Capítulo 3 - Alfredo - Parte 3

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Alfredo

Irmão Humberto e Alfredo andam pelo emaranhado de estantes que ocupam o frio e escuro subsolo da biblioteca, com livros milenares e empoeirados em suas prateleiras. Eles caminham em silêncio em direção às escadas que os levarão à superfície, mas a mente de Alfredo está acelerada com milhares de pensamentos. Ele sempre sonhou em visitar a biblioteca do Ninho e de alguns dos castelos da Terra do Amanhã. Durante os anos de guerra, era impossível que ele visitasse esses lugares, apesar de o Conselho dos Eruditos ter permanecido neutro durante o conflito. Por ordens do Imperador, ele seria executado se fosse até o Ninho e retornasse. Isso, é claro, se ele sobrevivesse à viagem em primeiro lugar. A guerra estava em todo os lugares, em cada canto do Império. Com a trégua, no entanto, não haverá mais empecilho para que Alfredo visite esses lugares.

Irmão Humberto sobe as escadas vagarosamente, com dificuldade. Ele já é um senhor de idade. Alfredo segue atrás dele, aguardando pacientemente o lento progresso do Erudito.

Ao chegarem no térreo, Alfredo sente o ar frio e seco da manhã que entra pelas janelas abertas. Após uma noite inteira em um lugar fechado e debaixo da terra, não há nada melhor do que o ar puro de um dia de outono. Alfredo respira fundo.

O andar térreo da Torre do Saber, uma das cinco que compõem o Punho do Imperador, é ocupado pelos livros mais novos sobre ciências naturais e técnicas de cura. Embora sejam populares entre os aprendizes, esses temas não interessam a Alfredo, que prefere o conhecimento mais obscuro de povos antigos e extintos.

Perto da entrada, Alfredo e Irmão Humberto encontram Dom Aldo Feros, um dos cavaleiros da guarda Imperial. Ele está encostado em uma das mesas de leitura, folheando um livro de forma preguiçosa e despretensiosa.

- O que vocês estavam fazendo lá embaixo sozinhos por tanto tempo? – ele pergunta com um sorriso debochado. – Lavaram as mãos?

Dom Aldo Feros, filho de um dos mais poderosos Lordes do Império, sempre teve jeito sarcástico e ácido. Nem diante do Imperador ele deixa de usar o seu meio sorriso no rosto, como quem acha graça de tudo. Ele tem cabelos castanhos e olhos escuros, com pele clara e rosto largo. Alto e de corpo esbelto, Alfredo lembra de Dom Eduardo ter dito uma vez que Dom Aldo possui o físico ideal para a luta. Ele não é nem muito alto, nem muito baixo; nem muito forte, nem muito fraco. O seu nariz fino e maçãs do rosto protuberantes dão um aspecto estranho ao seu rosto, mas o cavaleiro faz sucesso entre as mulheres mesmo assim. Para o azar delas, no entanto, Dom Aldo já está prometido para Lady Josefina Glad, com quem se casará daqui a alguns meses, quando completar os seus vinte anos.

- Não comece com suas anedotas, Dom Aldo – diz Irmão Humberto.

- Anedotas? Você acabou de inventar essa palavra?

- Vamos logo, não podemos perder tempo – diz o velho Irmão, andando com passos apressados. – Nós já estamos atrasados.

- Não se preocupe com o atraso – Dom Aldo diz. – Lorde Dario vai achar que é minha culpa de qualquer forma.

A luz do sol da manhã deixa Alfredo cego por alguns segundos. Dom Aldo caminha ao lado de Alfredo, sua armadura prateada fazendo um barulho metálico a cada passo seu. Todos os cavaleiros da guarda Imperial vestem armaduras esplendorosas, mas a de Dom Aldo é especialmente deslumbrante. Prateada e reluzente, ela possui em seu peitoral o símbolo da Família Feros – um crânio perfurado verticalmente por uma espada – desenhado em alto relevo com traços de ouro, que combinam bem com o manto dourado do cavaleiro.

- Você conversou com Lorde Dario? – Alfredo pergunta, em um tom baixo o suficiente para que Irmão Humberto não o ouça. – Você sabe do que se tratam as notícias?

- Você é curioso, né? – Dom Aldo diz, provocando. – Esse é o maior defeito dos Eruditos.

- Eu estou falando sério! Não tem nada que você possa me adiantar?

- Infelizmente, não. Estou tão perdido quanto você.

- Eu odeio a espera!

Os três atravessam o pátio do castelo em direção à Torre da Decisão, onde os Conselhos se reúnem para discutir assuntos importantes do Império. Alfredo nota uma pequena mancha no manto impecável de Dom Aldo. Uma mancha vermelha.

- O que é isso no seu manto? – ele pergunta. – É sangue?

- Sangue? – o cavaleiro diz, virando-se bruscamente para olhar. – Droga! Eu devia ter trocado isso.

- Está tudo bem?

- Sim. Foi só um acidente no meu treino matinal.

Ele rasga o pedaço sujo de seu manto e o joga no chão.

- Por que você fez isso? Ficou pior. Agora está rasgado.

- Melhor do que manchado – diz Dom Aldo.

Das Cinzas da Era PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora