Capítulo 2 - Abe - Parte 4

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Abe

O corpo de um dos aprendizes está espraiado sobre o chão, envolto por uma poça de sangue que escorre de um corte em sua garganta. A faca na mão do menino é a mesma que Abe usou para cortar a carne da pantera durante a madrugada.

- O que está havendo? – Ogu pergunta ao se aproximar. Ao ver a cena que causou a comoção, ele aperta os lábios. – Tudo bem, não há mais nada para ver aqui. Voltem para as suas cabanas e aguardem até serem chamados.

Pouco a pouco, todos obedecem à ordem e voltam para os seus aposentos. Na cama ao lado da de Abe, Niro permanece deitado, sonolento.

- O que houve, afinal? – ele pergunta.

- Um dos aprendizes se matou. Cortou a própria garganta.

- Jura? Quem?

- Não sei. Não conhecia.

Abe deita em sua cama e solta um suspiro. Ele não conta a Niro sobre o choro que ele ouviu durante a noite.

Após alguns minutos, os aprendizes são chamados para quebrar o jejum. Perto do caldeirão posto sobre a fogueira, onde um ensopado cozinha lentamente, não há nenhum vestígio do corpo que estava ali mais cedo. Abe pega um pedaço de pão e um pouco do ensopado para si. Ele se senta próximo de Okko, mas os dois pouco conversam.

Quando os aprendizes são convocados para o começo das atividades do dia, Abe segue o fluxo até a arena. Ogu já está lá, aguardando a chegada de todos, acompanhado de Manu e Fabo, seus assistentes. Os três esperam até que todos estejam acomodados nas arquibancadas.

- O último teste para admissão à Guarda dos Mares será prático – Ogu diz, sem mencionar o incidente desta manhã. – Cada um de vocês receberá uma tarefa. Será a sua chance de provarem que estão prontos para serem soldados da Guarda dos Mares. Alguns de vocês serão atribuídos à guarda pessoal de um dos Lordes dos Mares. Outros farão a guarda de navios, comboios e plantações, ou farão a escolta dos coletores de taxas. Eu vou chamar o nome de cada um vocês, um por um, e dizer para qual tarefa vocês serão atribuídos. Os detalhes vão ser explicados por Manu e Fabo.

Um por um, ele chama os nomes. Abe permanece sentado, sem prestar muita atenção aos nomes entoados por Ogu ou às tarefas que ele atribui para cada um. Ele não se importa com nada disso, do mesmo jeito que ele não se importa para onde será enviado. Qual é a diferença, no final das contas?

Os aprendizes são separados em grupos. Um grupo vai compor a guarda de um navio que viajará com um comboio para o Castelo da Escuridão. Outro grupo cuidará da proteção de uma plantação de trigo no norte do continente Imperial. Um terceiro grupo recebe a tarefa de reforçar a guarda do castelo de um Lorde. A lista continua por algumas horas.

- Abe, Okko, Quoke e Ichi – Ogu diz. – Vocês integrarão a guarda de Lorde William Zek, o guardião do Porto da Ilha Nordeste. Fabo explicará os detalhes para vocês.

Abe e Okko se entreolham. Talvez seja coincidência que eles tenham sido incluídos no mesmo grupo, mas o mais provável é que não seja. O que os dois têm em comum, além de sua amizade, é o fato de estarem entre os mais habilidosos aprendizes. O mesmo pode ser de Quoke e Ichi, dois dos aprendizes mais velhos e que são temidos nos treinos práticos.

Ao contrário de Ogu, Fabo tem um jeito menos austero, quase descontraído. Ele sempre exibe um meio sorriso no rosto e uma postura despretensiosa. Depois que Ogu termina de chamar os nomes, Abe e seu grupo caminham até Fabo.

- Há um navio atracado no cais, esperando por vocês – ele explica. – Ele partirá ainda hoje. Eu vou levá-los até ele. Okko, leve o grupo para sua cabana e me espere lá. Eu vou combinar os últimos detalhes com o Ogu e encontro vocês daqui a pouco.

- Tudo bem – Okko diz.

Das Cinzas da Era PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora