Por isso estou em paz

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Ambos estavam perdidos entre o passado e o presente. Presos em um delírio de dor causado pela perda. Procuravam pelos caquinhos de almas que resumiam-se a estilhaços. Não imaginavam que seria tão difícil.

As palavras de Margot tocaram a pele da filha como um chicote. Poucas palavras foram o suficiente para fazê-la enlouquecer em um vértice de culpa e arrependimento. Saiu da casa dos pais crente de que havia criado uma ilusão, crente que sua escolha de dar sobrenome a um bebê sem mãe foi a pior escolha de sua vida. Sentiu-se nua, perdida, sem ter nada a que a pertencesse. Já tivera esse sentimento de vazio antes, era horrível sentir-se tão oca por dentro. Quando finalmente se via completa e cheia de luz, a mãe puxou as cortinas mostrando uma realidade bastante dolorosa. Aquele não era a sua filha. Mas então porque a amava tanto? Porque cuidava e zelava como se fosse sua? Era tão grande o amor que sentia pela menina que toda vez que se lembrava do discurso maldoso da mãe sentia o coração sangrar através de cicatrizes fundas.

Demorou muito para se recompor, ao menos o suficiente para não ter mais que passar as tardes chorando dentro do apartamento, se esquivando do noivo, que também se esquivava dela, sem ter que afastar as pessoas que a procuravam. Demorou um tempo para por dentro de sua cabeça que sua atitude era benéfica, e que não trazia mal algum. Não tinha problema em amar um bebê que não nasceu dela, o sangue não dizia nada, mas sim os laços que havia criado com a menina desde que ela nasceu.

Voltou a freqüentar o psicólogo. Na primeira consulta despejou sobre ele tudo o que estava acumulado desde o inicio do ano. Jogou todos os seus medos para cima de um profissional que ouvia tudo com bastante atenção e que a fazia queimar a cabeça pensando por si só em formas de melhorar sua vida. Demorou, mas funcionou e logo começou a surtir efeito.

Com a ajuda da irmã conseguia ir a todos os treinos do balé. Quando não treinava no estúdio o fazia em casa, entre uma tarefa e outra da empresa que Josh a enviava por e-mail. Mal estavam chegando ao final, as duas semanas que ela havia imaginado se transformaram e não tinha nem um prazo em mente para quando terminaria os assuntos pendentes com a gravadora. Engraçado foi que quanto mais ela trabalhava, mais queria trabalhar. Cansava-se muito durante o seu dia, mas amava conseguir lidar com todos os compromissos que chamavam sua atenção.

O que a mais preocupava era o noivo, que  deixou de ser um cara alegre e vivia triste pelos cantos da casa. Entrava mudo e saia calado. A hora que mais se ouvia a voz de Billie era quando brincava com a filha, aí era possível até ouvir a gargalhada dos dois, coisa que Carolina amava. Mas quando o noivo entrava no quarto, ou sentava-se ao chão da cozinha para jantarem o silêncio reinava, os dialogo ficava escasso. Carolina tendo sempre muito o que dizer, mas ficou sem saber se compartilhava ou não com Billie. Dia após dia seu coração se partia por o ver daquele jeito. Billie estava melancólico de uma forma que nada que ela fizesse alterava. Fazia os pratos favoritos, chamou Anna para passar um final de semana, chamou até Ollie que ficou apenas para uma visita rápida, mas nada trazia o ânimo dele de volta.

– Eu não sei o que fazer.

– Tenta conversar com ele, puxa um assunto qualquer ou tentem ir jantar fora só vocês dois, sabe? Sem filha, só os dois.

– Não sei de vai adiantar. Não sei se ele ta chateado comigo porque descobriu que a gente transou, lembra? Ou se é por causa do meu pai, ou por causa da babaquice que a minha mãe falou aquele dia. – listava as causas sem saber qual culpar ou se deveria culpar todas. – Josh, vai um pouco devagar?

– Você que pediu para empurrar mais. 

– Isso, melhorou. Assim ta bom. – respondeu soltando o ar e enchendo os pulmões de volta. O corpo estava quente, o rosto completamente vermelho e as pernas já ardiam de dor nas ancas.

O Futuro de Nós DoisOnde histórias criam vida. Descubra agora