Capítulo 49

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Mick
Eu ainda estava pensando em como eu havia fodido tudo com o meu irmão - e em como eu sempre fazia isso em todas as minhas relações com as pessoas, então resolvi pegar minha guitarra para me distrair, e dedilhei algumas músicas aleatoriamente por algum tempo, quando Miranda chegou, e deduzi que ela, estranhamente, tivesse trazido alguma visita, porque ouvi risadas no andar de baixo.
Antes de toda a coisa da doença do meu pai cair como uma bomba sobre nós - sem aviso prévio e causando estragos do caralho, nossa casa costumava estar sempre cheia. Amigos do trabalho de Miranda, pessoas que meu pai convidava para os jantares, e, às vezes, meu irmão e sua namorada. Não que as coisas estivessem bem. Nós sabíamos que eventualmente Miranda e Daniel se separariam - era só uma questão de tempo, e eles apenas não admitiam em voz alta, mas ainda mantinham as aparências - talvez para evitar as fofocas dos vizinhos, ou como uma última tentativa de salvar o casamento. Apesar de tudo, aquilo era melhor do que o silêncio e o medo que se instalou depois do resultado daqueles exames, e a forma como tudo mudou.
Eles não falavam sobre aquilo, mas eu podia ouvi-los cochichando quando eu não estava por perto, e então eles paravam quando eu me aproximava. A doença era uma espécie de tabu, algo que relutaram em dizer, inclusive, para meus avós, e só o fizeram quando o tumor já havia progredido demais para esconder, e meu pai precisara se afastar do trabalho, bem como Miranda cancelar algumas de suas aulas.
Então vieram as noites no hospital, e as coisas idiotas que fiz, meu sumiço, o enterro e tudo o que não queria lembrar. E, depois dele, aquele silêncio ensurdecedor retornara à casa. Era quase como se evitássemos conversar, com medo do que o outro diria.
Naquele momento, entretanto, eu podia ouvir as risadas no andar de baixo, e o som de música, mas continuei tocando por um tempo, até acertar uma das que eu havia composto recentemente e desci para pegar alguma bebida - eu estava com sede.
- Mick - Miranda se levantou do sofá ao ouvir os passos nas escadas e as risadas cessaram - Não sabia que estaria aqui.
Notei que ela arrumava o cabelo, e foi então percebi que tinha companhia. O cara se levantou, parecendo tão surpreso quanto ela, e tentei me lembrar de onde o conhecia, porque o ele me parecia familiar, então me lembrei. Ele era o cara de terno que não saía do lado de Miranda no enterro. Então ela estava saindo com o babaca?
Tentei disfarçar minha expressão, porque não era da minha conta de qualquer jeito, mas Miranda pareceu notar, porque começou a apresentá-lo, me lançando uma expressão que dizia algo como "cale a boca e seja educado".
- Mick, esse é Lucas, um amigo do trabalho - notei que ela enfatizou a palavra amigo, mas nenhum de nós pareceu levar aquilo a sério, e dei um pequeno aceno com a cabeça, já pensando em me afastar para pegar minha bebida e dar o fora dali logo. Como não disse nada, ela continuou - Ele dá aula de História Antiga na faculdade.
- Isso é ótimo - eu disse, depois de o cara me estender a mão, e após o olhar de advertência de Miranda, eu cumprimentá-lo - Eu já estou de saída.
- Você não precisa... - Miranda começou, mas dei de ombros.
- Não quero atrapalhar. Vocês podem continuar - eu sabia que ela havia notado o tom irritado em minha voz, e também sabia que eu estava sendo um babaca, porque não era da minha conta com quem ela saía. Então porque aquilo me incomodava?
Peguei minhas chaves antes que eu deles protestasse ou sugerisse algo como um "jantar em família", e dei o fora dali, não me despedindo.
Eu não tinha pra onde ir, e não queria encher a cara, então dirigi até o lugar onde Zach e eu costumávamos ir para jogar sinuca - e, às vezes, ganhar algum dinheiro truco - e lhe mandei uma mensagem, dizendo para aparecer ali.
Consegui cerca de 50 dólares antes de ele e Tray chegarem - Luke havia ido acampar com a namorada - e compramos algumas cervejas.
- Hey cara. Achei que estivesse com sua namorada - Tray me deu um soquinho no braço, e Zach balançou a cabeça, rindo.
- Ela não é minha namorada - demorei a entender que ele estava falando de Leah, e quando respondi, nenhum dos dois pareceu acreditar, embora fosse verdade.
- Então você sabe de quem estou falando? - Tray me provocou, sorrindo ironicamente, e dei de ombros, acendendo um cigarro.
- Deixe ele em paz - Zach disse lhe, bebendo um pouco de sua cerveja, e eu sabia que ele estava tentando melhorar as coisas depois daquela briga. Nós não havíamos conversado desde aquela noite, e eu sabia que ele provavelmente iria querer falar sobre aquilo, o que significava me dar um sermão, então eu preferia pular pra parte em que eu o perdoava por ter socado minha cara e ele esquecia minhas idiotices recentes.
- Nós temos um show amanhã. Uma banda pop ia tocar num casamento, mas uma das garotas ficou doente - Zach disse, depois de jogarmos algumas partidas, e Tray parecia já saber da novidade.
- E Luke? - perguntei, porque ele era o vocalista, e nunca tínhamos tocado sem um dos integrantes. É claro que não recusaríamos a grana, mas precisávamos de alguém para substituí-lo, e não era fácil substituir um vocalista.
- Tentei falar com ele, mas só vai conseguir voltar domingo à noite. Algo sobre o ônibus. Ele disse pra você assumir.
- Não vai dar certo - tentei não parecer inseguro, mas eu nunca havia cantado sozinho num show. Geralmente, eu fazia a segunda voz, ou ajudava Luke com alguns versos. Nada demais.
- Podemos fazer algumas mudanças nas músicas - Tray sugeriu, e sim, nós poderíamos. Essa não era a parte difícil. O problema era que eu não cantava em público. Pelo menos há algum tempo. É claro, eu sempre costumava ensaiar algumas músicas em casa, e já havia cantado para Leah, mas aquilo era diferente.
- Um casamento? - perguntei, então, um pouco surpreso, porque aquele não era exatamente o tipo de lugar em que tocávamos. Geralmente, nos chamavam para festas adolescentes, bares ou eventos que pagavam uma merreca. Na verdade, eu imaginava que num casamento as pessoas quisessem ouvir música clássica, ou aquelas baladas bregas - não que eu não pudesse tocá-las, mas não era nosso estilo.
- Um amigo da faculdade. A festa não vai ser grande coisa. Poucos convidados. Não dê pra trás - Zach disse, notando minha expressão - O que mais você tem pra fazer no final de semana?
Ele tinha razão, acabei concordando. Tray disse que chamaria Natasha - ela não trabalharia no sábado, e concordamos em ensaiar um pouco pela manhã. É claro, não daria certo. Um de nós chegaria atrasado, e teríamos pouco tempo, mas a maioria das nossas apresentações era assim, e no final dava certo. Ou talvez eu apenas estivesse tentando convencer a mim mesmo.
Pensei em chamar Leah, mas então me lembrei de que ela passaria o final de semana com os pais, em outra cidade, e de qualquer forma era melhor - assim eles não teriam mais um motivo pra pegar no meu pé em relação à ela. Não pude deixar de desejar, entretanto, que ela estivesse ali.

Perto do limiteOnde histórias criam vida. Descubra agora