Capítulo 27

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Mick

Ele estava pior.
Era bem óbvio. Na verdade, tão óbvio que eu me recusava a acreditar. Caralho, como alguém podia piorar assim tão rápido?
Assim que entrei no quarto, percebi que havia algo errado. Primeiro, pensei que talvez ele estivesse pegando no sono - suas pálpebras estavam um pouco caída, e ele respirava vagarosamente - mas depois, notei que era o remédio.
Ele estava com dores, e estavam aumentando cada vez mais as doses. Às vezes, ajudava, e às vezes - eu podia dizer pelo olhar de Miranda ao chegar em casa - não era suficiente.
Naquele momento, ele não estava com dores. Só parecia dopado, e naquele momento, odiei tudo. Aquela porra por ser inoperável. Os remédios que não eram suficientes ou o deixavam grogue demais, e o fato de ele estar morrendo.
Me forcei a ficar calmo. Era meu pai, lembrei a mim mesmo, e ele odiava dramas.
"Garotos dessa família não choram" ele dizia, quando Greg e eu éramos crianças "Nós, Young, não somos mariquinhas".

Passamos boa parte da manhã assistindo à uma reprise de jogo de futebol naquela "televisão ruim", como meu pai a chamara, e já passava do meio dia quando uma das enfermeiras veio trazer seu almoço, e novos remédios, e eu saí para buscar um café.
Fui até a área para fumantes, procurando por sinal no celular, e mandei uma mensagem à treinadora, dizendo que eu não poderia ir ao treino naquele dia. Teríamos uma competição dali a duas semanas, e eu sabia que precisava treinar para não perder a forma, mas não conseguiria. Não naquele dia.
Comprei alguns daqueles livros de dois dólares em uma daquelas máquinas do tipo "pague o quanto acha que vale", e passei o restante do tempo os lendo num daqueles banquinhos para visitantes, enquanto meu pai dormia.
Acho que acabei pegando no sono, porque ouvi a voz de Miranda.
- Eu não queria te acordar, mas seu celular está tocando há um tempão - Miranda parou de me sacudir, e voltou a ler sua revista. Há quanto tempo eu estava dormindo?
- Você não tinha que trabalhar? - perguntei, e depois me lembrei que ela pegara uma licença no trabalho. Miranda dava aulas de música numa faculdade pequena da cidade, e também dava aulas particulares, que imaginei que ela tivesse cancelado.
- Não precisava - eu disse, me referindo ao fato de ela ter cancelado seus compromissos novamente. Era final de semana, e eu não tinha muito o que fazer - Eu disse que iria vir aqui.
- Eu sei - ela respondeu, calma. Miranda nunca ficava nervosa. Pelo menos, não na nossa frente. A não ser naquele dia. Aquela porra daquele dia - É fim de semana, Mick. Vá sair com seus amigos ou sei lá as coisas que você faça quando não está em casa. Só se lembre de voltar.
- Tudo bem - eu disse, percebendo que ela ainda não havia esquecido meu sumiço. Nem eu.

Perto do limiteOnde histórias criam vida. Descubra agora