Capítulo 4 - Kyra - Parte 5

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Kyra

Ao abrir a porta para o lado de fora, Kyra é recebida por um congelante golpe de vento que chega a tirar o seu fôlego. Ela se enrola em seu manto e cruza o pátio em direção aos estábulos. O rapaz que cuida dos cavalos não está em nenhum lugar, mas Kyra não esperava vê-lo aqui. A tempestade não deu trégua; a neve continua caindo fortemente, e o vento ainda sopra de forma intensa e incessante. A partir de agora, até o final do inverno, esse tipo de tempestade será frequente.

Kyra escolhe um cavalo descansado, pois aquele que a trouxe ao Forte da Tempestade ainda deve estar exausto. Tito e os demais fazem o mesmo.

- Você tem certeza que não quer esperar a tempestade passar? – Tito pergunta.

- Não! – diz Kyra. – Nós não sabemos quando o Figo partirá. Ele pode estar indo embora neste exato momento.

- O que foi, Tito? – Wallis pergunta em tom de provocação. – Um ventinho desse, e você quer ficar em casa?

- Encontro vocês no vilarejo! – Woloras diz, galopando à frente. Ele grita para os soldados do portão, que começam a abri-lo.

- Ei! – Wallis protesta. – Espera!

Kyra segue os gêmeos, e Tito a acompanha. Ao atravessar o portão, Kyra olha para trás e nota que Lilly e Setta também vieram. Ela respira aliviada. Ela não queria insistir que as duas viessem, mas seria ruim se elas ficassem no castelo. Lorde Tranos iria questioná-las assim que notasse a sua ausência, e as duas abririam a boca sem perder tempo.

Desta vez, Kyra tenta não forçar o ritmo de seu cavalo. A tempestade piorou e a neve está mais funda. Ela não quer correr o risco que seu cavalo sucumba à exaustão no meio do caminho. Durante a primavera e o verão, as rotas entre o vilarejo e o Forte da Tempestade são bastante movimentadas, com camponeses e soldados transportando bens e alimentos de um lugar para o outro. No final do outono e durante todo o inverno, no entanto, é difícil cruzar com alguém neste caminho. Por vezes, dias e até semanas passam sem que ninguém utilize estas rotas. Kyra não quer arriscar ficar desamparada neste lugar.

O tempo passa e a tempestade só piora. Melhor assim, pensa Kyra. Espero que fique tão ruim que a rota para o vilarejo seja bloqueada. Meu pai não vai conseguir ir atrás de mim, mesmo que saiba para onde eu fui.

Quando Kyra e seu grupo chegam ao vilarejo, o céu já está completamente escuro. Não há ninguém nas ruas estreitas deste lugar, que estão todas cobertas por uma espessa camada de neve. Pelas janelas embaçadas das casas, é possível ver a luz das fogueiras. A esta altura, Figo não deve estar mais na taverna bebendo, mas pode ser que ele esteja no salão comum dos soldados. Kyra torce para que ele não esteja lá. Se ela for vista por tantos soldados falando com Figo logo antes de sua partida para o Ninho, algum deles pode querer se intrometer e atrapalhar os seus planos. Ela torce para que ele já esteja em casa. É lá que ela decide procurá-lo.

Kyra nota que seus amigos estão muito calados. Ela percebe que todos eles estão tremendo de frio. Os olhos de Lilly estão quase se fechando, e seu corpo está balançando suavemente para frente e para trás na sela de seu cavalo. Ela não havia se dado conta do frio que ela mesmo está sentindo. Mais algumas horas e eles iriam sucumbir ao frio. Vir até o vilarejo no meio da tempestade foi uma grande irresponsabilidade, mas já está feito.

Eles cavalgam pelas ruas do vilarejo até a casa de Figo. Kyra espera que ele esteja mesmo lá. Será muito ruim se eles tiverem que dar meia volta e cavalgar até o casarão que abriga o salão comum dos soldados, debaixo da neve e expostos ao frio. Ao chegar na casa de seu velho mentor, Kyra desmonta e bate na porta. Apesar de as cortinas estarem fechadas, ela consegue ver a luz da fogueira acesa do lado de dentro. Após alguns segundos sem resposta, ela bate na porta de novo, e desta vez Figo a atende prontamente.

Ele abre apenas uma fresta da porta. É o suficiente para que ele a reconheça.

- O que você está fazendo aí fora? – ele diz, surpreso. – Venha, entre.

- Os... – Kyra começa a falar, mas engasga. O seu rosto está completamente dormente, e ela mal consegue mover os lábios. – ... cavalos.

- Coloca ele no estábulo – ele diz. Ele olha para Tito, Wallis e os demais, e arregala os olhos quando vê Lilly. – Misericórdia! – Ele corre para dentro de casa, mas logo volta enrolado em um pesado manto negro, ornamentado com o urso da Família Tranos. – Entra. Entrem, todos vocês. Deixa que eu coloco os cavalos no estábulo. Venham, venham logo!

Kyra entra na casa e logo caminha em direção à fogueira. Os demais a seguem. Lilly senta ao lado dela, e seus olhos parecem desprovidos de vida. Kyra a abraça e esfrega seus braços, tentando aquecê-la. Setta faz o mesmo.

Após alguns minutos, Figo retorna. Ele tira seu manto e o pendura em um cabide. Por um momento, ele permanece de pé, observando os seis filhos de famílias nobres semicongelados em frente à sua fogueira.

Das Cinzas da Era PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora