Eu ainda estava em choque quando me arrastei de volta para o quarto, lugar do qual planejava não sair por muito tempo. Depois da perseguição, minha dor de cabeça cotidiana retornara com tudo, o que me fez ficar deitada o resto do dia, apenas tomando água e encarando o teto. As empregadas hora ou outra entravam e saiam, mais apressadas do que o normal.
Ninguém parecia afetado pela loucura do demônio ruivo.
×××
Lá pelas tantas, na hora do crepúsulo, enquanto as empregadas me rodeavam freneticamente, um peso recaiu sobre meu coração. Era uma sensação estranha, meio dolorida, que eu jamais havia sentido. Esfreguei a região com a mão esquerda, tentando me acalmar.
- Pronta, outra vez! - exclamou uma das mulheres, tomando certa distância - o Senhor Carlos com certeza aprovará.
Ah, é. Carlos Mangini agora habitava a mansão, o que piorava minha situação. Eu já o vira algumas vezes antes, (pois o mesmo estava quase sempre viajando na companhia da esposa) mas nenhuma delas fora agradável. O homem enorme era assustador, e sua bambola (a mãe de Luigi) sempre parecia assustada.
Tive de cerrar os punhos, respirar fundo e encarar o espelho, assim que as empregadas ordenaram. Naquela noite, tinham entregado-me um vestido preto e justo, com saia estilo sereia que tocava o chão. Na barra da saia e no contorno do busto, pequenas pérolas brancas cintilavam, destacando minhas curvas atualmente quase inexistentes. Meus ombros, escondidos pelas longas mangas, estavam magros e proeminentes, enquanto a marca da Sociedade tornava-se uma linha irregular e avermelhada. Meus olhos foram carregados com sombra escura, o que deixou-me mais velha. Fiquei curiosa com aquilo, afinal, sempre faziam questão de deixar-me como uma bonequinha.
Por fim, as empregadas entregaram-me um casaco verde e fino, além de sapatilhas da mesma cor. Foi impossível não lembrar de certas coisas, devido aos tons de verde e preto.
As mulheres postaram-se em meu encalço e puseram-me no caminho da sala, embora eu tentasse resistir. Aparentemente, o que quer que Luigi e seu pai houvessem planejado se realizaria naquele cômodo maldito.
Conforme me aproximava, a dor no peito ia aumentando. Provavelmente, ela estava relacionada ao terror que seria encarar o ruivo tão logo.
No corredor já era possível ouvir o barulho da conversa, que reverberava pelas paredes da casa. Havia muita gente ali, de fato, o que constatei quando entrei na sala. Eram todos Frequentadores, com seu jeito autoritário e porte elegante. Eles estavam espalhados pela extensa sala de estar, sentados nos sofás de veludo ou caminhando de um lado para o outro, sendo seguidos de perto por funcionários preparados para servir. Quando me virei, em busca das empregadas que me escoltavam, percebi que as mesmas haviam partido.
- Olá, Alessa. - disse uma voz feminina, que chamou minha atenção.
Era Madame Tréville, com seu sotaque carregado e manto de pele pomposo. Por trás da taça de vinho que carregava nas mãos, a mulher piscou, logo distanciando-se. Seu comportamento prezava por evitar suspeitas, mas, mesmo assim, eu me sentia mais segura com sua presença. Procurei pelo uniforme bordô que Madame descrevera mais cedo, deparando-me com uma mulher que estava encostada à parede norte.
- Meus caros senhores... - exclamou uma voz grossa e imponente, que tirou minha atenção - hoje, o dia em que retorno para meu lar após uma longa viagem, com certeza entrará para a história! Para a história das melhores comemorações da Sociedade, isto é.
Todos ao redor riram, voltando-se para Carlos Mangini, que surgiu em um pequeno palanque improvisado no canto da sala.
- Espero que aproveitem o banquete, meus amigos! Minha casa está aberta a vocês! - Carlos exclamou, alisando a barba espessa. Ele vestia um terno totalmente preto, sem gravata, que aumentava seu ar de monstro - agora, deixo as palavras para meu filho.
Palmas suaves ecoaram pelo local, enquanto meu estômago revirava. Era um milagre não terem me arrastado para junto de Luigi naquele momento, o que foi ao mesmo tempo um alívio e um fato intrigante.
O demônio ruivo subiu ao palanque com sua agilidade natural, que tornava-o parecido com uma raposa. Luigi acenou para a platéia, vestido em roupas semelhantes as do pai, o que arrancou sorrisos da multidão.
- Repetindo as palavras de meu pai: sejam bem-vindos! - começou, curvando-se de leve - a partir de hoje, como bem sabem, muitos de nós virão para esta casa. Começaremos a tratar de assuntos importantes, mas que não ofuscarão o clima de festa iniciado!
Assuntos importantes. Aquelas palavras fizeram o que restava de minha espinha congelar, de uma maneira sinistra. Novamente, pensei em me aproximar da funcionária de Tréville, apenas para criar a ilusão de proteção.
- Estrangeiros virão para nossa casa, mas os velhos amigos também retornarão ao lar! - Luigi continuou, conforme eu me esgueirava pela multidão, tentando ficar o mais longe dele possível - nossa família, criada pela Sociedade Porcelana, aumentará ainda mais!
Nessa hora, a dor que sentia no peito me deu ânsia de vômito. Precisei segurar minha própria barriga para engolir a bile, mas ninguém virou para ver como eu estava. Todos estavam centrados demais no discurso de seu futuro líder.
A "família" da Sociedade aumentará ainda mais?
- Portanto, como bem sabem, para unir nossa Sociedade em um momento tão importante, primeiro é necessário reunir seus líderes. - Carlos Mangini cruzou os braços com satisfação - De antemão, peço que a senhora minha mãe suba ao palco, e que minha noiva, Alessa Fragnello, também.
Travei no lugar, a exatos dois metros da funcionária de Tréville. Mal consegui ler seu crachá, no qual estava escrito "Lindsey", e já fui impulsionada para a frente. Parecia que, finalmente, as pessoas ao redor haviam me notado ali. Seus olhares perversos recaíram sobre mim, conforme fui andando na direção do palanque.
- Agora, convido também minha irmã, Thereza Mangini, que acabou de voltar da casa de meus avós maternos, a subir ao palco. - eu, que ainda não havia me aproximado, congelei no lugar com a frase de Luigi - Venha cá, minha convidada especial!
E foi então, depois de quase meio ano, que vi a garota ruiva da qual sentia uma raiva extrema. Ela, em um vestido preto e grudado ao corpo, apareceu por entre a multidão, sorrindo e acenando como se estivesse em uma passarela.
Bom seria se fosse só isso. Bom seria, se Ônix não viesse andando atrás dela.
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☆Oi gente!!! Desculpem pelo atraso!!! Eu fiquei lotada de trabalhos nesses últimos dias!!!
E então? Ficaram com o coração acelerado por causa do final deste capítulo? Espero que sim, kkkk.
Bjsss, aproveitem!!!
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Porcelana - A Promessa Escondida (Completo)
Fantasy☆Sociedade Porcelana - Livro 2☆ "Seus sorrisos eram cínicos e debochados. Seus atos bondosos, uma mentira. Suas palavras generosas, um enfeite. Encará-los nos olhos era pavoroso, pois, a única coisa que demonstravam, eram uma maldade e um vazio tão...