Bônus: Banqueteando Segredos

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☆Por: Avril Mangini☆

Eu não costumava me mexer muito na presença de Carlos, pois a tremedeira nos membros me paralisava. Porém, daquela vez, seu olhar estava fixo sobre mim, o que piorava tudo: não tinha a capacidade de sequer mover a cabeça, prestando atenção somente na porcelana branca da louça à frente.

O barulho de conversa e talheres era baixo, agradável até, se comparado ao silêncio sepulcral que a mansão geralmente tinha. Eu só não me sentia aliviada por saber que os Frequentadores conversavam sobre temas malignos, em mais um de seus banquetes de negócios. Suspirei silenciosamente, percebendo pelo canto da visão que meu marido havia se distraído, finalmente.

- Você está bem, mãe? - sussurrou Lucca, quase sem mover os lábios, como sempre sentado ao meu lado.

Meu filho mais delicado e gentil era um tesouro, de verdade. Era um apoio extremamente necessário em meus dias tristes, quando chorava até não poder mais e tentava dar um fim a tudo. Fora ele que contera a faca em minha mão, certa vez, impedindo-me de desistir. Eu não sabia se era grata ou rancorosa graças àquilo.

Como mãe, eu me sentia uma fracassada patética. E era por isso que chorava, por sentir que havia abandonado meus filhos e deixado-os à deriva para os monstros. Ainda conseguia me lembrar do sorriso doce de Luigi, do olhar bondoso que possuía antes que Carlos o arrastasse para sua primeira reunião na Sociedade.

Carlos destruiu meu pobre anjinho, partiu suas asas e o fez cair. Lembro-me claramente de escutar os gritos de meu filho de 6 anos, ver o sangue empoçado no andar de cima e depois ter que fazer curativos para os seus ferimentos. O único destes que jamais se curou foi o pior: o psicológico.

Lucca conhecia meus lamentos, por isso, estendeu sua mão por debaixo da mesa e agarrou a minha. Pisquei em sua direção, grata.

Thereza sempre tivera um gênio forte, constatei, ao observá-la sentar-se à frente de seu bambolotto. Ela sempre fora avoada e vaidosa, preocupada com o próprio status diante dos outros. Mas eu não conseguia me lembrar do momento em que se tornará má, cruel e sem noção alguma da realidade. Carlos pode até ter me impedido de xingá-la por seus erros quando criança, alegando que ela era sua princesinha. Mas achei que aqulio não fosse mudá-la tanto, ao ponto de tornar-se... de igualar-se a Luigi. Meu coração se apertou, e precisei fechar os olhos por um momento.

Lucca era, dos três, aquele pelo qual eu mais temia. Conhecera sua natureza frágil desde muito cedo, antes até do que seu pai desnaturado, e o ajudara a escondê-la. Não era porque não conseguia aceitar meu filho, não, eu só achava que tal característica o tornava ainda mais especial e necessitado de cuidados. Carlos esmagaria outro de meus anjos se descobrisse aquilo sobre o filho que sempre rejeitara (em suas palavras, ele "já tinha um herdeiro homem antes de Lucca").

Rolei os olhos pela cena do banquete, de fato alheia ao que diziam, ignorando as vozes elevadas e agudas de Thez e sua prima. Morgana era um elemento que não me passava despercebido, no entanto, principalmente graças à sua proximidade do assento de cabeceira de Luigi. Ele mantinha um sorriso discreto nos lábios, que de tempos em tempos dirigia a ela, mas suas íris douradas guardavam uma escuridão intensa. Precisei desviar dali para não deixar as lágrimas escorrerem.

Dois lugares estavam vazios à mesa. Conhecendo o perfeccionismo da Sociedade, tive certeza de que não fora uma contagem mal feita na hora de distribuir as louças. Isso, e a expressão consternadíssima no rosto do pretendente de Thereza, deixavam-me claro quem não estava presente. Alessa Fragnello, bambola de Luigi, se ausentara da janta. Não haviam me dito mais sobre isso, mas eu podia pressentir que coisa boa não significava. O olhar de Luigi me dava mais certeza ainda.

O segundo lugar vazio pertencia a uma das gêmeas asiáticas. Ela tivera uma overdose na madrugada do dia anterior, e os empregados hesitaram em levá-la para o escritório, local onde estavam os únicos equipamentos médicos da mansão. Ela morrera pela manhã, pelo que soube, enfurecendo seu dono ao ponto de ele ir embora e deixar a irmã da pobre garota ali, sozinha, devolvida indiretamente. Anotei mentalmente que precisava falar com a menina de olhos vítreos e inchados, que não sabia como não tinha desmaiado de tristeza ainda. Reconheci tanto minha própria imagem nela, que foi assustador.

Por fim, voltei a encarar o noivo de minha filha. O garoto nem se esforçava para sorrir, olheiras profundas no rosto e, na minha percepção, mais magro do que quando chegara. Suas bochechas estavam brancas como a toalha de mesa, a cor de porcelana acentuada pela preocupação que consegui ver em seu modo de agir: tenso, lento e sôfrego. Acima de todos, eu era a que mais sabia como era sentir aquilo, a dor de uma paixão. Tinha certeza de que ele e a bambola de Luigi estavam apaixonados, absoluta. Era tão claro para mim, que eu me chocava ao ver que ninguém mais reparara.

Todos ali deviam estar tão preocupados consigo mesmos, que usavam uma viseira, voltada somente para seu próprios sentimentos e desejos. Um amor tão aparente e puro quanto o sol ao meio-dia, estava sendo sufocado pela inveja e crueldade de uma vida naquele lugar.

Eu não sentia rancor ou raiva deles por estarem, supostamente, traindo meus filhos. Como bambola, sabia que qualquer pingo de amor e alegria eram uma dádiva dos céus na Sociedade, o lar da destruição e do ódio. Eu entendia a necessidade deles de alguma coisa que os sustentasse, alguma coisa realmente boa. O fato de terem conseguido se encontrar foi a junção de uma sorte e um azar imensos, e era impossível distinguir qual prevalecia.

Por tantos motivos e segredos, com tantas palavras armazenadas na mente (as quais eu não transpunha mais para cadernos), permaneci calada. Era apenas mais uma noite em um lugar que sempre escondera traições, mistérios e perigos. Era apenas mais um banquete de pessoas com sorrisos falsos.

Encarei meu prato vazio, decidindo enfim preenchê-lo, e forcei uma expressão alegre. Eu precisava me unir aos outros, mesmo que por pouco tempo.

A arte de fingir era a mais prezada pela Sociedade Porcelana, afinal.



Oi gente!!! Como estão?

Terminei minhas leituras, finalmente!!! Agora posso escrever muito mais, e é o que vou fazer: Porcelana 2 vai ganhar uma guinada, até o final. Novamente, eu pergunto, estão preparados? Hehehehe. :)

Tenho algo a perguntar: vocês têm alguma sugestão de tag ou desafio? Estou pensando em fazer um capítulo interativo com os personagens deste livro, o que acham? Eles poderiam responder suas perguntas. Ainda mais: querem saber a qual deles cada música deste livro se refere, ou querem ficar com interpreração livre?

Ademais, espero que estejam gostando!!! Eu ainda não acredito que já estamos andando para o final do segundo livro desta série. :')

Bjsss, até logo!!!

Porcelana - A Promessa Escondida (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora