O sol, as estrelas, a lua, os olhos do artista... enumerei, fazendo tópicos mentais sobre as coisas mais brilhantes do mundo. O fogo, o amor, os faróis do antigo carro do meu pai... fica difícil me concentrar conforme sou arrastada pelo carpete vermelho, cada vez mais longe. Cruzamos a janela que acabara de pular, onde tábuas novinhas em folha impediam que a luz do dia entrasse. Apesar de se localizar no andar térreo, a janela era alta, devido ao aclive no pátio dos fundos. Respire, olhe em volta, memorize a arquitetura, penso, resistindo a me render ao medo. A morte se aproximava, eu sentia.
Ônix sempre demonstrou me amar, e de todas as maneiras possíveis, enquanto eu raramente fiz isso... refleti, com arrependimento. No momento, já era tarde demais para mudar aquelas atitudes, mas não pude evitar que meu peito se inflamasse e se aquecesse com o amor. Se morreria, não seria pensando na Sociedade e em outras coisas ruins. Seria ouvindo as doces histórias de ninar de minha mãe, avistando as mãos talentosas do artista desenhando mundos distantes, sentindo nos lábios um sorriso tão puro quanto os de Rubi, lembrando todas as risadas espontâneas que liberara com Leo... tudo isso, só então eu percebia, estava dentro de mim. Junto com a sombra maligna da maldade, a bondade brilhava, intensa e cintilante.
Minha promessa escondida fora cortar quem me ferisse com meus próprios cacos. Senti satisfação ao torcer para que o plano de derrubar a Sociedade realmente desse certo, e que minha ajuda tivesse sido útil.
De repente, o corredor pelo qual andávamos se abriu na sala de estar. Foi ali, dando de cara com as portas de madeira trabalhadas do escritório de Luigi e com olhares atônitos, que soube que não conseguiria manter os bons pensamentos em mente quando a dor iniciasse. Porém, mesmo assim, meu coração permaneceu sereno.
As pessoas que me encaravam eram a família do Fondatore e Ônix. Carlos Mangini fez uma expressão de nojo e virou o rosto, enquanto Avril, em sua estatura pequena e abatida, mordeu o lábio inferior com força. Lucca, imóvel como sempre, não pôde evitar cerrar os olhos. E o artista... seu queixo escancarado e olhos em total angústia foram o suficiente para rasgar meu peito. Aquela devia ser uma visão ruim, afinal, os funcionários puxavam meus braços e arrastavam meu corpo no chão, derrubando-me toda vez que tentava levantar. Então, seguindo o exemplo de Lucca, fechei os olhos, evitando passar piores emoções a Ônix.
A morte praticamente iminente me anestesiava, mas o mesmo não acontecia com os outros, infelizmente.
O corredor se fechou novamente e uma escadaria surgiu, algo que senti com meus pobres joelhos. Eu conheceria o piso superior naquele dia, e seria provavelmente a última descoberta da minha vida.
Lá em cima havia... nada. Era um espaço amplo e aberto, com apenas uma sala bem no fundo, toda fechada. As paredes possuíam um padrão de listras vermelhas e douradas, gastas com o tempo, e o carpete também não estava em seus melhores dias. Como gostavam de fazer, os funcionários me largaram no chão, pondo-se na frente da passagem da escada. Tal andar devia ter sido uma espécie de salão em outros tempos, com um teto alto e feito de madeira, um enorme candelabro de cristais em seu centro e espaço o suficiente para dezenas de pessoas. Tentei me levantar, mas então ouvi os passos firmes e furiosos de Luigi, conforme subia os degraus, e meu sangue gelou.
- Você não faz ideia da vergonha que me fez passar. - sua voz calma e fatal murmurou, assim que ele empurrou os dois seguranças e avançou - Agora até o idiota do meu pai duvida de mim, embora sua opinião não possua importância... não mais.
Ele havia se livrado do paletó preto, vestindo somente uma camiseta de botões branca e uma calça social escura. O primeiro botão estava aberto, algo que evidenciava o quão nervoso estava.
- Eu não me importo com o que pensam sobre você. - juntei coragem para dizer, embora minha posição fosse miserável.
A maneira como sua boca se contorceu de raiva foi algo que jamais pude esquecer. Caminhando rápido até mim, ele agarrou a gola de meu vestido e me ergueu. Apesar da estatura mais baixa, Luigi ainda era maior que eu, e meu atual estado físico não era dos melhores.
- Cale a boca! - ele gritou, pela primeira vez desde que o havia conhecido - Nunca mais pronuncie nenhuma dessas besteiras imundas!
Então, ele levantou sua mão e desferiu um tapa em meu rosto. A dor foi aguda e intensa, deixando-me tonta. A vergonha também foi muita.
- Você é a minha bambola, entendeu?! Eu sou o líder desta Sociedade, e você vai fazer tudo o que eu disser sem contestar!!! - ele me sacudiu em seus braços, mesmo que tentasse me debater.
Foi neste momento que entendi o motivo de Luigi ter me comprado. Pela raiva em sua voz, a tremedeira em seu queixo e o fogo em seus olhos, entendi que ele beirava a loucura. Tinha me comprado porque queria um desafio, igual ao que minha mãe havia sido. Queria dominar e domar alguma coisa, passar por cima de algo complicado, para ter a sensação de vitória. Queria sentir-se sozinho no comando pela primeira vez na vida, como um Fondatore real. O fato de eu ser mais complicada do que esperava simplesmente destruía suas ilusões.
Resolvendo morrer com dignidade, sorri enquanto me batia. Eu jamais me sentira tão frágil e tão indestrutível ao mesmo tempo. Ele não havia se dado conta de que seria impossível me partir, pois eu já estava quebrada.
- Feitos para servir, tão fáceis de se quebrar... - sussurrei com dificuldade, a boca sangrando após Luigi ter desferido um último golpe - fiéis somos ao juramento, mas nossos cacos podem cortar...
Ele parou subitamente, sibilando e aproximando o rosto do meu.
- O quê?
- A morte não é problema. O problema é presa continuar. - despejei, querendo provocá-lo com aquilo que dominava meu coração: poesia - Eu te detesto, Luigi Mangini. Espero que a dor alheia um dia comece a devorar sua carne, pouco a pouco, e que nem o diabo te aceite no inferno. Quero que apodreça em agonia e solidão. Não só você, mas todos os monstros que reinam aqui.
Sua ira era aparente.
- Me espanque logo. Monstros destroem bonecas porque querem deixá-las iguais a eles próprios. - sussurrei, ampliando o sorriso.
O golpe de misericórdia vem agora, pensei, conforme o aperto de seus dedos em meus braços foi ficando mais doloroso. Seu maxilar parou de tremer e trincou, ao mesmo tempo em que suas íris queimaram completamente.
No que eu acredito ter sido uma intervenção divina, aquele incêndio cessou subitamente, e o demônio ruivo me jogou no chão, se afastando. Ele não olhou para trás uma única vez, desaparecendo atrás de seus funcionários.
A sensação de glória estampou meu rosto ferido, e deixei a cabeça despencar junto com o corpo.
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☆Oi gente!!! Wow, vocês esperavam esse final? Posso dizer que eu não, pois o capítulo ganhou vida sozinho!!!
E então, acham que o Luigi vai revidar? Acham que ele ainda não terminou? O que será que vai acontecer, hein?
Kkkk, mistério no ar. Espero que tenham gostado. :)
Bjsss, e um feliz natal para todos vocês!!! ♡♡♡
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Porcelana - A Promessa Escondida (Completo)
Fantasy☆Sociedade Porcelana - Livro 2☆ "Seus sorrisos eram cínicos e debochados. Seus atos bondosos, uma mentira. Suas palavras generosas, um enfeite. Encará-los nos olhos era pavoroso, pois, a única coisa que demonstravam, eram uma maldade e um vazio tão...