Após minutos de enrolação, pedi ao guarda que me levasse de volta ao quarto. Ele, franzindo as sobrancelhas, não discutiu. Provavelmente preferia evitar mais trabalho.
Quando entrei no cômodo que "me pertencia", tive tempo apenas de suspirar ao ouvir a porta trancar por fora. Algum dia eu pensaria em como abrí-la sem a chave, mas o momento não havia chegado. Em vez de especular sobre fugas, joguei-me em cima da cama e abri o envelope de Ônix, com todo o cuidado possível.
Dentro dele, havia papéis e fotografias, que peguei com curiosidade. O primeiro era um pequeno bilhete, com a mesma bela letra das bolinhas de papel que jogara em mim.
"Caso venha a receber isto, o que eu acredito que seja uma possibilidade, peço que não mostre a ninguém.
Potremmo metterci nei guai."
Como sempre, entendi metade da frase em italiano (mesmo que estivéssemos na Itália, era raro ouvir alguém falando mais do que o inglês universal), mas julguei o suficiente. Era uma boa advertência, aquela, que só me fez ficar mais intrigada ainda com o conteúdo do envelope.
O próximo papel que puxei para fora era uma foto, que observei cuidadosamente, levando um tremendo susto ao reconhecer o teatro da Academia. No palco, Leo representava algum papel, ao lado de uma garota. Virei a imagem, procurando pelas informações escritas na parte de trás.
"Uma foto da peça que você ajudou a escrever, musa. Sua professora de literatura lamentou muito sua "transferência".
P.S.: foto tirada com a antiga câmera de Rubi, depois que ela foi embora. Ao menos restou algo pelo qual pudesse me apegar..."
Com aquela foto, consegui imaginar toda a solidão de Ônix. Pude sentir na pele como seria ter sido deixada, sem ninguém que conhecesse, na Sociedade, nutrindo a esperança de voltar a ver meus entes queridos. O artista havia tirado aquela foto por mim, mesmo sem saber se me veria de novo.
Outro motivo para meus olhos começarem a arder, foi a presença de Leo na foto. Ele fora meu amigo mais verdadeiro, que eu abandonara aos prantos na Academia.
Puxei o próximo papel, que estava com uma dobra na metade, para tentar me distrair, e vi que era um desenho.
Era eu quem estava retratada ali, na cor escura do grafite, ao lado de um ser de cabelos ruivos (a única parte colorida do desenho) que estava de costas, mas que exalava uma aura negra. Aflição pura estampava meu rosto, enquanto meu braço era puxado pelo homem demoníaco. Minha boca também estava entreaberta, como que murmurando alguma coisa. Alguma coisa que eu sabia muito bem o que era.
Virei a folha rapidamente, encontrando mais palavras:
"Uma cena que jamais esqueci.
Ti amo per sempre, la mia musa."
Ti amo troppo, pensei, lembrando do que Ônix murmurara sem som no dia em que parti. Precisei respirar profundamente para que lágrimas não escorressem e molhassem o envelope.
A última parte do presente era uma carta anexada a um pequeno bilhete, que abri com cautela. Realmente havia sido um trabalho de dias, pois era complexo e repleto de sentimentos.
Na carta, dizia o seguinte:
"Eu assisti ao teatro que você ajudou a montar, musa. Tive certeza, quando ouvi o poema sobre bonecas, que aquela parte havia sido sua responsabilidade. Não nego (e não tenho vergonha nenhuma em dizer) que quase chorei com aquela parte. Era a sua alma ali, tive certeza, o que me deu mais saudades ainda.
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Porcelana - A Promessa Escondida (Completo)
Fantasy☆Sociedade Porcelana - Livro 2☆ "Seus sorrisos eram cínicos e debochados. Seus atos bondosos, uma mentira. Suas palavras generosas, um enfeite. Encará-los nos olhos era pavoroso, pois, a única coisa que demonstravam, eram uma maldade e um vazio tão...