Capítulo 58

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Leah

A primeira coisa em que pensei quando acordei foi que Rebeca me mataria, mas a primeira coisa que meus olhos buscaram, antes de tudo, foi Mick, e aquilo foi a primeira coisa que veio à minha mente, antes mesmo de qualquer preocupação ou vergonha em relação a noite anterior. É claro que, depois de alguns segundos, isso se manifestou, e lembrei a mim mesma que nada havia acontecido. Nós só havíamos nos beijado - ardentemente - e dado alguns amassos e aquilo era tudo. Antes mesmo de terminar a sentença em minha cabeça, eu já sabia que estava mentindo para mim mesma. Nós não havíamos apenas nos beijado e dado alguns amassos. Nós havíamos nos beijado até eu sentir que precisava ir até o espelho verificar se meus lábios estavam inchados. Nós havíamos nos beijado até todas as partes do meu corpo parecerem tão quentes que eu poderia iniciar um incêndio, ali mesmo. Então, não, não havia sido apenas um beijo. Mas eu gostaria que fosse porque, dessa forma, eu poderia esquecer. Se fosse apenas um beijo - apenas um bom beijo, eu poderia deixar pra lá e seguir em frente, fingindo que aquilo não havia acontecido com excessão de algumas piadas, ocasionalmente, sobre como quase havíamos ultrapassado a linha da amizade. Mas aquilo? Bem, aquilo eu não podia esquecer. Eu não podia simplesmente esquecer o modo como seus lábios haviam percorrido, urgentes, partes do meu corpo que eu nem sabia que poderiam parecer tão quentes. Eu não podia esquecer o modo como seus olhos pareciam me desejar, antes mesmo de suas mãos ou seu corpo - eu não podia esquecer o modo como ele me olhava. E eu não podia - eu certamente não podia - esquecer o modo como meu corpo parecia desejá-lo. Mas eu precisava. Eu precisava deixar aquilo pra lá, porque alguma parte no fundo de minha mente - uma parte inteligente o bastante para sussurrar o que eu queria ignorar - sabia que aquilo não seria apenas sexo casual. Mick estava se envolvendo, e, pior ainda, eu também estava, e aquilo não podia acontecer.
Temendo já ser tarde demais, tentei pensar no que fazer, mas tudo o que vinha à minha mente, além de arranjar uma namorada para Mick, era me afastar, e eu não podia fazer nenhuma daquelas coisas. Ele não precisava de mim para encontrar alguém - Mick era inteligente, bonito, engraçado e sexy, de forma que não precisaria se esforçar muito para encontrar alguma boca para beijar. E eu não podia me afastar. Eu não podia fazer aquilo quando já havia me aproximado demais porque, naquele momento, Mick era importante pra mim. Antes de qualquer questão física, ele era importante, e eu sabia que fazer aquilo magoaria nós dois.
Então, não conseguindo pensar em mais nada, resolvi deixar aquele assunto como estava - eu poderia pensar naquilo mais tarde - e, primeiro, me concentrar no que eu diria à Rebeca. Eu havia falado com minha irmã no dia anterior, mas ainda assim sabia que ela provavelmente estava uma fera por eu ter dormido fora de casa - na casa de Mick.
Mick já havia levantado, então fui até o banheiro, que estava um pouco molhado, mostrando que ele provavelmente tomara banho, e lavei o rosto e escovei os dentes.
Tirei sua camiseta - não conseguindo resistir a cheirá-la, mais uma vez, antes de colocar sobre sua cama - e vesti minhas roupas, que pareciam um pouco ridículas àquela hora do dia. Demorei um pouco mais que o necessário arrumando meu cabelo - eu não podia fazer nada, de qualquer forma, sem um pouco de creme de pentear - porque eu estava nervosa.
Nós não havíamos ido até o fim - uma parte de mim ficou irritada por termos bebido e outra parte se perguntou se não teria sido melhor, afinal, como eu poderia encará-lo se tivéssemos transado? - mas tínhamos ido mais longe do que eu havia ido com qualquer pessoa antes. E aquilo fora...intenso. Eu ainda conseguia sentir seus lábios sobre minha pele, e suas mãos, urgentes, me puxando para perto. Céus, eu não ia conseguir parar de pensar naquilo e nós nem havíamos transado. Como eu iria olhar pra cara dele? Quer dizer, ele era Mick, meio que meu melhor - e talvez único - amigo. Nós éramos...íntimos. Mas aquilo certamente ultrapassava todas as barreiras da amizade.
Desci as escadas com um pouco de medo de que sua mãe estivesse ali - eu não sabia o que ela pensava do fato de Mick levar garotas para casa - mas, para minha sorte, tudo parecia silencioso.
- Ei - eu disse, reunindo forças para conseguir encará-lo, quando o vi surgir da cozinha com uma xícara de café. Meus olhos se demoraram um pouco em seu tórax, e me perguntei se ele fazia aquilo de propósito - o lance de ficar sem camisa. E também aquela coisa com os olhos.
- Oi - ele disse, me encarando daquela maneira, e por alguns instantes nenhum de nós soube o que fazer. Deveríamos fingir que nada daquilo havia acontecido e voltar a sermos os bons amigos Mick e Leah? Ou deveríamos conversar sobre aquilo? Não. Aquela me parecia uma péssima opção.
- Você quer café? - ele perguntou, interrompendo o silêncio, e assenti, o seguindo até a cozinha - Fui eu que fiz, então, se tiver uma porcaria, você pode jogar na pia disfarçadamente...
- Bobinho - peguei a xícara de sua mão, dando um gole, e fiz uma careta, fingindo sentir um gosto horrível, o que o fez rir.
- Como você dormiu? - ele perguntou, depois de ficarmos em silêncio pelo o que pareceu um tempo enorme, enquanto preparávamos sanduíches. Quase respondi que havia dormido muito bem - sem nenhum pesadelo - quando senti que aquela pergunta carregava alguma coisa a mais. Percebi que, de alguma forma, Mick queria me perguntar sobre a noite passada - talvez ele quisesse saber em que terreno estávamos, e não pude deixar de implorar mentalmente para que ele não o fizesse, porque eu não saberia responder aquilo.
- Eu dormi muito bem - sorri, pensando que aquela era minha resposta mais sincera - e você? Não se incomodou com meu ronco?
- Eu não ia mencionar isso, mas já que você falou... Eu dormi muito bem, Leah.
Algo na sua voz me fez lembrar do modo como seus braços pareciam...certos ao meu redor na noite anterior. De como nossos corpos pareciam certos, juntos, e a imagem em minha mente quase me fez sorrir.
- O que foi? - ele perguntou, percebendo algo em minha expressão.
- Eu, ahm, preciso ir. Rebeca vai me matar, você sabe... Obrigada. Pela noite passada - eu disse, antes de perceber como aquilo soaria, e então me apressei até a porta - E pelo café.
- Eu levo você.
Antes que eu pudesse relutar, Mick já estava procurando pelas chaves, e tudo o que eu podia pensar era em como conseguiria evitar que não falássemos sobre a noite passada no caminho até em casa.
- Não precisa. Sério, são só alguns minutos e o dia está ótimo. Eu podia ir caminhando...
- Ou você podia ficar - ele se virou para me encarar, com as chaves na mão e aquele olhar no rosto. Aquele olhar que deixava minhas pernas bambas. Mick então se aproximou, tornando a distância entre nós de apenas alguns centímetros, e eu podia sentir todo o ar se esvair de meus pulmões.
- Fica - ele disse, afastando uma mecha do meu cabelo, o que me fez dar um passo para trás, o que me fez esbarrar na mesa. Nenhum de nós, entretanto, ligou, porque era quase como se houvesse algo no bar. Em nós. Entre nós. - comigo.
Por alguns instantes, fiquei tentada a dizer sim, porque eu gostava da companhia de Mick. Quando estávamos juntos era quase como se...como se todos os problemas ficassem em segundo plano. Era divertido. E então me lembrei novamente da noite passada, de suas mãos, por toda parte, e de meu corpo respondendo a elas, e por alguns instantes era quase como se eu não pudesse respirar.
Considerei, então, a ideia de ficar, e todas as possibilidades que viriam daquela noite. Dormir com Mick...mesmo que só dormir seria melhor do que ficar sozinha em casa, com todos aqueles pesadelos; mas eu sabia que não podia. Rebeca não estava gostando nem um pouco de eu estar passando tempo demais ali. "Ele não é nem seu namorado, Leah" ela dissera, e tinha razão. Mas como eu podia explicar como eu me sentia quando estávamos juntos? Eu não conseguia.
- Você sabe que eu não posso - eu disse, então - Rebeca vai surtar se eu não voltar pra casa.
Antes mesmo de responder, entretanto, eu sabia que ele não estava se referindo apenas aquilo - ao significado literal de ficar. Eu sabia o que Mick queria, na verdade, dizer. E ele disse mesmo assim.
- Não. Fica comigo.
Mesmo sabendo do significado de suas palavras, do que ele de fato queria dizer, tudo o que eu pude repetir era que não podia - que eu precisava ir - e, naquele momento, eu não sabia a qual dos significados eu estava respondendo. Eu não fazia ideia.

***
Obs.: Leia este capítulo ouvindo "This love", da Taylor Swift.

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