Abe
Eles cavalgam em meio às plantas por uma estreita trilha. Conforme avançam, as árvores de copas volumosas e as plantas são substituídas por grama, flores e arbustos bem cuidados. Abe vê a mansão à distância. Apesar de não ser alta como os castelos de alguns dos Lordes dos Mares, ela se estende horizontalmente por vários metros. Assim como o muro externo, as paredes são tomadas por plantas trepadeiras. Diversas janelas se alinham uma do lado da outra na fachada principal, todas elas tapadas por cortinas. Estatuetas e monumentos ornamentam os jardins em volta da mansão. Uma imensa porta de madeira, que deve ser a entrada principal, é antecedida por uma marquise de forma triangular, sustentada por quatro pilares de granito.
Uma árvore alta e imponente, com uma enorme copa de folhas verdes escuras, emerge em meio ao telhado da mansão e projeta-se sobre ela, como se a estivesse perfurando.
- Isso sim é uma casa – Quoke diz, sussurrando para que Paco não o ouça. – Parece que tiramos a sorte grande.
- Não se iluda – Okko diz. – Duvido que a gente fique aqui. Deve ter um lugar mais humilde para gente como nós.
A mansão é cercada por vários guardas, todos eles armados com espadas, facas e lanças. Alguns, Abe nota pelas roupas, são membros da Guarda dos Mares.
Paco desmonta de seu cavalo. Abe e os demais fazem o mesmo. Ele caminha até a grande porta de madeira, acenando com a cabeça para alguns guardas que o observam. Ele bate na porta e aguarda. Em poucos segundos, um homem de meia-idade, bem magro e franzino, abre a porta. Seus cabelos são ralos e muito claros, quase brancos. Seus olhos são tão pálidos quanto a sua pele, que de tão fina parece ser feita de papel. Ele veste uma túnica longa de seda, que o faz parecer ainda mais frágil. Abe suspeita que ele seria capaz de cortá-lo ao meio com um só golpe de seu sabre.
O homem estuda os cinco por um instante.
- Senhor Paco – ele diz, sua voz desprovida de qualquer emoção. – Lorde Zek estava ansiosamente aguardando a sua volta.
- Ótimo – Paco diz. Ele acena com a cabeça para os quatro aprendizes. – Eu trouxe os reforços... se é que podemos chamá-los de reforços.
- Excelente. Venha comigo. Eu te levarei até o Lorde.
O lado de dentro da mansão é ainda mais impressionante que a parte de fora. A antessala onde eles estão é ampla e suntuosa. O chão é coberto por tapeçarias finas. Os móveis são feitos de madeira da melhor qualidade e ornamentados com magníficas figuras talhadas em sua superfície. As paredes exibem quadros retratando galeões navegando em águas revoltas. Alguns retratam Lordes que já devem estar mortos. Abe nota que, no meio da mansão, há um jardim a céu aberto, de onde nasce a grande árvore que ele viu do lado de fora. Embora as janelas viradas para o jardim principal estejam cobertas por cortinas, as janelas voltadas para jardim interno estão abertas, permitindo a entrada dos raios de sol da manhã.
- Lorde Zek está no salão principal – o homem de meia-idade diz enquanto guia o caminho. – Ele está discutindo os detalhes do casamento.
- Casamento? – Paco diz. – De quem?
- Senhor Hilton Zek.
- Já? Ele ainda tem treze anos. Para que a pressa?
- Talvez o senhor deva perguntar isto diretamente a Lorde Zek.
Eles caminham pelos diversos cômodos da mansão, contornando o vasto jardim interno. Abe observa com fascinação os diferentes tipos de plantas e flores que embelezam o lugar.
O homem franzino para em frente a uma porta. É possível ouvir as vozes do lado de dentro. Uma delas, em particular, é grave e potente, sobrepondo-se às outras.
- Esperem aqui. Eu vou anunciar a sua chegada.
- Tudo bem – Paco diz.
Ele entra no salão e as vozes diminuem. Por um momento, tudo o que Abe consegue ouvir é o fraco som da voz fina e frágil do homem que os recebeu. Pouco depois, a porta se abre novamente.
- Os senhores podem entrar.
O salão é maior do que Abe esperava. Ao contrário do resto da mansão, quase não há móveis ou ornamentos. No centro do salão, uma longa mesa é ocupada por diversos homens e mulheres vestidos com roupas finas. Todos observam Paco e os quatro aprendizes com olhares curiosos.
Sentado na mesa posta em um pequeno estrado, um homem encara o grupo com olhos cerrados. Ele veste roupas de seda e cetim, com bordados e estampas bem elaborados. O seu tamanho é impressionante. Além de ser alto e ter ombros largos, ele também é bastante gordo. Sua cabeça é completamente raspada e sua orelha esquerda é repleta de brincos de ouro. Seu rosto redondo é marcado por um nariz largo, uma boca grande, olhos pequenos e um queixo que foi engolido por um pescoço grande e roliço. Lorde Zek, Abe pensa.
Do seu lado, um menino senta de cabeça baixa. Ele também é alto, mas não é tão gordo quanto o Lorde ao seu lado. Ele veste roupas de linho, com uma brigantina de couro. Seu olhos e nariz têm semelhança com os de Lorde Zek, mas todo o resto é diferente. Seu queixo e mandíbulas são finos e bem delineados, e suas bochechas possuem um tom rosado.
- Paco! – Lorde Zek diz. Ele é o dono da voz grave e potente que Abe ouviu do lado de fora do salão. – Estava com medo de que você não voltasse a tempo do casamento do pequeno Hilton.
- Os ventos foram favoráveis.
- Esses são os aprendizes que você foi buscar?
- Sim. Estes são Abe, Quoke---
- Apenas quatro? Eu esperava mais. A Guarda dos Mares não sabe que proteger o meu porto é essencial?
- É claro que sim – Paco diz. – A maior parte do nosso reforço será composta por membros experientes. Eles começarão a chegar nos próximos dias. Eu mesmo me certifiquei disso.
- É o que eu sempre ouço, mas até agora, nada. Se o Porto da Ilha Nordeste cair, a Terra do Comércio inteira cairá.
- Nós não estamos em guerra, Lorde Zek.
- Ainda não – o Lorde diz, bufando. – Mas nunca se sabe. Nós recebemos um mensageiro do Forte da Tempestade há dois dias atrás.
- E quais são as notícias, se Vossa Senhoria me permite perguntar?
- Príncipe João está desaparecido – Lorde Zek diz com um tom irritado. – Dizem que Dom Eduardo o salvou.
- E o Príncipe Fernando?
- Ainda não sabemos.
- Então ainda estamos em guerra?
- Sim, mas nós sabíamos que seria assim. Há muitos Lordes fiéis ao Punho na Terra do Ferro e as tropas Imperiais ainda estão espalhadas ao redor do Castelo do Ninho. Não se derruba um Império da noite para o dia.
- E quanto ao Punho do Imperador?
Lorde Zek acena para um homem idoso, com uma longa barba branca, sentado à mesa longa
- O Porto do Punho está fechado – o homem diz. – Ainda não sabemos ao certo quem deu a ordem, mas parece que os Lordes Dario e Feros têm se desentendido.
- Você vê, Paco? – Lorde Zek diz. – Enquanto isso, o Porto da Ilha Nordeste é protegido por meia dúzia de membros da Guarda dos Mares. Nós precisamos de reforços o quanto antes!
- Não se preocupe, Lorde Zek. Em poucos dias, Agadir será cidade mais segura do Império.
- Assim espero. Leve os seus novos recrutas para os seus aposentos. Nós ainda temos muito a discutir sobre o casamento.
- É claro. Com sua licença. – Paco dá meia-volta e caminha em direção à porta, mas para no meio do caminho. – Posso perguntar com quem o pequeno Lorde irá se casar?
- Lady Cecília Pravus – Lorde Zek diz. – Ela chegará aqui em breve. Espero que os seus colegas cheguem antes dela.
Okko, Quoke e Ichi trocam olhares de preocupação com Abe. Todos eles conhecem o sobrenome Pravus. É uma das Famílias da Terra do Amanhã, aliada de Lorde Lucas. Eles sabem o que isso significa. A guerra vai continuar, mas os Lordes dos Mares não continuarão neutros. Dessa vez, os Lordes dos Mares escolherão um lado.
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Das Cinzas da Era Perdida
FantasyUma traição põe fim à Guerra dos Dois Irmãos e arrasta o Império para um novo conflito. Novas alianças se formam na luta pelo poder, enquanto outros lutam pela sobrevivência em meio ao caos.