Alfredo
Embora a Torre do Imperador seja muito parecida com as demais pelo lado de fora, é muito mais suntuosa por dentro. Logo na entrada, longos tapetes roxos cobrem o chão, com desenhos ornamentais em fios dourados que remetem aos símbolos da Família Scliros: a serpente, que representa a sabedoria, e a espada, que representa a força. As paredes também são ornamentadas com estandartes Imperiais e pinturas que retratam os feitos de diversos membros da Família. No começo, apenas os representantes mais notáveis tinham suas conquistas eternizadas nas obras. Porém, há algumas centenas de anos atrás, passou a ser tradição que cada Imperador ordenasse uma pintura sua, para admiração das futuras gerações. A mais famosa delas é a que retrata a vitória de Lorde Satros Scliros, o último da família a ter o título de Lorde e o responsável por unificar o Império há quinhentos e trinta e cinco anos atrás.
Alfredo já está acostumado a ver a Torre do Imperador por fora. Afinal, ele mora ao seu lado. Porém, pouquíssimas foram as oportunidades que teve de ver o seu interior.
Dom Aldo conduz o grupo em direção às escadas, acenando com a cabeça para cada um dos soldados que encontra em seu caminho. Não são poucos. Uma centena de membros da Guarda Imperial é responsável por manter a segurança da Família Scliros.
A subida até os aposentos do Príncipe Fernando é demasiadamente longa. No meio do caminho, Alfredo sente suas pernas cansadas e rígidas com o esforço. Não é de se surpreender que o Irmão Emanuel tenha recusado o convite para convocar pessoalmente o Príncipe. Seria impossível para ele subir estas escadas. Dom Aldo e Lorde Iras, no entanto, não parecem afetados pelas centenas de degraus, muito embora estejam carregando vários quilos de metal em suas armaduras.
- O Imperador subia... – Alfredo diz, pausando para respirar. – ...essas escadas todos os dias?
- É claro – Dom Aldo responde, sem nenhum indício de cansaço ou falta de ar.
- Se eu fosse o Imperador... ficaria no primeiro andar... para não ter que subir... tanto...
- Então, se você fosse o Imperador, seria o primeiro a morrer no caso de uma invasão.
Alfredo não diz nada em resposta, mas pensa que, se essa era a preocupação do Imperador, ela foi totalmente em vão. Ele passou sua vida toda protegido nos últimos andares da Torre do Imperador, apenas para morrer em uma emboscada, nas mãos de seu próprio irmão.
Ao invés de fazer um comentário que pode lhe custar a vida, Alfredo opta por verificar se está tudo bem com Irmão Humberto. O já idoso Erudito sobe os degraus vagarosamente e com muito esforço, mas mantém seu progresso. Seu rosto está coberto de suor e sua respiração está pesada.
- Está... tudo bem? – Alfredo pergunta.
Irmão Humberto apenas acena com a cabeça, e Alfredo decide que não falar é, de fato, uma boa ideia.
Após vários minutos subindo as escadas, que para Alfredo pareceram horas, os quatro finalmente chegam ao seu destino. Alfredo e Irmão Humberto estão esbaforidos e esforçam-se para ficar de pé. As escadas levam a uma antessala, separada dos aposentos do Imperador por uma enorme e resistente porta de ferro, que é constantemente guardada por dois soldados.
Ou era guardada por dois soldados.
Alfredo testemunha, aterrorizado, a cena diante de si. Os corpos dos dois soldados estão esparramados no chão, com braços e pernas virados em ângulos estranhos. Suas vestimentas, que já foram roxas e douradas, estão completamente vermelhas, ensopadas de sangue. Alfredo tenta se controlar para não vomitar. Há sangue por todos os lados; nas paredes, no chão, e até no teto, onde há alguns respingos.
- O que aconteceu aqui? – Irmão Humberto diz, sua voz quase falhando.
Dom Aldo e Lorde Iras se entreolham com expressões preocupadas. Eles não precisam se perguntar sobre o que aconteceu aqui, pensa Alfredo. Está mais do que claro.
Dom Aldo dirige-se à porta, que se abre com um suave empurrão. Ele entra nos aposentos Imperiais vagarosamente, com passos cuidadosos, evitando fazer o mínimo barulho. Lorde Iras segue logo atrás dele, sem muito sucesso em manter o silêncio. Irmão Humberto olha de relance para Alfredo, como se não tivesse certeza se deve entrar também ou sair daqui o mais rápido possível. Alfredo percebe o terror em seus olhos. Ele aguarda a decisão do velho Erudito, que decide prosseguir.
Eles caminham pela sala principal dos aposentos Imperiais e, não obstante o seu medo, Alfredo não deixa de notar os móveis e ornamentos de luxo do lugar. Em todos os cantos, estampado em tapeçarias ou em bordados, está o brasão da Família Scliros.
Alfredo olha para um longo corredor, e percebe que uma das portas está aberta. Ele cutuca Irmão Humberto, que parece perdido, e aponta a direção certa. Alfredo percebe que está segurando a respiração. Ele solta o ar de seus pulmões e respira fundo. Os dois andam até o quarto de porta aberta.
Eles encontram Dom Aldo e Lorde Iras lado a lado, imóveis, olhando fixamente para o mesmo canto do quarto. Alfredo olha para o mesmo lugar e vê Príncipe Fernando sentado em uma cadeira, debruçado sobre a mesa à sua frente, apoiado em cima de um livro aberto, como se estivesse tirando um cochilo. Embaixo da mesa, os pés do Príncipe descansam sobre uma imensa poça de sangue.
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Das Cinzas da Era Perdida
FantasyUma traição põe fim à Guerra dos Dois Irmãos e arrasta o Império para um novo conflito. Novas alianças se formam na luta pelo poder, enquanto outros lutam pela sobrevivência em meio ao caos.