Capítulo 23

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Mick

Logo que entramos em casa, eu percebi que ela estava nervosa. A garota observava tudo ao redor, com certa curiosidade, e parecia estar evitando meu olhar, alheia ao fato de eu a estar encarando - bem, ela não estava facilitanto. Vestida para matar, eu diria.
Perguntei à ela se queria beber alguma coisa - eu não queria embebedá-la, apenas me lembrei do quanto ela parecera gostar de champanhe aquela noite, e tínhamos várias garrafas daquelas na geladeira. Miranda não bebia - não qualquer coisa, pelo menos, mas ela adorava qualquer tipo de champanhe e vinho, até mesmo os mais baratos, e sempre abria algumas garrafas nos jantares.
- Vem cá - eu disse, segurando sua mão, e não soube de onde havia vindo aquilo. Talvez eu apenas quisesse tocá-la. Meio idiota, eu sei, mas ela não pareceu se incomodar. Sua mão estava fria pra caralho, então me lembrei de que ela só estava vestindo aquela saia e uma camiseta que não parecia muito quente - não naquele sentido, pelo menos.
Perguntei se ela estava com frio, e embora a garota tenha dito que não, eu podia ver que estava mentindo. Tirei minha jaqueta, estendendo para que ela a vestisse, e ela agradeceu, com um sorriso. Aquele sorriso.
Peguei uma das garrafas de champanhe da geladeira, enchendo as taças que encontrei no armário, e estendi uma à ela.
- Isso é bom - ela disse, dando alguns goles, e achei melhor levar a garrafa toda lá para cima, já que parecia que ela também gostava de beber, e champanhe não deixava ninguém bêbado - pelo menos eu achava que não.
Subimos para o meu quarto, e ela pareceu gostar de todos aqueles CDs bagunçado que eu ainda mantinha.
- O que quer ouvir? - perguntei, fingindo não reparar no fato de ela estava tentando fazer a saia parecer mais longa. Porque ela não precisava. Estava ótima.
Peguei minha guitarra - a antiga, que eu ganhara de aniversário muito tempo atrás, não a que usava nas apresentações. Essa ficava no apartamento de Zach, que geralmente funcionava como nosso local de ensaio.
A afinei, e embora estivesse meio velha, ainda funcionava.
- Você escolhe - ela disse, o que me deixou com uma série de opções. Quase todas as noites eu aprendia uma nova, até mesmo as ruins; e eu não sabia exatamente do que ela gostava, mas suspeitava que não se diferenciaria muito do que eu costumava ouvir. Leah não parecia algúem que ouvia Britney Spears ou algo assim.
Escolhi uma das minhas favoritas do Metallica, que me lembrava da fase - algo em torno dos 14 ou 15 anos - em que essa era minha banda favorita.
Na verdade, eu não tinha uma, porque sempre acabava encontrando uma nova música que me parecia bem foda, então essa coisa de favoritos sempre mudava.
Tentei me concentrar na música, mas com ela tão perto, estava um pouco difícil.
Abri os olhos, e a garota estava me encarando. E eu queria beijá-la. E dessa vez, não podia culpar a bebida. Não, eu queria.
Talvez ela agisse como naquele dia na escola - Leah era imprevisível, e com ela nunca dava pra saber. Mas, foda-se, eu queria arriscar.
Eu a vi olhando para minha boca, e caralho, eu soube que ela também queria.
Então eu me aproximei, envolvendo-a pela cintura, e embora eu quisesse ir devagar, no começo, parecia que estávamos queimando. Meio brega, eu sei, mas com Leah, uma vez que eu começasse, eu não poderia parar.
Ela segurou minha camiseta, me puxando ainda mais para perto, e caímos na cama. Eu a encarei - aqueles olhos grandes cobertos por uma sombra meio brilhante, as sardas pequenas em volta do nariz, os lábios entreabertos - e cara, eu não podia sequer imaginar as coisas que queria fazer com aquela garota.
Eu poderia ter continuado a beijando por sabe se lá quanto tempo quando ouvi um barulho vindo do andar de baixo.
Soltei um palavrão, rindo, e Leah também riu, um pouco nervosa, ajeitando o cabelo freneticamente.
- Relaxe, você está bem - eu disse, dando-lhe um beijo rápido, apenas por garantia. Eu não sabia se ela me deixaria beijá-la de novo. Mas caralho, eu torcia para que sim.
Segurei sua mão, não parando para observar sua reação, enquanto descíamos as escadas, a voz de Miranda foi ficando mais alta.
Greg estava sentado no sofá, ajeitando aquela sua gravata idiota, e se virou para nós, lançando um olhar de hostilidade. Aquele caralho.
- Mick, você já...- Miranda parou no meio da frase, nos observando com uma expressão curiosa, e então sorriu, um pouco artificialmente, para Leah. Ela também deve ter percebido, porque pareceu subitamente envergonhada - E você é a...?
- Leah - eu respondi, e a garota fez uma careta. Como eu poderia explicar que Miranda poderia ser bastante desagradável, se quisesse? - Eu vou levá-la pra casa.
- É claro. Foi um prazer - Miranda disse, me lançando um olhar questionador, e Greg se limitou a nos ignorar, o que significava que ele ainda estava meio puto comigo.
Leah parecia um pouco distraída, o que significava que ela também havia notado o clima estranho. Esperei que ela não perguntasse nada sobre isso, ou sobre minha família. Porque eu não conseguiria responder.
- Não quero voltar pra lá - eu disse, assim que entramos no carro. Eu não queria voltar para toda aquela bagunça que minha casa representava. Não queria ver a raiva de Greg, pensar na doença de meu pai ou no quanto aquilo parecia estar afetando Miranda. A verdade é que se eu pudesse, me distanciaria de tudo aquilo. Não deles especificamente, mas de tudo.
Eu já havia pensando, muitas vezes, eu simplesmente fugir. Arrumar uma mochila com um bando de porcarias que eu provavelmente não usaria, e sair por ai. Sem um destino, ou um lugar em mente. Apenas...ir embora. Eu precisava da distância para pensar. Ou recomeçar. Ou não pensar.
Eu já havia pensado nisso muitas vezes, principalmente quando tudo estava meio fodido, mas nunca de fato o havia feito.
E em todas as vezes em que havia pensado nisso, eu me imaginara fazendo-o sozinho. A verdade é que eu sempre me imaginara sozinho. Mas naquele momento, eu não podia deixar de me perguntar se Leah também iria, se eu a chamasse.
- Família complicada, eu entendo - ela disse, e tentei imaginar como eram seus pais, ou se ela tinha irmãos. Eu não sabia, e acho que as outras pessoas também não. Leah não parecia o tipo de garota que falava.
- Me desculpe por aquilo - eu disse, e não sabia exatamente a que estava me referindo. À Miranda, talvez, Greg, ou o clima estranho. Ou talvez por termos precisado parar.
- Quem fez isso com você? - ela perguntou, alguns instantes depois, se referindo ao machucado logo acima do meu olho, que ainda estava bem feio, que o idiota do Greg havia feito, e desejei que ela não tivesse perguntado. Porque não da pra explicar para uma garota o quão fodido você é.
Eu havia brigado com meu irmão, eu poderia dizer, mas não era só isso. Havia tanta coisa que eu não conseguia explicar. Que eu não queria explicar.
- Quem fez isso em você? - eu perguntei de volta, me referindo à cicatriz que se estendia por sua bochecha direita, não tentando esconder a raiva em minha voz, embora não fosse dirigida à ela; e me arrependi no mesmo instante. Ela deu de ombros, como se não importasse, e eu poderia acreditar naquilo, não fosse a expressão em seu rosto. Ela estava pálida - pálida pra caralho - e tinha aquele olhar distraído, parecendo carregar um pouco de tristeza.
Droga. Que porra de idiota eu era?
- Leah, me desculpe. Não é da minha conta - eu disse, mas ela não parecia estar prestando atenção. Caralho.
Estacionei na rua de sua casa, e ela desceu do carro rapidamente. A chamei, mas ela não se virou, então fui atrás dela, a segurando.
- Leah, escute - eu a puxei para perto, obrigando-a a se virar para mim, o que ela fez a contragosto, e percebi que seu lábio tremia. Droga, ela parecia prestes a chorar - Não é da minha conta. Sou um idiota. Olhe pra mim...
Ela levantou os olhos, então, com uma expressão calma, e se eu já não a tivesse encarado tantas vezes, podia dizer que não estava triste.
Então a puxei para mais perto, bagunçando seu cabelo, e ela deu uma risada fraca, se soltando um pouco depois.
- Tá tudo bem - ela disse, mas ainda não me encarava - Não importa.
Então ela se afastou, e eu entrei no carro, esperando não ter fodido tudo.

Perto do limiteOnde histórias criam vida. Descubra agora