Capítulo 5 - João - Parte 3

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João

João não consegue se levantar. Todos os seus esforços para se mexer são em vão. Ele tenta responder, mas nenhuma palavra sai de sua boca.

- Abra os olhos! Vamos!

Ele abre os olhos.

No começo, a única coisa que ele vê é um clarão; uma forte luz que machuca os seus olhos. Após alguns momentos, no entanto, ele consegue identificar algo. Um rosto. Ele finalmente reconhece Dom Eduardo.

Com dificuldade, ele se senta. Ao apoiar a mão no chão, ele sente o toque da grama e da terra úmida. Dom Eduardo está ajoelhado ao seu lado, analisando o entorno. Quando ele se certifica de que não há ninguém por perto, ele olha para João e coloca a mão em seu ombro.

- Foi só um sonho. Fique tranquilo.

João esfrega a testa na tentativa de aplacar a dor de cabeça que está sentindo. Ele observa o local em sua volta. O dia está ensolarado, embora bastante frio, e as folhas das árvores balançam suavemente com a leve brisa. É possível ouvir o som da água correndo rio abaixo a poucos metros dali. O Rio Vermelho, João pensa. Pouco a pouco, os detalhes dos últimos dias começam a voltar à sua mente.

Tudo não passou de uma emboscada. Seu tio, Lorde Lucas, traiu seu pai, o Imperador, e reivindicou novamente o trono. João tem certeza que ele seria o próximo a morrer, mas Dom Eduardo agiu rápido. Ao perceber que estava tudo perdido, seu mentor correu para o seu quarto, o acordou e o conduziu, ainda sonolento e confuso, pelos corredores escuros do Ninho.

Escapar do castelo não foi fácil. Para todos os lados que olhavam, João e Dom Eduardo estavam cercados. Dom Rosso os encontrou a certa altura, mas logo sucumbiu para os inimigos. Os soldados da Terra do Amanhã eram numericamente muito superiores. O próprio João foi forçado a empunhar a sua espada, e pela primeira vez ele tirou a vida de um homem. E não foi apenas um. No momento em que João e Dom Eduardo conseguiram chegar ao pátio do Ninho, suas roupas cobertas de sangue e ensopadas de suor, o Príncipe já havia matado uma dezena de soldados. Os movimentos vinham naturalmente para João; era como se a espada fosse uma continuação do seu braço.

No pátio do Ninho, havia luta para todos os lados. Os poucos soldados do Punho do Imperador que entraram no castelo lutavam com todas suas forças. O som do conflito encheu os ouvidos de João. A certo momento, ele parou de notar o barulho das lâminas chocando-se umas com as outras, assim como os gritos e grunhidos dos homens que perdiam as suas vidas. Era como se o som fosse parte do mundo. Uma música perturbadora e sem fim. Apenas mais um aspecto do ambiente de guerra que havia se instalado.

Atravessar os muros do Ninho foi a parte mais difícil. Dom Eduardo procurava desesperadamente por portas e passagens que levassem ao outro lado de cada muro que impedia a sua fuga. Por ter servido durante anos no cerco do Ninho, o cavaleiro havia estudado cada um dos pontos fracos dos diversos muros que protegem o castelo.

O último muro foi o mais difícil. Como principal defesa contra invasores, o muro externo do Ninho é o mais fortificado e com menos brechas. A única saída é o portão principal do castelo, mas essa não era uma opção. Se eles tentassem sair por lá, seriam mortos sem nenhuma sombra de dúvida. A única solução era subir uma das escadas de acesso ao adarve do muro, onde os soldados do Ninho fazem rondas e se posicionam para defender o castelo contra tentativas de invasão.

Embora o muro não estivesse tão fortificado quanto o interior do castelo, ainda assim Dom Eduardo e João encontraram diversos soldados em seu caminho. Um deles, que encontrou o Príncipe e seu mentor na escada de acesso ao adarve, quase desferiu um golpe fatal em João, que foi salvo no último segundo por Dom Eduardo. O cavaleiro pagou o preço, no entanto, e sofreu um profundo corte que se estende de seu ombro até o peito.

Quando finalmente chegaram ao topo do muro, os dois não tinham muitas opções. Se simplesmente pulassem para fora, morreriam ou seriam gravemente feridos na queda. Ainda que sobrevivessem, João não deixou de notar que, no exterior do Ninho, o caos era ainda maior do que dentro do castelo. As tropas Imperiais que ainda mantinham o cerco se digladiavam com os soldados da Terra do Amanhã. Para qualquer direção que se olhasse, havia morte, sangue e desespero. A única opção para Dom Eduardo e João foi pular nas águas do Rio Vermelho, que corre logo ao lado do Ninho. Os dois conseguiram escapar com vida, mas o Príncipe aprendeu, da pior maneira possível, que cair na água de uma altura tão grande pode ser bastante doloroso.

Desde aquela noite, João tem tido fortes dores de cabeça, e seu pescoço está tão rígido e dolorido que ele parece ser feito de pedra.

- Por que ainda estamos seguindo a margem do Rio Vermelho? – João pergunta. – Cedo ou tarde os soldados do meu tio vão nos encontrar aqui.

- Nós temos que chegar a domínios fiéis ao Império o mais rápido possível.

- Eu sei disso. Mas o mais perto é a Terra do Gelo. A gente deveria estar andando rumo ao Sul.

Dom Eduardo dá um suspiro e passa a mão pelos seus ralos cabelos grisalhos. Ele olha para o Príncipe contemplativamente, passando o dedo indicador e o dedão sobre a cicatriz abaixo dos seus olhos, um gesto que – João aprendeu após anos de convivência com o cavaleiro – demonstra ansiedade e aflição.

- Para ser sincero, eu não sei mais em quem confiar, meu Príncipe – Dom Eduardo diz. – Pode ser que a Terra do Gelo ainda seja fiel a você, mas pode ser que não. O Castelo da Agulha, no entanto, fica muito próximo ao Punho. Lorde Bainard é mais confiável que os Lordes da Terra do Gelo.

Das Cinzas da Era PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora