Capítulo 7 - Ezequiel - Parte 4

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Ezequiel

É Gil quem abre a porta. Ele entra na cabine junto com Hugo.

- Consegui achar os últimos homens – Gil diz. – Estamos prontos para partir.

- Já sabe para aonde vamos? – Hugo pergunta.

- Não – Ezequiel admite. – Eu não quero ir para o continente e correr o risco de ficar preso no meio de uma batalha, mas aqui também não tem nenhum lugar seguro.

- Bom... – Gil diz, coçando a cabeça. – Nós sempre temos a opção de ir para a Baía das Focas.

Ezequiel solta um suspiro involuntário. Ele pensou em ir para a Baía das Focas, que fica no norte da Ilha Nordeste, mas o lugar é muito próximo de Agadir. Além disso, todos já sabem que corsários, piratas e mercenários buscam proteção por lá, então as visitas da Guarda dos Mares são frequentes.

- Eu não sei se lá é o melhor lugar para ficarmos agora – Ezequiel diz.

- É melhor do que aqui – Hugo diz. – E bem melhor do que qualquer outro lugar. Se a Guerra dos Dois Irmãos se intensificar, os Lordes dos Mares não vão perder tempo com alguns criminosos na Baía das Focas. Eles vão usar suas tropas para se proteger.

- Eu não tinha pensado por esse lado – Ezequiel diz, olhando para o mapa novamente. Ele coça a sua barba e pensa por um momento. – Tudo bem. Você tem razão. Não é como se nós tivéssemos uma opção melhor, de qualquer forma. Preparem a tripulação. Nós partiremos em uma hora para a Baía das Focas.

O Morte Modesta deixa o Porto da Ilha Nordeste no meio da madrugada, de forma discreta e silenciosa. Embora o navio esteja onerado com o peso dos itens roubados no último saque, um vento suave e a calmaria do mar o ajudam a navegar em velocidade razoável.

Ezequiel observa do convés as luzes de Agadir se distanciarem no horizonte, até se tornarem apenas um aglomerado de luzes em um oceano de escuridão. Após se afastar o suficiente da costa, o Morte Modesta muda de curso em direção ao norte, para onde prosseguirá até o amanhecer, quando navegará para o oeste por algumas horas, de volta à costa da Ilha Nordeste, até chegar ao seu destino.

- Está se sentindo melhor agora? – Hugo pergunta. – Já está mais tranquilo?

- Não – Ezequiel diz. – Eu tenho um mau pressentimento que não vai embora.

- Você está se preocupando à toa. E daí se os Lordes dos Mares forem à guerra? Melhor para nós.

- O pior tipo de guerra é aquele onde todos perdem.

- Você precisa parar de pensar assim. Vamos para dentro do casco comer alguma coisa. Você precisa se distrair.

- Agora não. Eu vou voltar para a minha cabine. Preciso pensar para onde vamos ir depois da Baía das Focas. Não quero ficar lá por muito tempo também.

- Você não quer ficar em lugar nenhum, não é? – Hugo suspira e descansa a mão no punho da espada pendurada em sua cintura. – Se a guerra for tão ruim como você está pensando, nenhum lugar vai ser seguro.

- As Ilhas do Esquecer serão seguras.

- Essa história de novo? – Hugo bufa, irritado. – Se você quiser voltar para a sua cabine e passar a noite pensando para onde fugir, fique à vontade. Eu vou para o casco, comer alguma coisa e dormir. Eu sou o melhor lutador dessa tripulação. Para o bem de todos nós, é melhor eu estar descansado quando chegarmos na Baía das Focas.

Hugo deixa Ezequiel, que permanece por um tempo no convés. Já não é possível ver as luzes de Agadir. Tudo o que resta é a escuridão da noite e as estrelas que pontilham o céu.

Ezequiel decide voltar à cabine e se debruçar sobre os mapas novamente. Deve haver algum lugar que ele ainda não tenha pensado, onde sua tripulação encontrará refúgio para as semanas conturbadas que virão.

Ele passa a noite analisando as possibilidades, tentando controlar a sua frustação. Talvez Hugo tenha razão. Talvez ele esteja se preocupando à toa. A Guerra dos Dois Irmãos já se estende por anos e, durante todo esse tempo, nada mudou para os corsários das Ilhas do Esquecer. Pode ser que a vinda de navios da Terra do Amanhã e da Terra do Verde signifique que os Lordes dos Mares vão escolher um lado dessa vez, mas e daí? Pode ser que a guerra acabe num piscar de olhos, com a Guarda dos Mares tomando de assalto o Punho do Imperador, ou pode ser que a guerra não acabe, mas os Lordes dos Mares fiquem tão ocupados com o conflito que esqueçam os criminosos que rondam os mares. No final das contas, o resultado pode ser bom.

Quando se cansa de ver mapas, Ezequiel decide descansar. Ele se deita em sua pequena cama e fecha os olhos.

O sono vem rápido, trazendo consigo os mesmos sonhos que o têm atormentado nos últimos dias. Ele está na proa do Morte Modesta, observando as águas agitadas à sua frente. O céu tem um tom roxo e uma imensa lua cheia alaranjada paira em meio às estrelas. No horizonte, ele vê galeões portando bandeiras com brasões de famílias do continente Imperial. Os cascos dos navios inimigos cortam as águas que exibem um tom estranho, avermelhado. Sangue, Ezequiel pensa. É um mar de sangue.

Assim como nos últimos sonhos, ele pede uma luneta a um de seus homens. Ele já sabe o que as lentes revelarão, mas o susto vem mesmo assim. Os navios inimigos são tripulados por cadáveres. Corpos putrefatos vestidos em armaduras, com espadas penduradas em suas cinturas.

Ele acorda e levanta de sua cama num pulo. O seu coração está acelerado. Ele respira fundo, sentindo o seu coração pulsar fortemente em seu peito. O que isso significa?

Os povos antigos diziam que sonhos têm significado. Mas o que significa este sonho, que tem se repetido quase todas as vezes que ele fecha os olhos para dormir?

Ezequiel deixa a cabine e, quando chega ao convés, é recebido pelo ar frio da manhã. O sol acabou de nascer e o céu está claro, exibindo um vívido azul.

- Ajustar as velas! – alguém grita. Ezequiel identifica a voz de Gil e o encontra manejando o leme. – Alterar rumo a bombordo!

- O que está acontecendo? – Ezequiel pergunta ao se aproximar.

- Aquilo está acontecendo, Capitão – Gil responde, acenando com a cabeça para o leste.

Das Cinzas da Era PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora