Mesmo que estivessem construindo o muro, os funcionários ainda não haviam arrumado a janela com tábuas quebradas do corredor leste (a mesma que eu usara em todas as minhas fugas). Por este motivo, eu pude usá-la para tramar meu plano.
Não fora algo precipitado, embora urgente. Eu pensara em cada detalhe, para que tudo parecesse o mais real possível. E para que Luigi tirasse as ideias malucas de sua cabeça.
Poucos dias antes, eu havia percebido que os funcionários sempre faziam uma pausa para o almoço em torno de 13h da tarde. Com somente metade do muro construída, cada vez mais a saída se fechava. Mas ainda existia uma parte da cerca tombada que eu pulara ao escapar.
Quando saíam do local, eles não deixavam ninguém para cuidar das obras (pelo menos ninguém que estivesse perto o suficiente para me segurar). Eu não duvidava que houvessem guardiões nas janelas, mas acreditava que conseguiria correr vários metros sem que me alcançassem. A parte da fuga (minha tal ideia genial) já estava planejada: eu correria, pela janela quebrada mesmo, para fora, na hora da pausa dos funcionários. Faltava, então, conversar com Ônix.
Sem ter muito o que fazer quanto a isto, escrevi um bilhetinho na hora do jantar da noite anterior àquele dia:
"Preciso resolver algumas coisas para conseguirmos desviar suspeitas. Se tudo der certo, podemos combinar uma estratégia amanhã à noite.
Não se preocupe, por favor. E não faça nada mal pensado."
Dobrei a folha umas mil vezes e escondi-a na palma da mão, entregando-a para o artista por debaixo da mesa, já que ele continuava sentando ao meu lado na sala de jantar.
Conforme a madrugada passava, a única coisa que martelava em minha cabeça era o que havia dito a Luigi quase uma semana atrás, no momento em que me questionara sobre a falta de minhas fugas. Por ninguém, respondi, escondendo o nervosismo no lugar mais profundo de meu ser. Estou apenas esperando o momento adequado, eu dissera também. O demônio ruivo sorrira e se calara na hora, mas seus olhos ainda demonstravam desconfiança.
Talvez meu pedido ao artista de que não se preocupasse fosse sem fundamento. Afinal, eu precisaria, literalmente, tirar Luigi do sério para que esquecesse do resto.
Por fim, faltava apenas lidar com o segurança que me acompanhava de um lado para o outro. Mas, com aquele, eu já tinha uma ideia de como lidar (meio mirabolante, e que provavelmente refletia minha destroçada face infantil, porém que eu torcia para ser bem sucedida).
Eu abusaria da falta de monitoramento do berço da Sociedade, rezando para que o preço a pagar não fosse tão alto. E para que eu conseguisse rever Ônix na noite posterior, secretamente.
×××
Era exatamente meio-dia. Eu havia acabado de retornar do almoço, no qual verificara meu prato em busca de alguma marca secreta (promessa de segurança de Lindsey). Bem na borda, minúsculo e provavelmente desenhado após os pratos já estarem na mesa, havia um L em tinta verde. Respirando fundo, esfreguei-o até que sumisse e devorei a refeição (apenas aquele prato montado, é claro).
Cruzei os dedos, assim que a empregada foi embora, e busquei por um anel na penteadeira do quarto. Encontrei um simples, de prata, e pus na mão esquerda. Também verifiquei o laço do vestido azul que usava, propício para o que pretendia fazer. Tomara que ele aceite, pensei, batendo na porta pelo lado de dentro.
Dois segundos foram o suficiente para que o funcionário a abrisse, com sua típica carranca.
- O que foi?
- Eu estou com dor nas pernas de novo. Será que pode, por favor, me levar para caminhar? - implorei.
Ele bufou, negando com a cabeça.
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Porcelana - A Promessa Escondida (Completo)
Fantasy☆Sociedade Porcelana - Livro 2☆ "Seus sorrisos eram cínicos e debochados. Seus atos bondosos, uma mentira. Suas palavras generosas, um enfeite. Encará-los nos olhos era pavoroso, pois, a única coisa que demonstravam, eram uma maldade e um vazio tão...