Minha cabeça estava tão bagunçada, que parecia que meu cérebro sairia pelo ouvido a qualquer momento. Quando abri os olhos, a dor se espalhou pelo corpo inteiro, me fazendo gemer e ter vontade de fechá-los outra vez. Mas aquela já era a segunda vez que eu voltava a dormir, e Lindsey não deixaria barato.
- Alessa, você tem que ficar acordada. Já dormiu mais 3 horas, sabia? E eu nem sei se dormir nessas circunstâncias é uma boa... - percebi que ela estava torcendo um pano que acabara de mergulhar na água, logo depois colocando-o sobre minha testa - Como você está? Pode me falar mais sobre aquilo que viu?
Ao despertar pela primeira vez, quase um dia depois de sofrer uma overdose, encontrei-me na cama de meu quarto, com um soro conectado ao braço esquerdo, dor em todos os lugares, mente confusa e uma Lindsey que não parava de gritar, perguntando o que havia acontecido. A verdade era que eu não fazia ideia do que havia acontecido, ou seja, do motivo para aquela empregada querer me envenenar, muito menos o que ela havia usado para tal. Quando contei à agente sobre o ocorrido, ela apenas estressou-se mais, pensando no quão perigosas as coisas estavam se tornando.
Bem, eu lhe disse que as coisas sempre tinham sido perigosas por ali. No entanto, o que realmente a tirou do sério foi meu relato sobre ter encontrado a possível localização da biblioteca. Apesar de sentir que cada um de meus neurônios havia sido triturado em um liquidificador, me lembrava claramente da estante abarrotada de livros de capa vermelha, escondida por uma porta simples no escritório de Luigi.
Assim que terminei de contar tudo, caí no sono outra vez, voltando a abrir os olhos somente 3 horas depois, ao que parecia. Lindsey estava mais calma, pelo menos, mas sua expressão continuava elétrica.
- Eu... eu só vi os livros... - murmurei, sentindo como se minha língua fosse um grande pedaço de carne morta e incapaz de se mover - Vi a estante de relance, porque apaguei logo depois...
Ouvi-a suspirar e se preparar para fazer outro discurso. Mas então, alguém bateu na porta, fazendo a agente morder os lábios.
- Só um instante! - ela exclamou, arregalando os olhos e correndo para a porta. Quem quer que estivesse do outro lado poderia ter ouvido o que não devia.
Ela abriu a porta rapidamente, endireitando a coluna como uma empregada faria na presença do patrão, e deu espaço para Lucca Mangini adentrar o cômodo. Com os olhos levemente abertos e as costas apoiadas em uma pilha de travesseiros macios, estranhei sua presença, passando a suar frio junto com a umidade do pano em minha testa.
- Você está bem? - ele perguntou, aparentando incerteza quanto à própria aparição inesperada.
Tive, realmente, vontade de rir. Mas minha garganta seca e áspera só me permitiu tossir de maneira amarga, afinal, até mesmo aquele garoto era suspeito de me envenenar. Ao me ver daquela maneira, Lindsey avisou que iria buscar água, e deixou o quarto com uma expressão alerta.
- Creio que você possa tirar suas próprias conclusões. - respondi, assim que a porta se fechou atrás do garoto.
Lucca assentiu lentamente, parecendo letárgico ao examinar o ambiente. Como se não tivesse estado ali antes, ou como se tudo lhe tivesse uma cara nova.
- Eu vim aqui para conferir como você estava. Quando apagou, Luigi começou um escândalo que atrapalhou o funcionamento da casa inteira... - ele comentou, com um tom forçado de casualidade.
Meus punhos se apertaram sob as cobertas, tensos graças à nova informação. Todos sabiam o que havia acontecido agora, inclusive Ônix.
Engoli em seco, sem conseguir deixar de temer pelo artista.
- Interessante saber que seu irmão se preocupa comigo. - comentei com ironia, antes de me dar conta de com quem estava falando.
Encarei o rosto de Lucca, percebendo apenas a inexpressividade de sempre, dessa vez mesclada com tristeza, no entanto. Ele não rebateu minhas palavras, pelo contrário, apenas suspirou.
- Meu irmão não se preocupa com ninguém além de sua Sociedade preciosa. Ele não se preocupa nem consigo mesmo, se quer saber. - sua voz tornou-se séria, muito mais do que eu esperaria de alguém ao falar do próprio irmão - Há muito tempo ele deixou de ser alguém digno de preocupação, também...
O clima no quarto tornou-se tenso e desconfortável, como muitas vezes acontecia, mas desta vez com uma camada de mistério e segredos pairando no ar. Aquele era um inesperado desabafo, vindo de um ser que sequer devia estar ali.
- Enquanto você esteve apagada, uma bagunça se instaurou pela mansão, de verdade. Por isso, vim conferir se estava bem... fiquei curioso. Luigi não se dignou a vir vê-la ainda. - o alívio em meu rosto deve ter sido claro, pois ele pigarreou e se afastou alguns passos.
Lucca Mangini era uma pessoa intrigante, de fato. Quase sempre mantinha uma expressão intransponível, mas um núcleo bastante complexo se escondia sob tanto aço. Um núcleo repleto de tristeza e arrependimento, pelo que minha intuição dizia.
- Entendo. - respondi, simplesmente.
Ele deve ter se sentido intimidado perante meu olhar, pois logo começou a recuar para a porta.
- Sabe, Lucca, eu não julgo você. Essa Sociedade é uma prisão para todos nós. - minhas palavras o fizeram parar na metade do caminho.
Eu esperava que ele desse de ombros e prosseguisse, mas, em vez disso, sua voz se ergueu através do quarto:
- Minha mãe chora todas as noites pelo que aconteceu com seus filhos. Ela chora até se esgotar, ou até dormir, pelo menos. - eu não soube o que responder à sua verdade secreta.
Os ombros do garoto estavam tão retesados, que senti-me na obrigação de falar alguma coisa. Como não havia consolo para sua realidade, apenas respirei fundo e pronunciei algo que meu pai sempre dizia:
- Até mesmo na mais vil criatura, existe um quê de humanidade. E talvez esse seja seu maior pecado, pois a humanidade é cruel e egoísta ao defender aquilo que julga amar ou necessitar. - pausei, apenas para observá-lo encurvar as costas - Esse é o problema dos Mangini, Lucca...
Ele não disse mais nada e, quando Lindsey voltou com a água, já havia ido embora.
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☆Oi gente!!! Feliz Páscoa!!!
Resolvi postar esse capítulo como um presente especial para vocês, graças ao dia de hoje. Mesmo àqueles que não tem uma religião, desejo um ótimo domingo, repleto de pessoas queridas e chocolate! :)
Bjsss, meus bambolottos e bambolas!!! Que todos tenhamos uma feliz e muito, muito doce Páscoa!!! Kkkkk.
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Porcelana - A Promessa Escondida (Completo)
Fantasy☆Sociedade Porcelana - Livro 2☆ "Seus sorrisos eram cínicos e debochados. Seus atos bondosos, uma mentira. Suas palavras generosas, um enfeite. Encará-los nos olhos era pavoroso, pois, a única coisa que demonstravam, eram uma maldade e um vazio tão...