Cap. 33: Resoluções Vãs

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Sentada na mesa de jantar, eu só conseguia pensar em quão idiota fora a resolução de Luigi para nossa "briga", mais cedo.

Ele, com ar petulante, obrigara-nos a participar de mais um dos banquetes da Sociedade, em sua companhia. Sentada à sua direita, de frente para uma Morgana que me encarava mortalmente, refleti que nem 50 jantares para "acalmar os ânimos" funcionariam. Ela e Thereza continuariam me odiando, e eu continuaria desprezando-as, de qualquer forma.

- E então, perfeição? Sente-se melhor agora que está próxima de mim? Mais apta a não sair por aí brigando com outras pessoas? - falou o demônio ruivo, um sorriso sarcástico no rosto, com a décima provocação da noite.

Revirei os olhos e bufei, encurvando ainda mais as costas sobre a mesa. A lente de contato azul e o vestido que haviam me forçado a usar incomodavam mais que o Mangini.

- Eu não estava brigando por você. Jamais desperdiçaria tempo por algo assim. - respondi, com desdém, e virei o rosto.

Ele apenas riu baixinho, sem se abalar, e encostou as costas na cadeira alta e vermelha na qual estava. Logo, pelo canto do olho, pude ver que se inclinou na direção de Morgana. Provavelmente iria perturbá-la também.

Encarando as outras pessoas que ali estavam, constatei mais uma vez o quão internacional estava a mansão. Eu podia ouvir conversas em diversas línguas, desde francês até português. Pensar que tanta cultura reunida estava sendo jogada fora pela maldade daqueles seres me causava arrepios.

Na outra ponta da mesa lotada e comprida, Carlos estava sentado, como de praxe. Ao seu lado, Avril, Lucca e Thereza, respectivamente. E, na frente de Thereza, Ônix, com o queixo também apoiado na mão. Pude ver, pela maneira como sua boca se mexia, que ele estava conversando com a ruiva de voz irritante. Porém, apesar de manter uma expressão séria e serena, também percebi que ele não prestava atenção de verdade. Estava ocupado pensando em algo, até que, brevemente, viu que eu o encarava.

O reflexo de um sorriso passou por seu rosto, mas ele voltou a encarar a família de Fundadores, concentrado.

Haviam duas mesas na sala de jantar, na verdade. Uma parecia abrigar somente os mais importantes Frequentadores, enquanto a outra, igualmente barulhenta, acomodava o resto. Fiquei tentada a me virar e encarar a mesa vizinha, mas tal gesto demonstraria um interesse que eu não tinha por aquelas pessoas.

Ignorando os rostos desconhecidos, principalmente o de um homem de bigode ao meu lado (que parecia se inclinar propositalmente em minha direção toda vez que tinha a chance), continuei analisando o cenário. Vi, por fim, o canto dos funcionários, onde Lindsey estava de pé, como se fosse uma guarda. Ela estava de uniforme bordô, sinal de que, naquela noite, estava servindo somente Tréville.

A Madame deve estar fazendo algo importante, pensei, enrolando uma mecha do cabelo pintado nos dedos. Aquela cor chegava a me causar mais repulsa do que o branco das bambolas, pois fora escolhida pelo próprio Luigi.

- Atenção: o jantar será servido! - exclamou um homem, curvando-se e abrindo espaço para que um séquito de outros funcionários começasse a servir as mesas.

Observei enquanto dois tipos de sopa, filé ao molho mostarda, frutas e verduras cortadas em pedaços, vinho tinto, queijo na chapa, salame frito e pudim eram postos sobre a toalha branca. O cheiro era uma coisa traiçoeira e venenosa, que fazia meu estômago roncar. Eu sentia tanta falta de comer bem, que até suspirei.

Como de praxe, esperei que os Frequentadores se servissem e depois comi das mesmas coisas que eles. Supunha que os alimentos não estivessem envenenados, ou a família do Fondatore Maestro teria sérios problemas.

Mastiguei devagar, aproveitando cada resquício de sabor. Eu queria experimentar ao máximo a boa e rara refeição, além de continuar analisando o cenário. Lucca, ao lado da mãe, parecia tenso. Isso chamou minha atenção.

Antes que eu pudesse continuar investigando-o, porém, o homem de bigode ao meu lado virou sua bebida em meu vestido.

- Ei! - exclamei, me afastando da mesa.

- D-desculpe, moça. - ele falou, entre soluços e um sorriso torto.

O Frequentador, quem quer que fosse, já estava totalmente bêbado. Por isso estivera se inclinando para mim, possivelmente.

- Tudo bem... - murmurei, percebendo ter atraído atenção - Sem problemas, Senhor.

Senhor. A palavra que eu não usava há tempos, mas que continuava incrustada em minha memória.

- O-ora, mas que gentil essa b-bambola. - falou, com um italiano bem ruim - V-você escolheu bem, Senhor Fondatore. E-essa aqui e aquela d-do outro lado são umas gracinhas.

Ele apontou para Morgana, que ficou de queixo caído. As bochechas dela começaram a esquentar perceptivelmente.

- Mas que falta de respeito! - exclamou, batendo na mesa.

- U-ui. E-essa é braba. - respondeu o bêbado, rindo.

Tudo o que fiz foi permanecer séria, mesmo querendo muito zombar da garota. Era a primeira vez que Morgana era tratada como uma bambola, aparentemente.

- Gostou da vida fácil? - sussurrei para mim mesma, com sarcásmo.

Aí, então, o demônio ruivo se levantou. Pelo sorriso debochado que este tinha no rosto, tive pena do Frequentador ao meu lado.

- Eu sei que escolhi bem, de fato. Meu gosto para essas coisas sempre foi brilhante, sabe? Mas eu não gosto que terceiros fiquem elogiando o que é meu. - a calma venenosa na voz de Luigi foi o suficiente para o homem adulto se aquietar - Se eu quiser a sua opinião, eu irei pedir. E Morgana não é uma bambola.

Ele apoiou as duas mãos na mesa, aproximando-se. Estar entre o demônio e sua nova vítima não foi nada agradável.

- Mais cuidado com as doses de vinho da próxima vez, Senhor Cortez. Cuidado com o que fala, também. Só não será punido, porque... - um riso breve - Gostei do jeito que me chamou. Senhor Fondatore é bem apropriado.

Quando ele sentou de volta em seu lugar, o silêncio desconfortável tornou-se impactante. O sorriso maldoso continuava em seu rosto.

- Não acha melhor se retirar, Cortez? Até sua embriaguez passar. Talvez amanhã se sinta mais disposto a estar conosco.

Em questão de segundos o tal Cortez havia sumido, sabendo o que era melhor para a própria pele. Senti-me fria, tanto pela situação quanto pela roupa encharcada.

Luigi inclinou-se na direção de Morgana, que prontamente segurou seu braço.

- Lui, obri...

- Nenhum pio. - encarou a multidão silenciosa - Continuem, por favor. Não se abalem.

E a conversa voltou, mesmo com um ar tenso e forçado no início.

O demônio vermelho piscou para mim, o que me fez encará-lo com deboche e desviar o olhar.

- É melhor ir se trocar, perfeição. Não quer ficar doente, não é? - cerrei os punhos, fazendo questão de me afastar de uma vez - Volte logo.

Que belo jeito de manter a paz, pensei, enquanto ia para o corredor.

Porcelana - A Promessa Escondida (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora