Capítulo 51

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Mick

Já passava das 3 quando cheguei em casa, feliz por estar sóbrio, porque sabia que Miranda iria querer conversar, e ela não gostaria nem um pouco de ver que eu havia enchido a cara. E eu estava certo, porque quando abri a porta, percebi que ela me esperava, e parecia quase que aliviada por eu ter chegado, como se não esperasse que eu fosse voltar àquela noite, o que fez com que eu me sentisse culpado.
- Você quer conversar? - ela perguntou, largando sua xícara de café - Não precisava ter saído daquele jeito, Mick. Foi bastante rude.
- Eu estava dando privacidade a vocês - ela pareceu notar a ironia em minha voz, porque revirou os olhos.
- Você podia ter tentado ser legal com ele - ela disse, quando eu já estava subindo as escadas - Meu Deus. Aquilo foi bem rude. Até pra você.
- Eu não tenho que impressioná-lo - fingi ignorar a última parte do que ela havia dito, e eu sabia que estava sendo rude naquele momento, mas o que ela estava me pedindo? Para chamar o cara de pai? Convidá-lo para beber uma cerveja? Falar sobre garotas?
- Pare de agir como uma criança. Eu não estou pedindo isso - ela suspirou, cansada - Você não gostaria que eu fosse legal com aquela garota?
Eu sabia que ela estava se referindo à Leah, porque na primeira noite em que eu havia levado a garota para casa, a hostilidade de Greg fora bem evidente, bem como a indiferença de Miranda.
- Então você está saindo com ele?
- Sim, nós estamos saindo. E ajudaria bastante se você fosse legal com ele - ela suspirou novamente, e tentei não parecer surpreso com a afirmação. Eu sabia que seu casamento com meu pai só vinha se sustentando, nos últimos meses, por causa daquela doença, e eu também sabia que as coisas haviam esfriado pra eles antes daquilo. Quer dizer, eles mal se falavam, e nenhum dos dois parava o suficiente em casa para ver o outro - mas ainda mantinham as aparências.
Eu sabia que eventualmente Miranda conheceria outra pessoa, mas não imaginava que seria tão rápido. Então resmunguei algo sobre eu estar cansado, e subi as escadas, antes que ela pudesse dizer alguma coisa. Eu não queria ter aquela conversa. Eu realmente não queria.

***
Nós havíamos ensaiado a manhã toda, e perdido também boa parte dela discutindo quais músicas iríamos tocar - eu tinha certeza de que precisávamos, de pelo menos, uma balada bem melosa, porque era isso o que se esperava em casamentos. Na verdade, eu não sabia, porque só havia ido em um - de um primo distante - muitos anos antes e fora bastante entendiante.
Acabamos concordando em fazer alguns covers de músicas conhecidas - aqueles clássicos que todos saberiam cantar, como Led Zeppelin, Pink Floyd, Van Halen, Guns N' Roses e The Eagles, e ao final, algumas de músicas originais.
Natasha e eu conseguimos convencê-los também a nos deixar acrescentar alguns covers de Radiohead e Imagine Dragons, caso sobrasse tempo, ou não nos expulsassem do palco, e ficamos cantarolando até eles concordarem - Tray dizia que aquela música faria as pessoas dormirem.
Pedimos comida chinesa de um restaurante perto dali, e eu até comprei uma camisa social no caminho, depois de Natasha dizer que não era uma ótima ideia ir a um casamento com minha camiseta velha do Mettalica.
- Então... Como eu estou? - ela perguntou, saindo do banheiro pequeno em que Tray ainda se trocava, com seu vestido verde-escuro curto, meia calça e coturnos.
- Você é a única pessoa que consegue ficar bem usando verde - eu disse, e ela sorriu em minha direção, ajeitando o cabelo tingido, que combinava com o vestido, num coque alto.
- Você também não está nada mal - ela ajeitou minha gravata, e vi Tray revirar os olhos.
- Vocês dois podem parar de flertar agora, por favor? Cacete - ele fez uma cara feia, mas podia ver que estava de bom humor - E você está linda.
Natasha pareceu ter ficado feliz com o elogio, porque apesar de revirar os olhos, dizendo a ele que não estávamos flertando, se inclinou para dar um beijo em sua bochecha, sujando-a de batom preto.
- Estão todos prontos? - Zach chegou alguns minutos depois, gesticulando para que nos apressássemos. Ele havia voltado para sua casa para se trocar, e todos havíamos concordado que ele dirigiria, já que iríamos em seu carro, e ele não queria nenhum de nós o dirigindo.
- Não confio em vocês com um copo de bebida por perto - ele disse, em tom de brincadeira, e Natasha fez uma careta, dizendo que ela não iria beber.
- Você adora festas - Tray disse, e me lembrei da última em que havíamos ido todos juntos, e ela estava dançando em cima da mesa depois de alguns copos. Não que qualquer um de nós não tivesse feito pior. - É claro que vai beber.
- Não num casamento - ela resmungou, ainda contrariada.
Chegamos lá por volta das quatro da tarde, quando o casamento já havia sido realizado num cartório perto dali, e os convidados começavam a chegar para a recepção.
- Eu devia ter vindo com o terno - Tray riu ao observar as mesas perfeitamente arrumadas no gramado, onde uma senhora usando um vestido cor de rosa longo parecia se certificar de que tudo estava organizado.
Mais tarde, descobri que ela era a mãe da noiva, e parecia, de longe, a pessoa mais nervosa da festa. Foi ela quem nos conduziu até nossa mesa, onde poderíamos ficar quando as pessoas se cansassem de nos ouvir - não foram aquelas suas palavras, mas pelo seu tom ficava bem claro.
- Acho que a velha não gostou de nós - Tray disse, rindo, e Natasha sussurrou que talvez ela preferisse uma orquestra ou algo do tipo.
Os noivos chegaram cerca de meia hora mais tarde, quando todos os convidados já pareciam ter ocupado suas mesas, e depois de tirar uma dezena de fotos e cumprimentar algumas pessoas, vieram em nossa direção.
- Obrigada por terem vindo, sei que foi de última hora - a noiva, que descobri mais tarde se chamar Samanta, estudava enfermagem na mesma faculdade que Zach, mas planejava trancar o semestre por causa de alguns imprevistos - ela estava grávida; mas o noivo garantiu que eles já vinham planejando o noivado há algum tempo.
Nós começamos com uma música lenta - pedido dos noivos para sua dança, e eu pude ver Tray revirando os olhos, mas depois de um tempo, todos se cansaram de dançar valsa, e começamos com nosso repertório. O noivo, que eu descobri se chamar Alex quando, algumas horas depois, se pôs a conversar comigo sobre tipos de guitarra - ele havia tocado numa banda quando estava no ensino fundamental -, se mostrou interessado em nossas composições originais, e pediu que tocássemos mais delas, enquanto a mãe da noiva ainda insistia por um cover de Celine Dion.
No final da noite, quando Tray já havia acabado com metade dos drinks do bar, e dava mole para uma das garçonetes, o que deixou Natasha bem puta, toquei uma das músicas que havia composto recentemente - depois dos meses de hiato sem conseguir criar nada, e Natasha me acompanhou. Tray estava bêbado demais para subir ao palco, e Zach conversava com uma das amigas da noiva.
Eu nunca havia cantado uma de minhas composições em público, e estava nervoso pra caralho, mas o fato de quase ninguém estar prestando atenção em nós - a maioria das pessoas dançava na pista improvisada - e de a maioria estar bêbado demais para notar qualquer erro ajudavam. Além disso, eu e Natasha tomamos alguns drinks antes de subir no palco - eu, por estar nervoso, e ela, para lidar com o resto da noite sem dar um chute nas bolas de Tray, que olhava para outras garotas descaradamente.
- Isso foi incrível, cara - Zach disse, se aproximando de nós assim que a música acabou, e estendeu a mão para me cumprimentar - Foi você quem escreveu?
- Letra melancólica e melodia agitada. Claro que foi ele - Natasha colocou as mãos em volta de meus ombros, me abraçando.
- Vocês mandaram bem. E Natasha, você deveria cantar com a gente sempre - Zach sorriu para ela, parecendo surpreso. Talvez eu estivesse com aquela mesma expressão no palco, ao ouvir seus vocais. Ela soou bem pra caralho.
Então me lembrei do que ela contara, certa vez, que costumava cantar na igreja quando era criança, o que era um pouco difícil imaginar - eu não conseguia visualizá-la na igreja, mas eu sabia que Natasha podia cantar qualquer coisa.
Nós estávamos voltando para a mesa quando notei a expressão em seu rosto, e eu sabia que tinha a ver com o fato de Tray ter sumido. Eu não entendia o relacionamento dos dois, e certa vez, havia perguntado para Tray porque ele simplesmente não terminava com ela, se não queria nada, o que se mostrou um erro, porque ele ficou bem puto. "Eu gosto dela", ele se limitara a responder, o que para Tray já era muito, mas eu sabia que aquilo a chateava - todas as vezes em que ele ficava dias sem voltar para o apartamento ou, como naquele dia, paquerava outras garotas explicitamente.
"Nós temos um relacionamento aberto" ele disse certa vez, quando os garotos e eu lhe demos uma dura, e então Luke perguntou se ela sabia daquilo. Naquele momento, não pude deixar de pensar que não. Ou, pelo menos, não parecia ser o que queria.
- Não fique assim - coloquei minha mão sobre a sua gentilmente, porque vi que ela estava se controlando para não chorar. E Natasha nunca havia chorado na nossa frente.
- Eu não sou idiota - ela disse, depois de limpar seus olhos rapidamente, conferindo na tela do celular o delineador borrado - Eu sei que deveria terminar com ele de uma vez, mas eu...sempre fico esperando que comigo seja diferente. Afinal, nós somos diferentes. - ela riu, sem humor.
- Porque você não fala com ele? De uma vez. Diga o que sente, e se ele quiser algo diferente do que você, então...
- Esse então é o que me mata - ela riu novamente - Não quero terminar. Gosto dele. Mas eu deveria, não é? - ela limpou os olhos novamente, e então fez uma careta - Você tem razão. Eu deveria falar com ele de uma vez. Tipo "ou você para de ser um babaca e me diz logo que porra quer comigo, ou eu pulo fora".
- Isso - toquei em sua mão, e ela riu.
- Engraçado logo você estar me dizendo pra eu me abrir sobre meus sentimentos.
Pensei em perguntar o que ela queria dizer com aquilo, mas Natasha estava certa. Eu era a pessoa que se afastava de todos apenas para não dizer o que sentia. Como quando terminara com Alison.
- O conselho não vale pra mim - dei de ombros, e ela me cutucou, então percebi que meu celular tocava. O ignorei, entretanto, porque eu não queria falar com Miranda naquele momento.
Nós bebemos mais alguns drinks e pegamos algumas coisas na mesa de doces, estranhando o fato de a festa já estar tão vazia, então percebi que já passava da meia noite. Peguei meu celular, e notei uma chamada perdida de Leah, então percebi o quanto eu queria falar com ela - até havia pensado em mandar alguma mensagem mais cedo, mas não sabia como ela iria levar aquilo. A qualquer momento ela podia se afastar de novo. Mas ela havia me ligado, o que significava que a garota queria falar comigo.
Então disquei seu número, procurando um lugar silencioso da festa - o encontrei atrás das barracas, onde o som das conversas e da música estilo discoteca já não era tão alto.
- Oi - ela atendeu no segundo toque, e coloquei o telefone mais perto do ouvido, tentando me aproximar de sua voz abafada.
- Hey - tentei pensar em algo pra dizer, como perguntar porque ela havia me ligado - Você me ligou?
- É, desculpe, você está ocupado?- ela perguntou, e eu sabia que havia algo errado pelo tom de sua voz, mas não sabia se devia perguntar sobre aquilo.
- Não. Estou num casamento. Nós viemos tocar, e ainda não nos expulsaram.
- Sério? Isso é demais. Eu queria ter visto isso - ela pareceu genuinamente animada, mas algo em sua voz ainda me dizia que ela parecia triste.
- E como estão as coisas aí? - perguntei, na verdade querendo saber se algo havia acontecido, mas não sabia como a garota reagiria àquela pergunta, já que ela não gostava de falar sobre si mesma. Então, me lembrei do quão relutante ela havia parecido em ir passar o final de semana com os pais, e resolvi perguntar - Você está bem?
Ela demorou um pouco para responder, e por aquela pausa, e sua relutância, eu sabia que ela não estava.
- Não muito. Eu fui a uma festa, e foi uma droga... - ela riu no final, mas não parecia achar graça.
- Festas às vezes são um porre. Você quer falar sobre isso?
- Não - ela murmurou, e eu não sabia o que dizer. Eu deveria insistir? Mudar de assunto? - Desculpe, eu não deveria ter ligado. Estou num péssimo humor e...
- Leah - eu interrompi sua voz cortada, porque não queria que ela desligasse, e porque com certeza havia algo errado - Eu estou aqui. Fale comigo.
- Eu quero ir embora daqui - ela disse, depois de algum tempo de silêncio, e eu sabia que estava chorando. Droga, que raios havia acontecido? Então me lembrei que ela comentara sobre não querer ver alguém - um ex namorado, ou algo do tipo, e sugeri aquilo. Eu sabia que era loucura - eu não havia bebido muito, e sabia que podia dirigir, mas quase quatro horas? Era tempo pra cacete.
- Você quer que eu te encontre? Posso te pegar na rodoviária - eu sugeri, mesmo sabendo que chegaria lá quando estivesse quase amanhecendo. Ela não parecia bem. Na verdade, parecia assustada, e eu não me importava. Sim, eu não me importaria de pegar uma estrada que mal conhecia. Eu estava preocupado, e queria vê-la.
- São mais de três horas, Mick. Você vai dirigir todo esse tempo...
- Se eu sair daqui agora, chegarei mais rápido. Me passe o endereço - eu estava pensando em como convenceria Zach a me emprestar seu carro, mas sabia que ele concordaria. É claro que ele iria querer ir junto, também.
- Você realmente faria isso, não é? - ela disse como uma pergunta retórica, parecendo surpresa - Mas não precisa. Não, isso seria loucura. - então sua voz se suavizou - Obrigada, Mick. De verdade. Mas acho que posso esperar até amanhã. É só um dia ruim.
Ela parecia estar querendo me convencer, ou convencer a si mesma, então perguntei se eu podia fazer algo.
- Me conte algo feliz - tentei pensar em alguma coisa, mas nada veio à minha cabeça, então passei alguns minutos tagarelando sobre como eu estava animado por ter tocado uma de minhas músicas e de a reação do público não ter sido tão ruim - eles não haviam tacado frutas na direção do palco, eu disse à ela, que riu.
- Eu quero ouvi-la, qualquer dia - ela disse, com curiosidade, então antes que mudasse de ideia, eu disse pra ela esperar um instante, e peguei minha guitarra no palco.
- Espero que consiga ouvir - eu disse, me sentando atrás das tendas, e comecei a tocar. Eu sabia que a voz de Luke ficaria melhor naquela música - e provavelmente acabaríamos colocando-o para cantar, mas tentei não pensar nisso enquanto cantava.
Abri os olhos quando acabei, notando que algumas senhoras me observavam, e sorriram pra mim assim que terminei de tocar os últimos acordes.
Deixei minha guitarra de lado, pegando o telefone do chão.
- E então?
- Incrível - ela disse, alguns segundos depois, suspirando calmamente, e deu uma risada - Meu Deus, eu queria ter gravado isso.
- Então você gostou...
Eu sabia que aquilo não fazia sentido, mas estava mais ansioso com a reação dela do que de todas aquelas pessoas que nos assistiram mais cedo.
- Você precisava ver a minha cara nesse momento. Obrigada por me mostrar.
- Obrigado, Leah - respondo, querendo dizer mais coisas, como o fato de que eu queria que ela estivesse ali, mas não disse nada. Então a garota me pediu pra tocar mais alguma coisa, e me lembrei de uma música do 30 seconds to Mars que eu havia ouvido mais cedo, e achei que talvez ela gostaria.
Eu havia acabado de terminar a música quando Natasha apareceu, dizendo que Zach estava me procurando - Tray estava passando mal, e eles já iam embora, de qualquer forma.
- Eu já estou indo - sussurrei à Natasha, e ela se afastou, me lançando uma expressão curiosa.
- Nós podemos nos falar mais tarde? - perguntei à Leah, não querendo que os três ouvissem nossa conversa, até mesmo porque, se Tray estava bêbado, então ele me encheria pra cacete com aquilo, ou diria algo inapropriado. - Eu tô indo embora. Do casamento.
- É claro. Não dirija bêbado - ela falou, irônica, e depois acrescentou - Boa noite, Mick.
- Boa noite, Lee.

***
Peguei minha guitarra e me aproximei de Natasha, que fumava do lado de fora do carro, parecendo estar irritada. Ela provavelmente havia se cansado do Tray bêbado, pensei, porque ele era um pé no saco quando bebia.
- Zach está tentando arrastá-lo para cá - ela disse antes que eu pudesse perguntar algo, fazendo uma careta de desgosto, e me passou seu maço. Fumamos em silêncio até Zach chegar arrastando Tray, que parecia em algum momento ter vomitado em si mesmo, e Natasha jogou seu cigarro no chão, entrando no carro.
Ajudei Zach a colocá-lo no banco de carona, e me sentei atrás com Natasha.
- Então...a garota pra quem você estava cantando... é importante? - ela perguntou, com um sorriso curioso.
- Como você sabe que era pra uma garota? - me perguntei se ela havia ouvido alguma parte da conversa, e pensei em mudar de assunto.
- Me poupe - ela revirou os olhos - eu vi o seu rosto.
- Foi para Leah? - Zach perguntou, do banco da frente, e perguntei se nós poderíamos falar sobre a provável ressaca de Tray no dia seguinte.
- Eu gosto dessa garota - Zach disse, ignorando minha tentativa de mudar de assunto - Ela te deixando menos mal-humorado.
Natasha riu, e não pude deixar de pensar que era verdade. Ela deixava.
- Ela é. - eu disse, admitindo pra mim mesmo. Leah era importante.

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