Capítulo 47

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Mick

Eu sabia que havia algo errado. Percebi pelo modo como ela ficou quando sua irmã - uma garota alta e bonita, de cabelos longos bem escuros, como os de Leah - passou pela porta, dizendo algo sobre estar faminta.
A garota instantaneamente se afastou de mim, deixando alguns centímetros entre nós no momento em que sua irmã notou que eu estava ali, e pareceu um pouco aturdida, como se estivéssemos fazendo algo errado. Ou como se eu não devesse estar ali.
Talvez sua irmã não gostasse que ela trouxesse visitas em casa quando ela não estava, pensei, mas então Rebeca - me lembrei de seu nome alguns instantes depois - sorriu para mim, e me levantei para cumprimentá-la.
Ela me analisou atentamente, parecendo curiosa a respeito de algo que eu não sabia dizer, e lançou um olhar demorado para as tatuagens em meu braço. Pensei em perguntar se ela havia gostado, mas então percebi que talvez ela pudesse não ser uma fã de tatuagens, e não disse nada.
Leah me apresentou como um amigo da escola, e não pude deixar de notar o olhar que Rebeca - ela não parecia muito boa em disfarçar expressões, o que era até um pouco engraçado - lançou em sua direção, como se aquilo fosse uma puta duma besteira, e então me perguntei quanto sobre nós Leah havia contado à irmã.
- É um prazer. Leah me fala muito sobre você - Rebeca sorriu para mim, e não pude evitar sorrir ironicamente para Leah, mesmo sabendo que provavelmente sua irmã estava apenas brincando.
- Ela está brincando. - Leah revirou os olhos, e então se voltou para Rebeca, parecendo querer mudar de assunto rapidamente - Eu não sabia que você chegaria cedo...
- Eu também não - sua irmã foi para a cozinha, e continuou a falar de lá - Mas papai me ligou. Ele e mamãe querem que nós passemos o final de semana com eles.
- O que? - Leah se levantou, parecendo bastante preocupada, o que achei estranho, mas não disse nada, porque ela foi atrás da irmã - Porque? Aconteceu algo?
- Não. - eu checava algumas mensagens em meu celular, mas podia ouvir o que elas diziam. Eu não queria prestar atenção, pois sabia que não era da minha conta, mas estava curioso a respeito de Leah. Até mesmo porque ela estava agindo de uma maneira estranha.
- Mamãe apenas o está deixando louco. Ela está morrendo de saudades. Meu Deus, isso está queimado.
Ouvi Leah resmungar algo, e então ela perguntou, parecendo bastante nervosa, se Rebeca não precisava trabalhar naquele final de semana.
Não ouvi a resposta de sua irmã, mas Leah voltou alguns segundos depois, e não parecia muito feliz com aquilo. Ela parecia nervosa pra caralho.
- O que foi? - perguntei, a encarando, quando ela se sentou do meu lado, fingindo mexer no celular, e a garota apenas balançou a cabeça, não olhando para mim, mas eu podia ver que havia algo errado, e pensei em perguntar o que era, mas eu sabia que Leah não diria - o que não me impediu de me preocupar.
- Você deveria arrumar suas coisas - sua irmã disse, aparecendo alguns segundos depois com o restante dos biscoitos queimados nas mãos - Ele vem nos buscar mais tarde.
- Acho melhor eu ir - me levantei, e Leah se colocou de pé abruptamente, segurando meu braço.
- Não - ela pediu, parecendo querer que eu ficasse, o que era estranho, porque eu sabia que ela e a irmã tinham coisas para resolver, e ela nunca havia me pedido para ficar. E não achei que faria isso na frente da irmã.
- Está tarde, Leah - falei, e ela fez uma careta, mas não protestou. Me despedi de sua irmã, que não tirou os olhos do livro e Leah me acompanhou até a porta, mas assim que a fechei, ela me encarou, dizendo que eu não precisava ir embora tão cedo.
- Acho que sua irmã não gostou muito de me ver ali.
Na verdade Rebeca fora bastante educada. Ela apenas não parecia exatamente contente, e elas pareciam ter coisas pra resolver, então achei que seria melhor ir pra casa - mesmo não sendo o lugar onde eu queria estar.
- Ela apenas não conhece você - ela disse, e eu sabia que deveria simplesmente deixar aquilo pra lá, mas eu podia ver em seu rosto que ela realmente parecia chateada sobre algo, então disse isso à ela, e instantaneamente seus olhos ficaram cheios de lágrimas, o que fez com que eu me arrependesse de ter perguntado.
Leah olhou para os próprios pés, parecendo nervosa, e toquei sua bochecha, querendo dizer à garota que ela podia me contar, mas fiquei em silêncio.
- Fale comigo - pedi, algum tempo depois, mesmo sabendo que a garota se afastaria, e que acabaria estragando tudo e perdendo aquilo, mas ela continuou ali, sem dizer nada, parecendo perdida em seus pensamentos, e aquilo me preocupava.
- Algo sobre sua família? - insisti, e pelo modo como ela sussurrou meu nome, como um pedido, eu sabia que estava indo longe demais, porque Leah não gostava de falar sobre ela. Ela deixara isso bem claro, e eu não deveria insistir, porque sabia que aquilo a machucaria. Mas ela não havia feito aquilo com a coisa sobre o meu pai? Insistido até eu falar com ela?
Eu queria que ela soubesse que eu estava ali - como ela continuava, apesar das minhas merdas.
Então eu disse isso à ela, e esperei que a garota dissesse algo. Mas ela ficou em silêncio, e eu resolvi não insistir.
- Boa noite, Leah - eu disse, depois de algum tempo, colocando a mão em seu ombro, mas a garota segurou meu braço, e no começo falou tão baixo que quase não a ouvi.
- Eu não quero ir - ela disse, me encarando, e eu não sabia o que dizer, então só virei em sua direção, a ouvindo - Esse final de semana. Não quero voltar pra casa.
- Porque não? Seus pais? - perguntei, e ela fez uma careta, como se aquela fosse uma pergunta ridícula, o que eu não entendia. Na verdade, eu imaginava que ela não se desse bem com eles ou algo do tipo - e por isso morava com a irmã mais velha.
- Então o que, Leah? Porque você não parece feliz com isso...
- Pessoas que eu não quero rever - ela respondeu, e parecia como se estivesse segurando o ar por muito tempo. Como se estivesse me dizendo algo importante.
- Como... ex-namorados? - perguntei, porque era a única coisa em que conseguia pensar, mesmo Leah nunca tendo falado sobre relacionamentos anteriores (ou qualquer outra coisa). Era a única coisa que eu podia imaginar, mas ainda assim não fazia sentido. Não pude deixar de me perguntar se Leah gostava de alguém, e minhas suspeitas se confirmaram quando olhei para seu rosto, porque ela me parecia alguém com o coração partido. A garota parecia realmente magoada, e eu sabia disso porque me lembrava de como eu ficara quando as coisas haviam acabado com Alison.
- Ah. Você quer falar sobre isso? - perguntei, porque eu não sabia o que mais dizer, e ela balançou a cabeça negativamente. Tentei não parecer aliviado, porque eu não tinha certeza se queria ouvi-la falar sobre seus ex namorados, términos recentes ou ouvir a possibilidade de ela ter algo inacabado, mas eu estava. Eu não queria pensar sobre aquilo.
- Você pode me ligar, Leah - eu disse, porque apesar de o assunto não me agradar, se ela quisesse falar sobre aquilo, eu ouviria. A garota assentiu, e não se afastou quando toquei uma mecha de seu cabelo, que caia no rosto - Se o seu fim de semana estiver sendo um saco, ou esse garoto agir como um idiota, ou quiser conversar, ou flertar pelo telefone ...
Ela revirou os olhos, mas deu uma risada, murmurando algo sobre eu ser muito convencido.
- Eu nunca flertei com você - ela disse, com uma expressão séria - Mas obrigada.
- Você flerta comigo o tempo todo, Leah - eu disse, brincando, porque aquilo não era totalmente verdade, mas a garota já havia feito isso. E eu não podia dizer que não tinha gostado. - Tente se divertir um pouco.
- Tente não encher a cara sem mim. E não se meter em problemas...
Embora Leah tivesse dito aquilo como uma brincadeira, eu podia ver o tom de preocupação em sua voz, e eu sabia à que ela estava se referindo. A garota parecia querer ter certeza de que eu não ia fazer nenhuma merda, como naquela festa.
- Eu não posso prometer nada - falei apenas para irritá-la, e a garota fez uma careta, então me aproximei, dando um beijo em sua bochecha - Boa noite, Leah.
A garota não saiu dali, mesmo quando entrei no carro, e naqueles momentos - quando eu via seus olhos grandes e escuros daquele jeito, e o modo como ela tentava não sorrir, mas acabava fazendo-o, eu sabia que estava perdido.
Eu sabia que não deveria deixar a atração que eu sentia por Leah levar a algo mais, porque estava na cara que aquilo não daria em nada, já ela não parecia interessada em qualquer tipo de relacionamento - até mesmo algo sem compromisso - e deixara isso claro.
Entrei no carro, tentando não pensar em como tinha sido beijá-la - como ela havia me beijado na pista de dança, mas eu não conseguia tirar aquilo da minha cabeça. A garota estava me deixando louco. Me distraí ligando o rádio. Eu sabia que havia dito à Leah que não arrumaria problemas, como ela mesma dissera, mas eu não queria voltar pra casa, e não conseguia pensar em nenhum lugar para ir, então entrei num bar que ficava em uma das ruas próximas de sua casa, e pedi uma cerveja gelada.
...
Já passava de meia-noite quando voltei pra casa, e eu não esperava encontrar Greg lá, mas ele guardava algumas coisas em sua mala, parecendo preparar-se pra ir embora. Eu sabia que não deveria ficar com raiva, porque nós mal nos falávamos, mas era como se ele não pudesse esperar pra ir embora. Poucos dias haviam se passado desde o enterro, aquele evento que ainda se parecia um borrão em minha cabeça - um borrão infernal - e ele já estava pensando em partir.
Pensei em subir as escadas sem dizer nada, porque nós havíamos feito isso a porra do ano todo, então não seria como uma espécie de novidade, mas eu sabia que precisava dizer algo, ou ficaria remoendo aquelas merdas em minhas cabeça, como eu sempre fazia.
- Estou surpreso por você não ter ido logo depois do funeral - falei, tentando soar como se eu não desse a mínima para aquilo, mas eu sabia que meu semblante me trairia, e nem mesmo a risada que acrescentei ao final pareceu mudar o fato de que eu estava soando como um idiota. Um idiota ressentido.
Abri a geladeira, procurando por uma garrafa de vinho, esperando que ele simplesmente fosse embora logo, mas Greg largou as coisas que segurava.
- Você sabe que eu tenho a faculdade. Coisas pra resolver. - ele disse, como se quisesse justificar algo, e eu dei de ombros, porque ao contrário do que eu imaginara, não queria entrar naquilo. Eu não queria discutir o fato de que meu irmão mais velho e eu mal havíamos trocado meia dúzia de palavras por cerca de um ano. A porra de um ano todo, e provavelmente por algo idiota que eu havia feito.
- E eu não moro aqui - ele acrescentou, depois de eu não dizer nada, e assenti, bebendo o que sobrara de vinho na geladeira.
- Se cuide, Mick - ele pegou as chaves de seu carro, que estavam em cima da mesa da cozinha, e colocou a mão em meu ombro, fechando as portas atrás de si alguns segundos depois de eu não dizer nada, e eu soube que, assim como todo o resto, eu havia estragado aquilo.

Perto do limiteOnde histórias criam vida. Descubra agora