Capítulo 2 - Abe - Parte 1

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Abe

As águas límpidas do rio refletem o rosto de Abe. Embora seja marcado por traços fortes, não são eles que mais chamam atenção na imagem refletida na superfície da água. O olho esquerdo exibe pupila esbranquiçada. A cicatriz que o atravessa é uma constante lembrança de como este olho foi inutilizado. O olho direito, que lhe sobrou, não deixa de transparecer o peso que os últimos anos de treinamento impuseram.

Abe limpa o sangue de seu rosto. Ele molha a sua cabeça raspada para aplacar o calor. Apesar de o inverno estar se aproximando, os últimos dias têm sido quentes na Ilha Norte da Terra do Comércio. A água gelada também alivia a dor dos machucados.

O som das lâminas cegas das espadas se chocando umas contra as outras parece ter dado uma trégua. Abe ainda consegue ouvir a voz dos demais aprendizes, mas não ouve os sons típicos das lutas.

- Abe? – uma voz chama. A densa vegetação às margens do rio movimenta-se com a aproximação da pessoa. – Onde você está? Ogu está te procurando.

- Estou aqui. Perto do rio.

Okko emerge em meio às plantas. Embora seja da mesma idade de Abe, ele é mais alto e mais forte. A luz do sol ressalta o seu nariz torto e seu rosto quadrado. Sua pele é quase da mesma cor de suas vestimentas de couro negro.

- Você foi bem hoje – Okko diz. – Mas a sua cara parece que sofreu um pouco, não é? – Ele analisa o rosto de Abe por um momento. – Principalmente no lado do seu olho ruim. Como você está se sentindo?

- Bem. Grande parte desses machucados foi você que fez.

- Mas você sabe por que eu faço isso, não é? – Okko ajoelha-se ao lado de Abe e molha o seu rosto. –Em uma luta de verdade...

- Eu sei. Você não precisa me falar.

Abe pega a sua espada do chão e limpa a terra que suja a lâmina cega. Ele se levanta, trincando a mandíbula quando sente a dor em seu torso.

- O que o Ogu quer? – ele pergunta. – Já acabou o teste de hoje?

- Sim – Okko diz, jogando água sobre a sua careca. – Ele está reunindo os aprovados.

- Isso significa que eu passei?

Okko aperta os lábios e sinaliza que sim com a cabeça.

- Algum reprovado?

- Sempre há reprovados. – Okko se levanta. – Vamos andando.

Os dois caminham pela mata em direção à arena. O lugar, construído há séculos para o treinamento dos soldados da Guarda dos Mares, é rodeado pela densa vegetação da Ilha Norte da Terra do Comércio, onde o clima é quente e úmido.

Das Cinzas da Era PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora