Capítulo 5 - João - Parte 8

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João

Yuri hesita por um momento. Ele coça a sua barba rala, parecendo refletir sobre a proposta.

- Não. É mais fácil levar você ao seu tio. Como é que eu vou saber que o seu irmão vai mesmo me recompensar? Não, é muito arriscado.

- Então você prefere confiar em alguém que matou o seu próprio irmão e tentou matar seu sobrinho? – João indaga. – Além disso, é bem possível que meu irmão tenha sido traído também. Eu sonhei com a sua morte.

- Seu irmão...?

Ele olha para Julia, que parece intrigada.

- Se o irmão dele morrer também...

- Sim – João diz. – Vocês podem estar olhando para o novo Imperador. Se vocês me ajudarem, prometo que vou dar uma boa recompensa a vocês.

Yuri abaixa sua espada levemente, e João sabe que conseguiu convencê-lo. Após alguns segundos de hesitação, ele coloca sua espada de volta na bainha.

- Nós queremos armas novas, armaduras, terras férteis e quinze Serpentes Douradas – Yuri diz.

- Fechado – João responde, respirando aliviado.

Os três se entreolham por um momento, incertos sobre o que devem fazer em seguida.

- Pois bem, garoto – Yuri diz, quebrando o silêncio. – Mostre-nos onde está o seu pai, que não é o seu pai de verdade.

João pensa em objetar a forma pouco lisonjeira que Yuri utilizou para se endereçar a ele, mas decide que isso não é importante.

- Venham comigo.

Julia apaga a fogueira e pega a comida que estava preparando. A julgar pela aparência, são pombos que eles devem ter caçado em algum vilarejo próximo.

João faz o caminho inverso pelo bosque, esforçando-se para se lembrar da direção certa. Em algumas partes, ele tem dificuldade, pois não estava prestando atenção para onde estava correndo. No entanto, ele não foi nem um pouco cuidadoso em não deixar rastros. Sempre que ele se esquece o caminho certo, ele percebe folhas cortadas, troncos marcados pela lâmina de sua espada, e plantas pisoteadas.

- Você fez uma bagunça aqui, hein? – Julia diz com a boca cheia de comida. João olha para os pombos assados que ela carrega, empalados em espetos de madeira. – Você quer um? Você deve estar com fome.

- Sim...

- Toma. Pega um.

João não havia se dado conta de quão faminto ele estava. Já faz horas desde a última vez que ele comeu. Ele pensa em Dom Eduardo, que mal comeu os peixes que ele havia pescado no Rio Vermelho. Por favor, esteja vivo, ele pensa.

Após algumas horas andando pelo bosque, eles finalmente encontram Dom Eduardo desacordado, deitado próximo ao tronco de uma árvore, na mesma posição que estava da última vez que João o viu.

João corre em direção ao seu mentor e ajoelha-se ao seu lado.

- Dom Eduardo, acorde! – ele diz, sacudindo o cavaleiro. – Eu trouxe ajuda.

O sangue na roupa de Dom Eduardo já está seco e com tom amarronzado. Em torno do corte no peito do cavaleiro, no entanto, o sangue ainda tem um tom avermelhado. Mal é possível reconhecer o roxo e o amarelo da Família Scliros. A única coisa que revela a sua filiação é o brasão da serpente entrelaçada em uma espada.

- O que vocês estão esperando? – João diz, virando-se para Julia e Yuri. – Façam alguma coisa!

Os dois se encaram com expressões de preocupação. Nenhum dos dois faz qualquer movimento para se aproximar. Assim como João, eles parecem não ter ideia do que fazer.

João decide que não vai desistir. Ele se levanta e empunha sua espada.

- Vocês disseram que o ajudariam! Façam alguma coisa!

- Tudo bem, garoto – Yuri diz, levantando as mãos, como que em sinal de rendição. – Mas primeiro de tudo, você vai ter que embainhar essa espada.

João hesita, mas põe a sua espada de volta na bainha. Esses dois camponeses são a única chance que ele tem, no final das contas.

Yuri se aproxima de forma cautelosa, e se ajoelha ao lado de Dom Eduardo.

- Primeiro de tudo, a gente tem que ver se ele está vivo, tudo bem?

- É óbvio que ele está vivo!

- Não é o que parece... – Yuri resmunga. Ele coloca uma mão no pescoço de Dom Eduardo, logo abaixo da mandíbula.

- O que você está fazendo?

- Confia em mim.

Após aguardar alguns segundos, ele tira a mão do pescoço de Dom Eduardo. Ele suspira, e coça a nuca.

- Então? – João pergunta, ansioso. – Ele está vivo, não está?

- Sim – Yuri diz. – Mas ele está muito fraco.

- O que vamos fazer? – Julia pergunta, aproximando-se. – Nós não temos como tratá-lo, Yuri.

- Não... mas nós conhecemos alguém que pode ajudá-lo.

- Não! – Julia diz, levantando a voz. – Por favor não, Yuri! Se voltarmos lá, ela vai dar um jeito de nos matar. Nós ainda estamos devendo dinheiro a ela, lembra?

- Claro que lembro – Yuri diz. – Mas nós somos pessoas bem relacionadas agora, não somos? Só ela vai conseguir resolver isso. Esse cara está quase morto. – Ele olha para João. – Quem é ele, afinal?

- Dom Eduardo – João responde. – Meu mentor.

Yuri dá um suspiro tão forte que chega a engasgar. Seus olhos arregalados parecem brilhar.

- O lendário Dom Eduardo! – ele diz. Ele sorri para Julia. – Dom Eduardo! Você acredita nisso? Aquela bruxa velha vai querer nos extorquir se ela o reconhecer. Ela só vai pensar no dinheiro que ele vai dar se ela conseguir salvar a sua vida.

- E o que você acha que ela vai fazer quando vir o herdeiro do trono? – Julia pergunta. – Você acha que ela não vai reconhecer ele, com esses olhos dourados? É muito arriscado. Ela não pode saber. Além disso, qualquer um no vilarejo vai saber quem ele é só de olhar.

Yuri vira-se para João, coçando o queixo e franzindo a testa, como quem está pensando. Ele analisa o jovem Príncipe dos pés à cabeça.

- Eu tenho uma ideia. Mas você não vai gostar, garoto.

Das Cinzas da Era PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora