Respirei profundamente outra vez, soltando o ar pela boca. Estava tentando evitar a tremedeira em minhas mãos, que fazia com que a folha de papel que eu segurava balançasse.
- Ei... calma. - disse a voz serena de Ônix, que era quase um calmante no meio da ansiedade - Está tudo bem.
Ele estava deitado de bruços em minha cama, a camisa cinza de botões aberta e um lápis entre os dedos. Um sorriso singelo e sincero manteve-se em seus lábios, enquanto sua mão esquerda acariciou minha coxa coberta pela suave calça do pijama.
- Vai ficar tudo bem. Leia. Eu estou aqui.
Assenti, puxando o ar pelo nariz e soltando pela boca. Repousei a mão sobre a sua, enlaçando nossos dedos e mantendo-o próximo, como um colete salva vidas. Eu sabia que precisava enfrentar aquele mar.
Então, como faria com um mero bilhete, aproximei a página que havia sido arrancada de um livro dos olhos e comecei a desvendar a caligrafia caprichada.
O início já foi um soco no estômago.
"• Membro: Graziela Modd Fragnello
• Ocorrido: Quebra das diretrizes da Sociedade, mais uma vez
• Punição: Execução"
Saber que Datha havia escrito tudo aquilo piorava ainda mais a situação. Quanto sangue frio era necessário para agir daquele jeito, sem remorsos? Ou talvez houvesse remorsos...
"Na última semana, foi enviado um funcionário desta nossa Sociedade à casa do comprador da bambola em questão. Ele foi encarregado de verificar se ela estava cumprindo sua punição (continuar com as Pílulas de Porcelana), e acabou por descobrir uma traição ainda maior: o casal havia tido uma criança, sem dar notícias da mesma.
Pelo comportamento arisco da bambola, já era suspeito algo assim. Portanto, seu decreto de execução foi proposto há poucos dias, e aceito na direção da sede. O carrasco partiu ontem, pela manhã, muitíssimo bem preparado.
De acordo com seus relatos, a bambola tentou escapar com sua criança (uma menina), por uma clareira ao lado da casa de seu marido (que havia saído). Porém, o carrasco as alcançou e matou as duas, cremando seus corpos para que não houvesse pistas.
Estranhamente, o comprador de Graziela, o Sr. Fragnello, nada fez pelas mortes de sua esposa e filha. Por isso, é importante deixar este fato em observação.
* O carrasco ou ele podem estar escondendo informações importantes."
E ali encerrava-se a folha que narrava a morte de minha mãe. Senti que sufocaria a qualquer instante. Não pela mágoa gigantesca, mas pelo amor, que era maior ainda.
Mamãe, de algum jeito, havia salvado minha vida naquele dia. E meu pai, mesmo com todos os riscos, havia me escondido por muito tempo. Agora a casa cinzenta, apagada e sem vida em que morávamos fazia todo o sentido. Seu tamanho equivalia ao sofrimento de quem habitava lá dentro.
Quando abaixei as inscrições e observei meu quarto de luz parca, apertei os dedos de Ônix e avistei o que ele fazia. Eu não tinha palavras ou lágrimas que pudessem expressar o que se passava em minha mente naquele momento, por isso, resolvi apenas me distrair.
- Já leu? - ele perguntou serenamente, sem desviar os olhos do caderno que havia apoiado no colchão. Sua mão livre apertava o grafite contra o papel, criando sombras e curvas lindamente precisas - Como se sente?
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Porcelana - A Promessa Escondida (Completo)
Fantasy☆Sociedade Porcelana - Livro 2☆ "Seus sorrisos eram cínicos e debochados. Seus atos bondosos, uma mentira. Suas palavras generosas, um enfeite. Encará-los nos olhos era pavoroso, pois, a única coisa que demonstravam, eram uma maldade e um vazio tão...