Cap. 16: Gestos Inesperados

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Thereza saltitava de maneira cansativa. Seus pés mal tocavam o chão, e sua expressão era alegre. Estávamos a caminho da sala de estar, na qual as portas do escritório de Luigi se impunham, assustadoras.

- Sabe, estou feliz com as visitas que estão chegando. Nossa casa está se tornando internacional! - ela riu, e sua voz aguda fez minha cabeça latejar.

Absolutamente tudo estava me incomodando: o vestido pinicante, as lentes de contato ardidas e os sapatos torturadores. Parecia que eu pisava em um prego cada vez que dava um passo, o que certamente não me fazia ter mais disposição para lidar com a ruiva. A única questão que permanecia em minha mente era: Thereza era dissimulada ou tola?

- Sim. - murmurei, mantendo a voz baixa.

A verdade era que eu estava com os nervos à flor da pele, torcendo para encontrar Ônix no caminho. Eu precisava desesperadamente vê-lo, saber se estava bem e esclarecer o que havia acontecido. Ter na cabeça a ideia de que poderia estar angustiado simplesmente enfiava mais uma farpa em meu peito.

- Aqui! Adoro esta sala! - Thereza exclamou, saltitando uma última vez antes de se sentar no sofá - Venha!

Ela deu dois tapinhas ao seu lado, e me obriguei a andar até lá. Já estava encrencada o suficiente com o cabeça de fogo, portanto não precisava de mais Manginis me odiando.

- O que você quer falar comigo? - perguntei, fazendo questão de ficar o mais longe que o assento permitia.

Finalmente, Thereza parou de se balançar. Ela me encarou, os olhos grandes e cheios de um brilho maligno que eu bem conhecia:

- Bem, Alessa, eu gostaria de te contar um pouco sobre mim. Um pouco de como acabei indo parar em Folkestone. - ela falou, a voz serena e elétrica ao mesmo tempo - Como sempre estudei em casa, eu queria experimentar a escola. Luigi, que não suportava mais meus manifestos, permitiu que eu terminasse o ensino médio e começasse a faculdade de veterinária, longe daqui.

Franzi as sobrancelhas, assentindo devagar. Por que ela estava me contando sobre sua vida? Coisas boas não sairiam dali.

- Como eu disse, insisti tanto, mas tanto, que Luigi acabou cedendo. Com uma condição: a de que eu fosse para a sede da Sociedade em que ele iria escolher sua bambola, e também voltasse com um bambolotto. - Thereza parou, especificando seu "problema" - Acontece que eu logo farei 18 anos, depois que Lucca fizer 19. Nós temos apenas um ano de diferença, e como ele parecia lerdo demais para escolher alguém, Luigi exigiu que eu o fizesse.

Estava começando a entender para onde a ruiva se encaminhava, o que me fazia querer dar a volta desesperadamente. Por favor, que eu esteja errada...

- Então, para não ter que ir até a sede da Sociedade, me matriculei na Academia. Eu acreditava conseguir encontrar alguém por lá mesmo... e acabei acertando. - Ônix. Aquele era justamente o tópico que eu mais temia - Quando eu conheci o D'Gasperi, simplesmente... me apaixonei.

Um gosto amargo invadiu minha boca, junto com uma ânsia de vômito repugnante.

- E? - murmurei, querendo evitar aquilo.

- E eu amei, à primeira vista mesmo, sua beleza. Sua presença serena e ao mesmo tempo marcante. - não enumere as razões que te fizeram gostar dele, pensei. Você nem mesmo o conhece - Não revelei no primeiro momento que era uma Fundadora, o que o fez não me dar bola.

Então, ela parou de se lembrar do passado, aproximando-se de maneira assustadora.

- Mas... desde que foi atrás de você, eu percebi que ele era seu amigo. Percebi que aquele que antes era tão solitário, com exceção da companhia da irmã, agora conversava com outro alguém e ria por aí. - a perspecitiva de Thereza saber de tudo me manteve travada - O motivo de eu tê-la chamado aqui, Alessa, é para perguntar: como fez com que Ônix gostasse de você?

Devido a obsessão enorme que eu enfim percebia em Thereza, pensei que ela provavelmente não estaria sentada ao meu lado se soubesse que tipo de gostar Ônix nutria por mim (e eu por ele). Na realidade, se nem Luigi havia descoberto ainda, como ela poderia saber? Resolvi enganá-la, para tentar preservar o artista e a mim.

- Gostar de mim? Ora, acho que nós éramos no máximo conhecidos, Thereza... só nos falávamos na Academia.

Por dois segundos, a ruiva cerrou os olhos, desconfiada. Sua expressão psicopata se manteve, até que fosse substituída por um súbito sorriso alegre.

- Ah, eu sei que vocês não tinham nada demais... Ônix me disse isso, e disse também que mal se falavam. - quase suspirei de alívio, pensando ainda mais no que o artista havia passado enquanto estive fora - Mas, mesmo assim, quero saber como você o fazia rir. Desde que o conheci, ele sequer sorriu.

Porque ele estava em frangalhos quando você o atacou, sua víbora. Mordi a língua, contendo as palavras cruéis.

- Olha, não faço ideia. Creio que sua alegria nem se devesse a mim... - falei, soltando mentiras com facilidade.

Antes que Thereza tivesse a chance de reclamar e fazer beicinho, um grupo de pessoas surgiu, andando em direção ao corredor de dormitórios. Eram todos funcionários, carregando malas e mais malas... cor de rosa. A bagagem chamativa não parava de surgir, parecendo infinita.

- Ah, meu Deus! Só pode ser... - a ruiva sentada ao meu lado sussurrou, e começou a gritar antes que eu conseguisse me localizar naquela bagunça.

Empurrando os funcionários para o lado, a garota de 16 anos mais miúda que eu já vira na vida apareceu. Miúda não só em altura, embora fosse mais baixa que Thereza, mas também em peso. Seus cabelos escuros como carvão estavam cortados retos, na altura da cintura. Sua pele clara quase me fez pensar que fosse uma bambola, mas a pequena cicatriz na mão esquerda sugeria que não. Seus lábios eram corados e seus olhos eram azuis, além de que seus traços orientais deixavam o nariz reto ainda mais bonito.

Apesar de pequena, porém, sua voz era potente.

- There!!! - ela berrou, correndo e abraçando Thereza.

As duas pularam no meio da sala, soltando gritinhos agudos simplesmente agoniantes.

- Morgie!!! - a ruiva respondeu, tão empolgada quanto - É maravilhoso revê-la, prima!!!

Quis tapar meus ouvidos com as mãos ou pedir que parassem com o escândalo, mas não o fiz. Não pois, vindo da mesma direção de todos os funcionários, com um cheiro de tabaco forte o suficiente para permear a sala, Luigi sorriu singelamente.

- Morgana. Quanto tempo, não? - ele disse, mal reparando na minha presença.

A pequena oriental, com os olhos brilhando, soltou Thereza e correu na direção do demônio ruivo. Suas roupas pareciam as de uma criança, embora fossem um tanto curtas: uma saia plissada rosa e um cropped branco.

Meu queixo quase foi ao chão e meu nervosismo, ocasionado pela conversa incômoda, sumiu. Porque, ao invés de chutá-la, Luigi a abraçou.



Oi gente!!! O que acharam da prima do Luigi? E da reação dele ao vê-la? Nesse caroço tem angu? :p

Espero que tenham gostado, e me perdoem pela demora.

Bjsss, aproveitem!!!

Porcelana - A Promessa Escondida (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora