Leah
Eu passei o caminho todo pra casa repetindo mentalmente para mim mesma que ia ficar tudo bem, que eu não precisava me preocupar, e fingi não ouvi-los falar sobre como precisavam fazer alguma coisa.
Eu não me lembrava de muita coisa desde o momento em que saíra correndo daquela festa até Xavier e Keana estacionarem em uma lanchonete do outro lado da cidade e me obrigarem a comer, porque segundo ela, eu estava pálida demais, e o fato de eu ter dito que ia vomitar não ajudara. Nós passamos quase uma hora ali, eu percebi mais tarde, até eu conseguir convencê-los de que não conseguia engolir mais nenhum pedaço de pizza - tudo tinha gosto de papel.
Nós estávamos no carro, quando eu disse, novamente, que estava bem, numa tentativa de me assegurar de que nenhum deles me levaria para uma delegacia ou um hospital naquele momento, depois de ouvir Keana sugerir que eu estava tendo uma crise nervosa.
- Você não fala nada há meia hora. Está me assustando.
- Eu estou bem, só me leva pra casa por favor... - pedi, não sabendo que raio de caminho eles estavam fazendo e para onde estávamos indo. Eu estava surtando, e precisava lembrar a mim mesma de respirar.
- Não, você não vai ficar sozinha, Leah - ela tirou uma mão do volante para segurar a minha, e Xavier se inclinou para frente a fim de ficar perto de nós. Keana estava preocupada, eu podia dizer, e embora eu quisesse muito certificá-la de que estava tudo bem, eu estava assustada. Eu queria esquecer o passado, mas ele sempre estava ali, me perseguindo e puxando de volta. Parecia um pesadelo sem fim, e eu não queria arrastar ninguém para aquilo.
Então precisei usar toda minha força de vontade para convencê-los de que estava tudo bem - eu ia embora no dia seguinte, e tudo voltaria ao normal, eu disse. Fingi não notar a expressão de Keana. Eu não sabia o que fazer, mas precisava ficar sozinha. Eu precisava respirar, e ir pra longe dali.
Eu estaria mentindo se dissesse que a ideia de pedir para Xavier dirigir algumas horas até minha casa - à uma centena de quilômetros dali, bem longe de Marcus - não tivesse passado pela minha cabeça, mas eu não faria aquilo de novo com meus pais. Sair no meio da noite sem explicações, e então não voltar. Eu sabia que eles não deixariam pra lá dessa vez, então eu precisava fingir que estava tudo bem, e aguentar firme.
Keana tentou me convencer a passar a noite vendo uma maratona de Gilmore Girls, o que era tentador, mas eu disse que estava cansada, então ela e Xavier estacionaram no quintal de meus pais, e demoraram alguns minutos se certificando de que eu não estava tendo uma "crise nervosa" - palavras de Keana, e ela passou mais algum tempo me dizendo que eu poderia ligar a qualquer hora. Assenti, a abraçando, e notei que ela estava nervosa. Talvez por tudo o que havia acontecido naquela noite, ou pela perspectiva de ficar sozinha com Xavier - eu não sabia o que estava acontecendo entre eles, ou como haviam terminado.
- Desculpe ter estragado sua festa - eu disse, alguns segundos depois, percebendo de repente quanto minha voz soava estranha naquele momento.
- Você não - eles disseram ao mesmo tempo, trocando um olhar estranho, e então Keana continuou - Sabe, nós ainda podemos fazer nossa festa...
- Desculpa, Kean. Eu só quero me deitar um pouco.
- Tudo bem. Vem cá - ela me deu um beijo - Me ligue. Ok?
Assenti, me despedindo de Xavier, e entrei rapidamente, sabendo que eles não iriam embora até se certificarem de que eu estava ok e não faria nenhuma loucura.
Joguei meus sapatos no tapete, tentando não fazer barulho ao entrar, porque eu não queria acordar nenhum deles - e obviamente não queria entrar em uma conversa sobre como havia sido minha noite com Keana.
Eu só parei de tremer quando me certifiquei, mais de uma vez, de haver trancado a porta, e só consegui respirar calmamente depois de verificar se todas as janelas estavam trancadas. Era loucura, mas eu sabia que não conseguiria dormir caso contrário. Na verdade, eu não conseguiria de qualquer forma.
Subi as escadas silenciosamente, e só quando me sentei na cama, enrolando-me no edredom, percebi que tremia. O que estava acontecendo comigo?
Limpei as lágrimas rapidamente, dizendo para mim mesma que eu não podia chorar naquele momento - eu não iria deixar a presença de alguém fazer aquilo comigo, então respirei fundo, e repeti mentalmente que eu precisava me acalmar. Quando percebi que não estava funcionando, comecei a dizer em voz alta, e antes que eu mudasse de ideia, liguei para Mick. Eu precisava esquecer aquilo, e ele sempre me divertia, então...
Percebi o quanto aquilo era uma ideia idiota e desliguei no terceiro toque. Ele provavelmente estava ocupado - com seus amigos, família ou alguma namorada. E de qualquer forma, eu não podia envolvê-lo naquilo.
Eu segurava meus joelhos, tentando respirar calmamente, quando senti o celular vibrar, e demorei alguns segundos até decidir atender. Eu havia ligado pra ele, afinal. "Tente não agir como se você tivesse acabado de ter surtado" eu disse a mim mesma, e falei oi.
- Hey - eu podia ouvir um som forte além de sua voz rouca, como se ele tivesse numa festa, e então percebi o quanto aquilo era idiota. Era sábado à noite, ele provavelmente devia estar enchendo a cara. - Você me ligou?
- É, desculpe, você está ocupado?- perguntei, já não sabendo porque eu havia ligado, afinal. É claro. Eu precisava me distrair, e Mick era uma ótima distração. Com suas piadas, a bebida e o quase flerte.
- Não. Estou num casamento. Nós viemos tocar, e ainda não nos expulsaram - ele disse, naquele tom de voz, que Mick sempre usava, que tornava impossível saber se ele estava brincando ou falando sério.
- Sério? Isso é demais. Eu queria ter visto - sorri, me lembrando do quanto ele parecia à vontade com a música.
- E como estão as coisas aí? -
ele perguntou, e depois de um silêncio constrangedor em que eu havia tentado pensar em algo animado pra dizer, que soasse verdadeiro, ele me perguntou se eu estava bem.
Respirei calmamente, numa tentativa de fazer minha voz soar ok.
- Eu fui a uma festa, e foi uma droga... - tentei rir, mas pareceu ter soado tão patético para ele quanto soou para mim.
- Festas às vezes são um porre. Você quer falar sobre isso?
- Não - então aquela era uma péssima ideia. Nós não deveríamos falar sobre como eu estava me sentindo, ou sobre o que havia acontecido. Ele deveria fazer alguma piadinha ou dizer algo que me fizesse esquecer aquilo.
- Desculpe, eu não deveria ter ligado. - continuei - Estou num péssimo humor e...
- Leah - eu não podia mentir. O modo como ele pronunciava meu nome me fazia parar, por alguns segundos, de respirar - Eu estou aqui. Fale comigo.
- Eu quero ir embora daqui - eu disse, e então deixei o edredom cair de minhas mãos, percebendo que eu o estava apertando com força.
Aquela era a verdade. Eu precisava sair dali. Mas eu não sabia se existia um lugar tão longe quanto eu precisava.
Então ele disse, e precisei de alguns segundos até perceber que estava falando sério, e, de certa forma, aquilo me fez gostar um pouco mais dele.
- Você quer que eu te encontre? Posso te pegar na rodoviária.
- São mais de três horas, Mick. Você vai dirigir todo esse tempo... - ele só está sendo educado, pensei, porque quem sairia de um casamento aparentemente divertido para passar horas na estrada e encontrar alguém que mal conhecia?
Então ele me pediu o endereço, dizendo que chegaria mais rápido se saísse de lá naquele momento, e eu percebi que Mick realmente falava sério, e eu cogitei a possibilidade - eu realmente cogitei. De repente, imaginei nós dois dirigindo até amanhecer, parando no meio do caminho para beber e agindo como se aquilo fosse algo realmente divertido. Talvez eu conseguisse - fingir que era, quero dizer. Mas eu não podia fazer aquilo com meus pais de novo - sair no meio da noite sem explicações, deixá-los preocupados. Eu só precisava me acalmar. Tudo ia ficar bem. Rebeca e eu íamos embora no dia seguinte - eu repeti algumas vezes, até me convencer de que era verdade. Eram só algumas horas. Tudo ia ficar bem.
- Não precisa. - eu finalmente disse, e ele pareceu querer me interromper - Não, sério, isso seria loucura. Obrigada, Mick. De verdade. Mas acho que posso esperar até amanhã.
- É só um dia ruim - eu acrescentei, mais baixo, para mim mesma, e ele me perguntou se havia algo que poderia fazer, então pedi para me contar algo feliz.
- Tem uma música - ele começou - que eu comecei a escrever há algum tempo, mas a deixei de lado porque não conseguia terminar. Achei que estivesse uma porcaria ou sei lá. Então ontem à noite eu estava tocando, e fiz alguns ajustes. E eu a toquei hoje. Acho que não foi uma porcaria, porque não tacaram nada no palco... - ele usou seu tom irônico, e eu podia ver que estava animado. Na verdade, eu estava curiosa sobre a música. Não sabia que Mick escrevia.
- Eu quero ouvi-la, qualquer dia - eu disse, e ele me pediu para aguardar um instante, num tom de quem estava aprontando algo, e então o telefone ficou mudo, antes que eu tivesse tempo de dizer "ok".
- Espero que consiga ouvir - ele disse, alguns instantes depois, e eu podia ouvi-lo tocar alguns acordes. Então ele iria me mostrar sua música, pensei, tentando não surtar sobre aquilo. Apertei o telefone contra o ouvido, e então ele começou a cantar, a voz um pouco abafada pela distância, mas ainda era sua voz - rouca e melódica, um pouco ofegante. A música começou bem calma e ficou mais agitada no refrão, e eu podia visualizá-lo sentado, com o olhar concentrado e uma ruginha entre a sobrancelha - como naquela noite em que ele havia tocado pra mim na sua casa.
Eu só percebi que estava com os olhos fechados quando a música acabou e a voz de Mick soou mais alta do outro lado da linha, e demorei um pouco a abri-los. A música era muito boa - um pouco melancólica e irritada, e apaixonante.
- Incrível - eu disse, percebendo então que ele provavelmente me perguntara o que eu achava - Meu Deus, eu queria ter gravado isso.
- Então você gostou... - ele perguntou, parecendo um pouco nervoso, o que era até engraçado, porque a música era ótima, e mesmo que fosse uma porcaria, Mick cantava bem pra cacete. Ele realmente estava com medo de que eu odiasse?
- Você precisava ver a minha cara nesse momento. - eu disse, percebendo então que seria uma ideia terrível, porque eu parecia uma boba naquele momento. Como uma adolescente idiota que ficava com o coração palpitando após um garoto cantar uma música para ela daquele jeito. E era como eu deveria me sentir - era como as pessoas da minha idade se sentiam. Não... aquilo. Não assustada pra caralho porque o ex namorado agressivo havia me machucado tanto que eu mal conseguia ficar na mesma cidade que ele. Ninguém deveria se sentir daquele jeito.
- Toque algo pra mim novamente - eu pedi, querendo sentir de novo aquela coisa de alguns instantes antes, e esquecer todo o resto.
Então ele tocou Kings and Queen, do 30 seconds to Mars e foi quase fácil me distrair por alguns instantes.
Então a música acabou, e nenhum de nós disse nada, o que era idiota, porque ambos estávamos gastando crédito à toa, mas eu queria dizer a ele pra não desligar, porque enquanto estivéssemos conversando, eu não precisava lidar com tudo aquilo, e podia fingir que aquela noite não havia acontecido. Eu podia agir como se eu fosse só uma garota falando no telefone com um cara bonito.
Então o ouvi sussurrar pra alguém que já estava indo, e Mick me perguntou se podíamos nos falar mais tarde, porque ele estava indo embora do casamento.
- É claro. Não dirija bêbado - eu sabia que ele não estava bêbado, porque eu me lembrava do Mick bêbado, e ele era um pouco mais maluco.
- Não vou - ele disse - Boa noite, Lee.
Então eu desliguei, me enfiando embaixo do cobertor, e esperei algumas horas até o sono finalmente chegar, o que aconteceu quando já estava clareando.
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Perto do limite
RomanceEu passei muito tempo tentando entender o que essa história representa - para os leitores e para mim, mas acho que, no fim, é uma história sobre se apaixonar. Sobre como o amor pode trazer de volta cores para uma parte da sua vida que estava em somb...