Capítulo 1 - Dom Eduardo - Parte 1

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Dom Eduardo

O dia amanheceu mais frio que o comum. Não há uma nuvem sequer no céu. O sol brilha forte, mas seu calor não é suficiente para aplacar o ar gelado da manhã. O clima nas planícies da Terra do Amanhã é frio nesta época do ano e todos vieram preparados, com roupas de lã e mantos. O comboio do Imperador Jonas Scliros marcha em uníssono, como um verdadeiro exército, embora apenas a sua minoria seja composta de soldados. Quase ninguém fala. Poucos cochicham entre si, em conversas rápidas e pontuais. Todos estão mais preocupados em se aquecer do que conversar.

Além de frias, estas são terras inimigas e hostis, onde os súditos do Imperador se sentem apreensivos. Dom Eduardo não é uma exceção. O cavaleiro cavalga em silêncio, enrolado em seu manto roxo escuro. Cada centímetro quadrado da Terra do Amanhã lhe traz lembranças que ele havia enterrado em algum lugar sombrio de sua memória. Por debaixo do manto, ele usa sua armadura completa, como se estivesse marchando novamente para a guerra. Já beirando os cinquenta anos e com décadas de experiência nos campos de batalha, Dom Eduardo sabe que um encontro para selar a paz pode muito bem se transformar em um massacre, especialmente um encontro como este. Por dias, ele tentou dissuadir o Imperador da ideia de que aceitar a rendição de seu irmão em território inimigo, mas o esforço foi em vão.

- Estamos chegando, Dom Eduardo? – Príncipe João pergunta, quebrando o silêncio. A sua fala é acompanhada pela fumaça branca que sai de sua boca. – Estou cansado de cavalgar. Já faz duas semanas...

- Estamos quase lá – Dom Eduardo responde. – Em algumas horas, já veremos a Cidade da Planície e o Ninho.

O pequeno Príncipe aperta os lábios, como ele sempre faz quando está insatisfeito. É a primeira vez que ele viaja para fora da Cidade do Punho do Imperador, ou simplesmente a Cidade do Punho, onde fica a sede do Império. Dom Eduardo passou os últimos onze anos de sua vida acompanhando todos os passos de João, ensinando-lhe tudo o que sabe sobre como usar uma espada. Após anos lutando pelo exército Imperial do Punho, o privilégio de treinar um dos herdeiros do Imperador foi concedido a Dom Eduardo como seu merecido descanso. Os anos de luta deixaram sua marca no cavaleiro; não apenas em sua mente, com as memórias que ele gostaria de esquecer, como também em seu corpo.

O rosto de Dom Eduardo, bem delineado por seu queixo quadrado, sua barba rala, seus olhos sóbrios e seu nariz longo e torto, é marcado por duas grandes cicatrizes. Uma delas atravessa seu rosto diagonalmente, começando em sua testa e terminando na maçã de seu rosto. A outra atravessa seu rosto horizontalmente, logo abaixo de seus olhos.

- Posso pelo menos desmontar e continuar a pé? – Príncipe João insiste. – Minhas pernas estão dormentes.

- Aguente só mais um pouco. Nós estamos quase chegando.

Nos primeiros dias, o Príncipe parecia estar gostando da viagem. Ele nunca havia viajado para tão longe e estava animado com a perspectiva de conhecer novas cidades. O seu humor mudou a partir do terceiro dia, no entanto, quando o comboio começou a travessia das Planícies do Desespero, onde o sol é forte e a sombra, escassa. Apesar do nome, as planícies não têm nada de desesperador; ganharam este nome em razão das inúmeras guerras que nela ocorreram no passado, quando o Império ainda era dividido em diversos reinos.

- Não sei por que nós tivemos que vir até aqui – diz João. – Nós ganhamos a guerra. Eles é que deveriam ir até nós.

- A única condição que seu tio impôs para se render foi que nós o poupássemos da humilhação de ter que ir até o Punho para apresentar a sua rendição – diz Dom Eduardo, apesar de saber que essa condição poderia ser facilmente recusada. O Imperador é vaidoso e gostou da ideia de ver a sua vitória oficializada em território inimigo. – Além disso, meu Príncipe, o Castelo do Ninho está sob o cerco do exército de seu pai há anos. Estaremos seguros lá.

- Isso é estupidez – João retruca. – Meu tio é um traidor, um usurpador. Meu pai deveria decapitá-lo, e não o perdoar.

- Bom, se um dia você for Imperador, poderá fazer as coisas do seu jeito. Até lá, você tem que confiar no seu pai.

- E se ele não estiver fazendo a coisa certa?

- Não é nosso papel julgar se o Imperador está correto ou não em suas decisões.

- Que seja...

Das Cinzas da Era PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora