João
O som dos seus passos ecoa no Salão do Trono. Apesar de ser difícil enxergar na escuridão deste lugar, ele consegue reconhecer o brasão da Família Scliros nos estandartes pendurados nas paredes.
João já esteve aqui diversas vezes, mas nunca sozinho. Sempre que ele esteve aqui, observando do mezanino o seu pai deliberar sobre os assuntos apresentados por Lordes e Barões, o salão estava cheio. Ele não gosta deste lugar. Seu pai o obrigava a assisti-lo governar ao menos uma vez por mês, mas a verdade é que João achava todo o processo muito entediante. Primeiro, seu pai entrava no salão, acompanhado dos Lordes Dario e Feros, quando todos já estavam lhe esperando há horas. Ele sempre vestia o roxo e dourado da Família Scliros. Por horas a fio, ele ouvia atentamente os Lordes e Barões que vinham ao Punho para apresentar seus pleitos.
João não gostava da forma como alguns dos nobres se dirigiam ao seu pai. Em uma destas ocasiões, quando um Barão levantou a voz ao ter seu pedido negado, João tomou coragem e reclamou com seu pai sobre a forma leniente com a qual ele lidava com seus súditos.
- Não basta ter uma coroa em sua cabeça, João – seu pai lhe disse. – É preciso ter o apoio daqueles que têm poder.
- Mas os Barões não têm tanto poder assim – João retrucou. – Os Lordes têm mais importância que eles.
Seu pai apenas sorriu e disse que um dia lhe explicaria como o Império realmente funcionava. Mas isso aconteceu há anos atrás, e depois disso ele não explicou nada a João. Não que ele se importe, é claro. Aprender a lutar com a espada é muito mais urgente e importante. João prefere gastar o seu tempo treinando. Seu irmão mais velho, Fernando, pode lidar com as chatices do Império.
João sobe as escadas do estrado e aproxima-se do trono. Durante o dia, o trono tem uma aparência magnífica. Aqueles que o veem pela primeira vez passam horas admirando sua grandiosidade. Ele é feito de um mármore negro raríssimo, quase inexistente no Império. Seu encosto, com vários metros de altura, é esculpido na forma de uma serpente entrelaçada em uma enorme espada, representando o brasão da Família Scliros. A cabeça da serpente projeta-se no topo do trono, levemente inclinada para baixo, como se estivesse observando aqueles que se postam à frente do Imperador com seus olhos de rubis dourados. Os braços das cadeiras, por sua vez, têm a forma de leões entrelaçados por serpentes, representando a vitória dos Scliros sobre a dinastia Kraas há mais de quinhentos anos atrás.
João passa a mão sobre a cabeça de um dos leões. Ele nunca havia notado a sua expressão de dor e agonia. Ele consegue até imaginar as suplicas de piedade dos leões, enquanto sucumbiam lentamente ao abraço mortal da serpente.
O que eu estou fazendo aqui? O Príncipe pergunta a si mesmo. Onde está todo mundo?
- Você parece aflito – alguém diz. João vira-se e procura pelo dono da voz, mas não há ninguém no salão. – Diga-me, Príncipe: o que te aflige?
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Das Cinzas da Era Perdida
FantasyUma traição põe fim à Guerra dos Dois Irmãos e arrasta o Império para um novo conflito. Novas alianças se formam na luta pelo poder, enquanto outros lutam pela sobrevivência em meio ao caos.