Sua cabeça estava apoiada em minhas pernas cruzadas, e estávamos no chão do estúdio. Nenhum de nós sabia o que aguardava do lado de fora, ou se seríamos descobertos no segundo seguinte. Por isso, e por vontade de nunca mais largar Ônix, fiquei ali, ignorando o tempo.
Os olhos do artista estavam inchados e vermelhos, por ter chorado horas e horas. Lágrimas ainda deslizavam por seu rosto de vez em quando, mas estavam mais contidas. Eu acariciava seu cabelo com carinho, observando-o respirar irregularmente: era aparente que estava destruído.
- Se ela... se a Rubi fugiu, eu... nunca mais vou vê-la. - ele sussurrou, em determinado momento - Eu s-sempre soube que não a veria de novo, mas agora... estou torcendo para que não apareça nunca mais. Porque, se aparecer, eles vão matá-la. Vão torturá-la e matá-la.
Essa aflição preenchia seu peito e sua mente, deixando-o incapaz de parar de soluçar.
- E, se ela fugiu para algum lugar ruim, pode já estar morta... fria em alguma vala imunda. - suas íris estavam vítreas e opacas, o que tornava as duas cores dentro delas menos bonitas.
Inclinei a cabeça para frente, impedindo-o de continuar. Colei minha boca ao seu ouvido, tentando fazê-lo ter um vislumbre de algo que parecia muito distante: esperança.
- Nós não sabemos, Ônix. Tudo o que podemos fazer é torcer para que ela esteja bem. - sussurrei, fechando minhas pálpebras por alguns segundos - Mas Rubi é inteligente e responsável, você sabe. Existem infinitas possibilidades...
Ele engoliu em seco, levantando a mão e acariciando meus cabelos.
- Infinitas possibilidades... nenhuma na qual eu esteja incluído... - sua voz falhou, denunciando outra vez a fragilidade de suas emoções.
- Há, sim, maneiras de você estar incluído. Tréville é uma delas. - sussurrei baixinho, vendo-o fechar os olhos e suspirar.
Sua mão passou para meu rosto, seguindo todas as linhas de expressão e feições existentes, com delicadeza e suavidade. Não parecia que ele estava me analisando, mas sim me apreciando, como um artista próximo à uma incrível obra.
- Sua voz é música, musa... - ele murmurou, por fim, abrindo os olhos marejados.
Passando as mãos para minha nuca, puxou-me para ainda mais perto, obrigando-me a deitar ao seu lado.
- Eu te amo. - sussurrei, dessa vez sendo a primeira a me declarar. Eu não tinha mais inseguranças quanto àquela afirmação, nem quanto à resposta. Aquelas, na verdade, eram as únicas certezas que tinha na vida.
- Eu também te amo... te amo tanto... - em vez de continuar com palavras doces, levantei meu rosto e beijei-lhe os lábios, em algo ainda mais apaixonante.
Foi algo leve e estalado, úmido e salgado pelas lágrimas, mas amoroso demais. Quando fui afastar minha cabeça, Ônix surpreendeu-me, usando a mão em minha nuca para aproximar-me novamente. O segundo beijo foi mais demorado, lento e repleto de emoções. Pude sentir tudo o que havia em seu interior, todos os cacos pontiagudos. Sua boca deslizou pela minha com cuidado, como se também a apreciasse.
Depois de me soltar, ficamos deitados mais um tempinho, adiando o que quer que pudesse estar lá fora.
×××
Sabe quando um golpe de sorte na verdade se mostra um golpe de azar? Quando algo que você pensa ser bom, se revela a causa de sua queda? Eu soube naquele dia.
Se eu tivesse sido pega no meio do caminho, parada por alguém, talvez as coisas não tivessem piorado ainda mais. As palavras tristes e as lágrimas de Ônix perturbaram meus pensamentos de maneira profunda e complexa.
Com o coração e a mente enevoados, ingenuamente comemorei ao conseguir retornar ao dormitório. Entrei e tranquei a porta com o pincel-chave, para que ninguém desconfiasse de nada, e depois juntei-o a outros objetos, como um disfarce provisório. Por fim, me joguei na cama, imaginando ser umas cinco horas da tarde.
Aí, antes que pudesse suspirar de alívio, a porta se abriu novamente.
- Seu lanche, Senhorita. - disse uma empregada, largando uma nova tigela branca em cima da penteadeira e retirando a intocada do almoço.
O mingau incolor me fez lembrar imediatamente das refeições na outra sede da Sociedade, sem gosto ou cheiro. Meu estômago se embrulhou, mas não apenas de nojo: eu estava morrendo de fome, afinal, fazia muito tempo que não comia.
Até estranhei o fato de não ser Lindsey a estar entregando a refeição, e ainda mais o fato de estar recebendo o lanche em um horário incomum. Pensei em não tocar a refeição e continuar em meu lugar, mas a mulher continuou:
- Fui instruída a não sair daqui até que coma tudo. - sua voz estava inexpressiva, mas pude vê-la engolir em seco - Disseram que está muito magra, Senhorita.
Minhas sobrancelhas se franziram, e a sensação ruim de mais cedo retornou com força total. Tinha algo de errado ali.
- Mas eu não estou com fome. - argumentei, arrastando-me até a borda da cama.
- Não importa. Coma. - ela disse, apontando para a penteadeira.
Fui até lá de maneira hesitante, com um plano em mente, também. Peguei a colher de prata polida ao lado da tigela e mergulhei-a na pasta, empurrando o recipiente levemente para o lado. Queria que caísse no chão e se espatifasse, mas a empregada foi rápida em segurá-lo. Por que ela quer tanto que eu coma? O que tem dentro disso?
- Senhorita, serei obrigada a chamar mais funcionários para que aceite sua refeição? - ela comentou, empurrando o mingau de volta para minha frente.
Suspirei silenciosamente, entendendo que nada bom sairia dali. E entendendo que não havia outra opção, porque aquela empregada tinha algo muito sério a esconder.
Sob seu olhar atento, levei a colher à boca e engoli, não sentindo nada diferente. Porém, de certo modo, dava para saber que o mingau irradiava ódio. Morte, talvez.
Quem me odiava tanto?
- Continue, Senhorita. - ela falou, praticamente enfiando outra colherada em minha boca.
Conforme comia, ia pensando no que estava acontecendo. Refletindo sobre a tensão tão palpável na atmosfera daquele quarto, que deixava pistas o suficiente: era óbvio que eu estava sendo envenenada, lenta e friamente.
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☆Oi gente!!! Eu demorei para postar (de novo) porque estou cheia de livros para ler, de verdade. Assim que eu terminá-los (são 3), cumprirei com a proposta de postar mais capítulos por semana. Eu juro.
E então? Estão gostando da tensão no ar? Esse é só o começo, my porcelain dolls. Porcelana 2 guarda muito mais, garanto, kkkk.
Bjsss, aproveitem!!!
P.S.: Fiquem atentos às multimídias!!! Agradeço muito suas indicações de músicas, por falar nisso, kkk!!! Será que vocês conseguem adivinhar a qual personagem cada música se refere? :)
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Porcelana - A Promessa Escondida (Completo)
Fantasy☆Sociedade Porcelana - Livro 2☆ "Seus sorrisos eram cínicos e debochados. Seus atos bondosos, uma mentira. Suas palavras generosas, um enfeite. Encará-los nos olhos era pavoroso, pois, a única coisa que demonstravam, eram uma maldade e um vazio tão...