Há coisas na vida que me exigem maior atenção

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 Devastado com a situação que se seguia, sem enxergar rumos por onde caminhar, me mantive na agonia que era viver com uma desconhecida. A menina dos cabelos dourados, sorriso encantador e brilhante, tornava-se opaca aos meus olhos a cada dia que passava. Sua luz não reluzia como antes, muito menos refletia em mim. Será a terra capaz de viver sem a luz do sol? Pois eu literalmente não estava conseguindo viver sem a luz dela.

Os dias tornaram-se sombrios, a escuridão fechava meu coração para qualquer sorriso, porém, em contramão, o sentimento vira-lata que eu ainda tinha, de correr atrás de quem não nos quer, vinha e tentava mudar a situação. Abanava o rabo um pouco ali para chamar atenção, fazia alguma graça para ganhar elogio ou até mesmo trazia presentes entre os dentes, mas nada. Eu não era mais o filhote que ela amava ter nos braços, eu só era eu. O marido que servia para ajudar nos seus problemas, para desabafar quando o emocional estivesse no lixo e uma carona nos dias de chuva. Fui tornando-me o faz tudo, o quebra galho, a babá full time, o que cozinha e que também lava e passa, o que lê história e põem para dormir, mas não era eu quem aquecia seu corpo de noite. Na verdade nem era eu quem dormir do seu lado, pois preferia se desfazer no sofá da sala do que dividir a cama comigo.

Dia após dia, semana após semana eu via tudo isso se repetir, até que as semanas tornaram-se meses e os meses roubaram o meu fôlego e junto minha felicidade. Eu não era feliz cem por cento do meu dia, mas afinal quem é, não é mesmo? Mas a questão é que eu só era feliz nos momentos que eu dividia com minha filha. Os amigos que moravam longe não sabiam do que se passava, seguia qualquer conversa mesmo meu coração querendo desabafar.

Com o tempo tomando seu curso, a cada dia ficava mais difícil para mim reconhecer a pessoa que me olhava de volta no espelho. Aquele cara simplesmente não era eu, e sim apenas um reflexo de quem eu já fui um dia. A casca era minha, mas a essência havia se esvaído. Minha cor havia desbotado, assim como meu coração e alma jogados a uma caldeira quente para derreter até não mais existirem. Perdia quem eu era, e me permitia dia após dia a me deixar de lado, por minhas vontades de lado, calar minhas falas, repensar meus pensamentos, para coloca- lá em um pedestal.

Não sei se meu erro foi prioriza-lá e me esquecer, ou se foi deixar ela se afastar de nós. Em pouquíssimo tempo ela havia deixado de ser quem eu conhecia e tornou-se uma estranha. Indiferente à mim e a toda família. Sempre nervosa, atarefada, cheia de prazos e com escassez de tempo. "Não dá tenho que treinar" me dizia. "Não posso, preciso fazer monitoria" sempre respondia quando a chamava para sairmos.

Já não procurava por nós, nem se importava. Uma mensagem, uma ligação no máximo por dia. Beijo de boa noite quando já estamos dormindo não tem o mesmo efeito. Passa mais tempo dançando do que na própria cama dormindo ... comigo.

Seria muito ingênuo de minha parte se dissesse que jamais imaginei que chegaríamos a esse ponto? O momento em que eu a olharia nos olhos e não enxergasse a mulher por quem me apaixonei, mesmo sabendo que a amava... ou será que eu amava o corpo idêntico que me fazia lembrar dos laços simbólicos que criamos e que construíram o nosso amor? Confiar? Confiei demais, deixei o racional de lado sem me importar, afinal a gente sempre confia na pessoa com quem dividimos a vida, mas não sei se já podia confiar meu sentimentos à uma desconhecida.

Após chorar no banho, por um beijo que me foi roubado e até o momento eu não soube dizer se o quis ou não, passei por uma crise de existência. Recordei da noite passada, quando estávamos prestes a ser íntimos depois de muito tempo e me sinto violado, usado.

Ana embebedava meu corpo de tesão, elevava a sensibilidade da minha pele de tal maneira que até o mais gentil toque me incendiava. Eu quis, a quis. Melhor, a carne quis. O emocional um pouco também. O emocional gritava para que em me entregasse, tocasse e beijasse o que era tão conhecido pela minha mão que nem precisava ligar a luz.

O Futuro de Nós DoisOnde histórias criam vida. Descubra agora