O que eu tinha na cabeça, mesmo? Era a 5° vez que me encontrava em um encontro com Daniel, tentando pensar em algo coerente para dizer a ele.
Estar em frente ao agente, naquele momento, não ajudava minhas ideias a se organizarem. Descobri ser incapaz de manter os olhos longe de sua mandíbula proeminente e ângulos bruscos. Isso era incômodo. Sabe quando você percebe que gosta de uma pessoa mais do que deveria? Pois é, me sentia assim.
Quando o olhar cinzento de Daniel encontrou meu rosto (ele nunca desviava dali, aliás), tive vontade de me enfiar debaixo da mesa e tentar arrancar aquelas emoções todas de meu peito.
- Ah, bem... o que você estava falando? - perguntei, fazendo com que um sorriso aparecesse em seu rosto.
- Eu estava dizendo que hoje você está especialmente encantadora. Aliás, sempre está.
Olhei para mim mesma, para a calça jeans e a camiseta vermelha (eu detestava aquela cor profundamente) que haviam me emprestado. Graças ao programa de proteção à testemunha, eu ganhara o direito de dormir em um enorme pavilhão próximo ao edifício da Polícia, sempre altamente vigiado e com aparência de acampamento militar, e de receber algumas roupas que eu lavava por lá mesmo. Ainda não tinha meus documentos, sequer fora à escola durante a vida e a investigação na Sociedade não acabara. Por isso, podia somente ficar deitada na cama o dia inteiro, quando não estava testemunhando ou me encontrando com Daniel.
Realmente, não estava em meus melhores dias.
- Acho que você está cego. - respondi, apoiando os cotovelos sobre a mesa da lanchonete e suspirando.
Eu não podia ir além do refeitório do pavilhão, por isso, quando queria me encontrar, o agente precisava vir até ali. Secretamente, eu era grata pelos momentos de distração que sua conversa oferecia.
- Eu não estou cego, Bia. Mas devo confessar, sinto falta desse seu humor. E... bom, de você no geral.
Olhei para seu rosto. Seria possível que ele estivesse falando sério?
- Aham. - foi tudo o que respondi, perdida entre a desconfiança e a acelerada leve na pulsação.
- Eu quero te dizer algo já faz um tempo.
Ele tomou minhas mãos nas suas, fazendo uma ruga nascer em minha testa.
- Por favor, continue. - incentivei, resolvendo prestar atenção por hora.
Um pequeno sorriso surgiu em seus lábios, algo completamente oposto ao conflito em seus olhos, e ele pigarreou.
- Bom... eu quero dizer que... gosto de você. - disse, a voz grave, de maneira direta e suave.
Então eu, imensamente madura... ri. Não por não acreditar nele, embora ainda fosse incapaz de aceitar aquilo. Mas sim, porque seu corpo estava completamente tenso para somente uma doce declaração.
- Por que você está rindo? - perguntou, com uma careta, fazendo-me perceber que havia cortado todo o clima.
Fingi secar uma lágrima no canto do olho.
- Você sabe que eu não acredito. E não sei como você...
Antes que continuasse, ele chegou muito perto.
- Por que não acredita? - perguntou, as pálpebras levemente abaixadas.
- Eu... continuo me sentindo traída. Não leve a mal... não quero sofrer de novo. - continuei, quase em um sussurro.
Ele suspirou, mas seus olhos não desviaram dos meus. Nem um milímetro sequer.
- Eu te entendo, Blanca Nieves. Eu te respeito e admiro por isso, pela sua capacidade de ter passado por tudo o que passou e ainda assim... ainda assim me permitir ser seu amigo. Mas eu não quero te fazer sofrer, nem ser apenas seu amigo. - quando sua mão tocou minha bochecha, meu coração deu uma acelerada tão súbita que quase engasguei, e senti o sangue subindo para meu rosto - Eu quero que me deixe salvá-la de novo, mas dessa vez de maneira mais efetiva: eu quero libertar seu coração.
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Porcelana - A Promessa Escondida (Completo)
Fantasy☆Sociedade Porcelana - Livro 2☆ "Seus sorrisos eram cínicos e debochados. Seus atos bondosos, uma mentira. Suas palavras generosas, um enfeite. Encará-los nos olhos era pavoroso, pois, a única coisa que demonstravam, eram uma maldade e um vazio tão...