Capítulo 6 - Victoria - Parte 2

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Victoria

Victoria dá as costas a Dom Pacros, irritada. Ela anda de volta à janela, cujos vidros estão embaçados de novo. Ela limpa uma parte do vidro com a manga de seu vestido e observa o sol, respirando fundo para se acalmar. Ela nunca gostou do Senhor Miro Soto, especialmente depois de ele ter concordado em trair o Imperador Jonas. Se ele traiu um Scliros, o que o impediria de trair outro? Ela foi contra lhe dar o título de Lorde em troca de sua traição. Lucas, no entanto, é teimoso e insiste em cumprir todas as suas promessas, por mais tolas que sejam. Os nobres devem confiar na minha palavra, ele costuma dizer. Victoria gosta mais do estilo de governar do seu pai, que prefere impor respeito e medo ao invés de confiança. A confiança sempre pode ser quebrada.

- Eu vou me juntar a eles. Você me acompanha, Dom Pacros?

- É claro, Majestade.

Os dois andam pelos escuros e úmidos corredores do Ninho. Victoria se arrepende de não ter colocado um manto sobre os seus ombros. Enquanto o seu quarto estava frio, os corredores do castelo estão gélidos. Pelo menos o salão principal estará aquecido por uma grande fogueira.

Victoria nota, aqui e ali, marcas de sangue no chão e nas paredes, dando um tom marrom às pedras cinzas. Na noite do massacre, ela ouviu os barulhos do conflito, mas só saiu de seu quarto na noite do dia seguinte, quando a maior parte dos vestígios da luta já tinha sido limpa. Aparentemente, os serviçais responsáveis pela limpeza do Ninho são tão incompetentes quanto os soldados que o protegem.

Os homens que guardam a porta do salão principal admitem a entrada de Victoria sem fazer nenhuma pergunta. Eles já estão habituados à presença da Imperatriz.

Victoria é observada pelos quatro nobres presentes no salão principal. Seu pai, Lorde Petros, oferece um sorriso fraterno, enquanto Lucas e Lorde Baliol mal reagem à sua presença. Miro Soto levanta-se de forma afobada para cumprimentá-la, quase derrubando o copo de vinho à sua frente.

- Imperatriz Victoria – ele diz, curvando-se. Ela oferece sua mão, que ele pega e beija sem hesitar. – A última vez que a vi, Vossa Majestade era apenas uma menina. E agora, olhe para Vossa Majestade. Uma legítima Petros! Não há beleza igual à sua em todo o Império.

Ao contrário da maioria dos Lordes, Miro Soto não possui uma espada pendurada em sua cintura. Como Barão, Soto foi educado na arte das finanças e do comércio, não da espada. O Banco Soto, fundado há gerações atrás, é o maior de todo o Império. Desde o começo da Guerra dos Dois Irmãos, no entanto, Miro Soto perdeu grande parte de sua fortuna e de suas propriedades. Toda a riqueza que guardava em suas fortificações na Terra do Amanhã foi confiscada por Lucas. Foi Lorde Petros que descobriu o desejo do Chefe do Conselho dos Barões de acabar com o conflito o quanto antes.

Em razão de sua inépcia em qualquer modalidade de combate, Miro Soto não possui a mesma aparência dos Lordes do Império. Ele é baixo e gordo, a ponto de seu pescoço ter sido engolido pelo seu queixo flácido. Ele não possui barba, mas exibe um volumoso bigode branco. Quase não há cabelo em sua cabeça, devido à sua calvície. Seus olhos são pequenos como os de um rato e seu nariz é longo demais para o seu rosto redondo.

- Obrigado, Lorde Soto – Victoria diz. – Vossa senhoria é muito bondosa. Espero que sua família esteja confortável no Ninho.

Os olhos de Lorde Baliol miram Victoria por um instante, mas ele permanece em silêncio. O comentário foi descabido, mas Victoria sabe disso. A família de Miro Soto não o acompanhou ao Ninho.

- Minha família permanece no Punho, Majestade. Para todos os efeitos, eu sou apenas um prisioneiro no Ninho. Assim que a guerra terminar, mandarei buscá-los. Lorde Baliol concordou em recebê-los aqui até que eu termine de construir o meu castelo nas terras que o Imperador me concedeu.

- Lorde Baliol é muito gentil. Ele sempre tratou a mim e ao Imperador com muita atenção durante todos estes anos. Tenho certeza que ele estenderá a vossa senhoria a mesma hospitalidade. E quanto ao seu Banco?

- O destino do Banco Soto é uma questão para o Império decidir – Lorde Baliol diz rispidamente, antes que Miro Soto pudesse responder. – É exatamente o que estamos fazendo aqui, minha Imperatriz; discutindo questões de interesse do Império. Se Vossa Majestade não se importar, peço que nos dê licença.

Victoria permanece em pé, seus olhos fixados nos de Lorde Baliol, que parece irritado pelo fato de ela permanecer ali. O silêncio se prolonga, e nem mesmo o Imperador Lucas diz algo em defesa de sua esposa. É Lorde Petros quem quebra o silêncio.

- Lorde Soto gentilmente concordou em dividir a titularidade de seu banco com o Império e o Conselho dos Barões. Cada um terá um terço das receitas. – Lorde Petros oferece um sorriso de canto de boca a Lorde Baliol. – Peço desculpas, Lorde Baliol, mas eu envolvo a Imperatriz Victoria em todos os assuntos da Família. Meu filho, vossa senhoria sabe, só tem interesse pela espada. Cabe à minha estimada filha cuidar de todo o resto.

- É claro – Lorde Baliol diz, claramente insatisfeito. – O nobre cavaleiro também cuida dos assuntos da família? – ele diz, olhando para Dom Pacros, que permanece imóvel como uma rocha atrás de Victoria.

Lorde Petros sorri, e acena com a cabeça para que Dom Pacros se retire. O cavaleiro entende o sinal, e deixa o salão em silêncio.

Das Cinzas da Era PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora