Cap. 20: Todos Têm Segredos

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Às vezes parecia engraçado o fato de eu ter amadurecido em questão de poucos meses. Quando fora levada à Sociedade, não passava de uma criança temerosa, que não sabia nem queria lutar por si mesma. Que achava que a graça da liberdade cairia dos céus. Meio ano depois, lá estava eu, uma bambola que se rebelava contra o próprio Fondatore Maestro e ocultava uma investigação da Polícia Internacional.

Certamente, eu não me sentia uma criança no momento, conforme ia me aproximando secretamente do estúdio de Ônix.

É lógico que não estaria ali sem a ajuda de Lindsey, que teimou incansavelmente para que ficasse no quarto. Ela já estava mau-humorada, pois dissera que não haviam chegado a um resultado definitivo sobre a localização da biblioteca na noite anterior. Existiam dois possíveis lugares: ou o pavilhão da fábrica de porcelana, ou o escritório de Luigi, ambos sempre altamente vigiados. Por fim, quando lhe disse que minha vida estava uma droga e o trabalho dela era ajudar as pessoas, Lindsey bufou e saiu do quarto, distraindo o atrapalhado funcionário que cuidava da porta. O efeito que a agente causava nele, com certeza, vinha à calhar.

Depois de ter certeza que os dois estavam distantes o suficiente no corredor, peguei um pincel de maquiagem com detalhes em alto relevo e, ao melhor estilo espiã, destranquei a porta. Corri pela casa, deserta e assustadora, até alcançar a escadaria pela qual fora arrastada no dia anterior. As lembranças ainda estavam frescas e dolorosas, escondidas embaixo das camadas de maquiagem em meu rosto. Mesmo assim, prossegui, até avistar o único e mal conservado cômodo do andar superior. Curiosamente, não haviam guardas ali, e sua porta estava fechada.

Engoli em seco e, respirando fundo, bati. Ônix não tardou em abrí-la e me puxar para dentro.

- Seja bem-vinda ao meu estúdio 2.0! - brincou, com um quê de amargura na voz enquanto girava a chave.

Não pude evitar olhar em volta, ao mesmo tempo familiarizada e estranha ao local. O que o tornava estranho era o fato de que era uma sala sem janelas, com um papél de parede listrado descascado, um carpete vermelho carcomido pelo tempo e uma mesa bamba. O que o tornava familiar eram os inúmeros desenhos, já pendurados em uma corda recentemente instalada.

Me aproximei das folhas de papel e toquei os rascunhos cor grafite, todos escuros e esfumaçados. Eles representavam diversas coisas: o jardim de nossa antiga sede, com certa árvore de pitangas em destaque; Rubi, com o rosto borrado mas as roupas de bailarina inconfundíveis; Jade e Jaspe, sentados no tapete da casa de Martino; e, por fim, uma figura distante, que segurava um lápis e um caderno.

- Eu ainda não tive tempo de pintar. - murmurou o artista, às minhas costas, soando envergonhado.

Na realidade, eu achava que as cores sombrias dos desenhos combinavam muito mais com ele em seu atual estado. Ônix, possivelmente, não se dava conta de que colocava a própria alma em cada obra que fazia.

- São lindos. Mas, o que este aqui representa? - perguntei, mantendo meu olhar sobre o último desenho.

Ouvi-o suspirar, e seus passos ecoaram até que estivesse próximo de mim. Então, inesperadamente, senti sua boca colada ao meu ouvido, e seu queixo repousou em meu ombro.

- Esta é você, musa. É a forma como eu a via enquanto estava sozinho na Sociedade: sempre distante de mim, escrevendo seus poemas encantadores. - um arrepio percorreu meu corpo, fazendo-me encará-lo - Eu disse que assisti à peça da Academia, e já lhe mostrei uma foto. A professora de literatura fez questão de declarar que fora tudo ideia sua.

Sua voz baixa e rouca inebriava meus sentidos de um jeito indescritível. Eu podia sentir cada traço de seu rosto bonito: o nariz levemente arqueado, as bochechas retas, os cílios delicados, os lábios finos e o maxilar forte. Seus cabelos faziam cócegas em meu pescoço, ocultando seus olhos.

Porcelana - A Promessa Escondida (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora