Prólogo: Mentes Perdidas

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Linda música indicada pela polly123shintya. Espero que gostem deste começo, my porcelain dolls. :)



Sabe quando você não sente mais nada? Quando nem raiva, nem dor, ou sequer tristeza, conseguem te atingir? É esse o meu estado. O medo, há mais ou menos 2 meses, abandonou meu corpo.

No começo, morar junto com Luigi foi um inferno. Ele continua pirado e recebe Fundadores toda noite, para apresentar-lhes a mim. Eles conversam em um pequeno escritório, com portas de madeira entalhadas, no qual não me deixam entrar de jeito nenhum. Eu sempre acabo na cozinha, sozinha, com cozinheiras e empregados que me ignoram.

Fazem cinco meses desde que fui comprada, mas, o maior sofrimento fora a primeira semana. Naquele período de sete dias, eu mantivera uma esperança angustiante e dolorosa, que só após algum tempo descobrira impossível. Precisei aprender que jamais seria livre novamente, Luigi seria meu "marido" para o resto da vida e eu ficaria ali, no meio dos Fundadores monstruosos, que me encaravam de maneira cruel.

Bem, acreditei nisso por bastante tempo.

Mas, pensar, na situação em que me encontro, não é uma boa ideia. Posso acabar desistindo e, vejamos, a altura da janela não é algo fácil de encarar. Antes de ter medo, pulo, atingindo o chão com um impacto que faz meus pés doerem. Mesmo que já tenha feito isso antes, meu coração acelera subitamente.

Como sempre, a parte de trás do pavilhão está vazia, e a estradinha de terra que vai até o bosque me chama. Sigo em sua direção, pulo a cerca de arame caída no meio do caminho e corro por entre as árvores. Será difícil me encontrarem hoje, penso.

Então, eu simplesmente corro. Atravesso a floresta, ignorando o medo que tenta me corromper, e chego perto o suficiente da civilização para ver a luz. Ali, umas pequenas casas encontram-se agrupadas, grudadas umas às outras. São antigas, possuem arquitetura renascentista e ar vivaz. A estreita rua é de paralelepípedos.

Florença, Itália. Eu já sei em qual cidade estou, pois Luigi fez questão de discursar sobre a tal. Só que vê-la de perto, sem ter seguranças em meu encalço é... fantástico. De pessoas presentes, avisto somente um ciclista, que provavelmente não me enxerga devido às folhas.

Bem no momento em que me preparo para entrar no bairro, os lábios formando um chamado, me pegam pelo gola do vestido. O puxão é tão forte, que chego a perder o ar.

Impedindo-me de resistir, seja qual for o segurança que Luigi enviou desta vez tapa a minha boca. Debato-me, ainda deslumbrada pela visão da liberdade, e tento morder a mão do indivíduo. Mas ele, treinado para ser uma coluna de aço, não move um músuculo. Sinto que minhas costelas irão se partir, caso o monstrengo enlace minha cintura com um pouco mais de força.

E, novamente, termino arrastada de volta ao pavilhão.

×××

O homem que me puxa, cujo rosto não consigo ver até estar na cozinha da mansão escondida, empurra as empregadas ao redor e me leva em direção a Luigi.

O ruivo, parado ao lado de uma fileira de geladeiras modernas, está com os braços cruzados e as bochechas coradas.

- Já é a quarta vez. - exclama, com uma voz ríspida e firme.

Luigi acena com uma mão e o funcionário se afasta, deixando-me cair de joelhos. Preocupo-me somente em sorrir, encarando meu "noivo" com deboche.

- Desculpe, Lui. - murmuro, no mesmo tom que ele usou.

- É a quarta vez essa semana. - prossegue, com um pouco de sua raiva transparecendo.

- Ora, achei que estava fazendo o certo. Afinal, queriam que eu fosse igual a minha mãe, não é?

Ouço-o suspirar, para rir logo em seguida.

- Realmente. Você está correta, minha perfeição. - seus olhos dourados cintilam, como lâminas afiadas - só que eu sempre disse que domaria a garotinha teimosa presa em seu interior.

O cabeça de fogo estala os dedos e duas cozinheiras largam seus afazeres, vindo me tirar do chão.

- Levem-na ao quarto e arrumem-na. Hoje teremos visitas importantíssimas, portanto, quero uma noiva que se pareça com uma boneca. - ele se vira, rindo outra vez - Ah, espere. Ela já é uma boneca. 

A careta que se forma em meu rosto é amarga, enquanto amaldiçoo Luigi mentalmente. Seus passos descontraídos ecoam pelos azulejos, devido aos sapatos caros, e ele some pela porta de inox. Sinto que vou me descontrolar, correr e enforcá-lo. Mas as cozinheiras me alcançam antes que possa dar um passo.

Visitas importantíssimas. Por que eu tenho a impressão de que ele fala a verdade?

Como o brinquedinho que sou dentro da casa, levam-me até o quarto. Na mansão, eles têm o poder de mover-me de um lugar ao outro, como um objeto de decoração. Então, pelo menos, meu quarto é confortável e fica longe de todos.

Como o lugar é antigo e as regras são rígidas, homens e mulheres (quando não casados) ficam em dormitórios distintos, iguais aos da Sociedade. Por mais sorte ainda, eu fiquei com um quarto afastado, na ala das bambolas. As Frequentadoras daqui têm outro lugar para dormir.

A mansão nada mais é do que outra sede da Sociedade, levemente diferente. Aqui é onde vivem os Fundadores, todos agrupados em um mundo secreto de maldade. O lugar deveria ser um vilarejo industrial, no qual os empregados de uma fábrica alugariam pequenas casinhas, próximas ao seu trabalho. Talvez, antigamente, já tenha sido assim. Mas, agora, tudo o que resta é a fábrica e os pavilhões, com aparência sombria por fora e luxo por dentro.

Esta é apenas uma demonstração de quão corrupta é a justiça, pois a Sociedade paga à polícia local, para que não inspecione a área (ouvi Luigi comentar isso com seus "visitantes", em uma das noites horrendas que passei aqui).

Qual não foi a minha surpresa, ao saber que eles realmente gerenciam a fábrica? Ela é uma maneira, também, de despistar as autoridades. E é uma fábrica de louças de porcelana, que garante o dinheiro necessário para as operações maléficas realizadas no local.

Enfim, com tudo isso em mente, caminho na frente das empregadas, sem vontade de resistir. Na verdade, não sinto vontade nem de viver, mas resolvo deixar esse pensamento de lado. Prossigo, patética, pelos corredores de carpete vermelho e aquecido.

Antes de entrar em meu quarto, porém, percebo que a porta está aberta. E que alguém esteve ali há pouco tempo.








Porcelana - A Promessa Escondida (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora