns minutos depois, pela grande quantidade de bares - e pessoas bêbadas - naquela avenida; e desejei ter trazido um casaco. Ou não estar com aqueles saltos, que me impediam de andar mais rápido.
Tá, eu estava meio perdida - pensei, enquanto procurava o lugar. Onde raios estava o número 1042?
Atravessei a rua, avistando Mick, que conversava com o garoto que o havia ajudado naquela outra noite - um dos integrantes da banda, que parecia um pouco mais velho, e caminhei até lá.
Ele me olhava daquele jeito estranho novamente. Quase como se...como se estivesse me paquerando. Como se eu parecesse desejável. Como naquela primeira noite, em minha porta.
Me perguntei se ele sabia o efeito que causava, e se fazia isso de propósito. Por alguma razão, deduzi que sim. Ele sabia. Se não, ele não me encararia com aquele olhar meio misterioso e meio sedutor, e um sorriso torto que sugeria que ele podia estar brincando.
Meu Deus, eu tinha que parar de pensar naquilo. Tudo bem, Mick era bonito, de uma forma bastante atraente. Mas era só uma aparência, lembrei a mim mesma. A casca. E no fim, aquilo não significava nada.
- Hey - eu disse, tentando esconder o nervosismo em minha voz, e ele chegou um pouco mais perto, de forma que eu pude sentir o cheiro de sua colônia. Que raios de perfume ele usava? Céus, porque até seu perfume tinha que ser bom? Aquilo dificultava pensar claramente.
- Você está atrasada, linda - ele disse, naquele seu tom de voz propositalmente mais baixo.
Perguntei a ele como havia sido o show, dizendo estar ocupada num jantar com meus pais, e omiti o fato de que eu queria, na verdade, ter estado ali.
- Nós tocamos aquela banda que você gosta - ele disse, e deduzi que estivesse falando de 30 Seconds to Mars. Uma das que havíamos dançado aquela noite - Eu podia fazer algo particular, mas isso exigiria algum tipo pagamento...
Eu ri, notando claramente que ele não falava sobre pagamento em dinheiro, e tentei esconder o fato de que aquilo me deixou desconcertada.
- Isso é uma espécie de convite? - perguntei, ainda não o encarando, fazendo uma referencia à nossa conversa por telefone no começo daquela semana.
- Se você quiser que seja - ele estava apenas a alguns centímetros de distância, e pegou uma mecha do meu cabelo. Eu o encarei, sem saber o que dizer. Ele estava me convidando para ir à sua casa?
É só para uma música, eu disse, numa tentativa boba de tentar convencer a mim mesma, e aceitei.

A casa de Mick não era como eu esperava.
Eu imaginava algo como um apartamento bagunçado ou um trailer que ele dividia com os amigos da banda - algo que correspondesse à sua imagem de garoto rebelde. Eu sei, meio idiota.
Mas sua casa, na verdade, era bastante comum, e organizada. Céus, era realmente organizada. Vamos começar pelo jardim: a grama era de um verde brilhante que beirava ao artificial, e não havia uma folha ou lixo jogado por ali.
Ele colocou a mão um pouco acima de minha cintura, me guiando para dentro, e nossa - eu podia jurar que não havia um fio fora do lugar. Todos os vasos e enfeites pareciam brilhantes e sem poeira, e não havia nenhuma roupa, copos, papéis ou qualquer outra coisa jogada. Tudo parecia perfeitamente arrumado. Como se tivesse sido organizado por alguém com TOC.
Me perguntei, nervosa, se havia alguém na casa, mas a julgar pelo silêncio, eu podia dizer que não. Aquilo me deixava mais consciente da presença de Mick, e do quanto estávamos próximos. E aquilo me deixava nervosa.
- Quer beber alguma coisa? - ele perguntou, quebrando o silêncio, e eu estava prestes a fazer uma piada sobre ele estar tentando me embebedar de novo, quando ele segurou minha mão.
Eu sei, aquilo era ridículo - pensei comigo mesma - mas eu não conseguia me concentrar. Não com ele tão próximo.
- Sua mão está fria - ele disse, alguns segundos depois, quando não respondi, e eu ri, um pouco nervosa - Está com frio?
- Não - eu disse, mas ele já estava tirando sua blusa (aquela jaqueta de couro meio gasta que ele costumava usar, e lhe dava um ar de vocalista de banda de rock), e eu a vesti, tentando não pensar no fato de que ele a estava vestindo alguns segundos atrás.
Ela tinha seu cheiro, eu pensei, enquanto íamos até a cozinha. Alguma colônia que eu não conhecia, bebidas, e Mick. E era gostoso.
Ele soltou minha mão, pegando uma garrafa fechada de champanhe, e eu pude respirar. Céus, o que havia comigo?
- Isso é bom - eu disse, bebendo uma boa parte do que ele colocara em minha taça, e ele sorriu, pegando a garrafa.
Subimos em silêncio para o seu quarto - o último do corredor, e não me surpreendi ao ver uma série de posters de bandas de rock e uma coleção invejável de CDs.
Me sentei em sua cama, que era coberta por um lençol macio de seda, preto, e tentei fazer com que minha saia parasse de subir. Caramba!
- O que quer ouvir? - ele perguntou, pegando sua guitarra, e sentou-se ao meu lado.
- Você escolhe - eu disse, e ele pareceu pensar por alguns instantes antes de começar uma música do Metallica.
Era estranho observá-lo tocar. Como se eu estivesse invadindo sua privacidade ou algo assim. Ele parecia imerso em algo que eu não conseguia descrever, e tinha os olhos fechados, concentrado, seu rosto coberto por uma expressão que eu poderia definir como calma.
Continuei o observando - ele tinha alguns músculos definidos que nem a camiseta larga que vestia conseguia esconder, e usava uma espécie de cordão preto no pescoço - e então meus olhos subiram para seu rosto. Mais especificamente, para sua boca, o piercing em formato de argola, e me perguntei como seria beijá-lo de verdade. Não apenas um beijo rápido - como o daquela noite - mas um beijo de verdade.
Ele abriu os olhos - de um castanho quase verde - e intensos, e me encarou com um sorriso travesso, diminuindo a já então pequena distância entre nós.

Perto do limiteOnde histórias criam vida. Descubra agora