Bônus: O Que De Fato Aconteceu

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☆Por: Bianca (ainda no dia de sua compra)☆

Eu me sentia estranha, ainda confusa e incrédula. Parecia um sonho fantasioso, meio louco, o fato de eu realmente estar sentada em uma sala de espera de delegacia. Quer dizer, mais ou menos. Acho que aquilo não era bem uma delegacia, era mais uma "base secreta", ou algo assim.

- A Chefe Tréville já entrou na mansão? - perguntou o Agente D, para um colega de uniforme escuro.

- Sim, Senhor. - o homem assentiu, segurando a boina azul-marinho nas mãos - ela foi até lá para se certificar de que tudo continuava nos trinques.

Fazia algumas horas que eu havia sido levada para aquele lugar branco, com cheiro de desinfetante e cadeiras de estofamento cinza. Diversos agentes passavam de um lado para o outro o tempo inteiro, entrando e saindo das salas com janelas de vidro. Era possível vê-los sentados em frente a computadores, conversando entre si ou revirando pilhas de papéis, todos centrados em suas funções.

- Muito bem. - Daniel, se é que aquele era mesmo seu nome, suspirou. Parecia sinceramente preocupado - Eu vou falar com Bianca, então.

Quase que imediatamente, sentei-me ereta. Eu sabia que deveria estar feliz, afinal, o fim da Sociedade se encaminhava, eu estava salva e logo seria livre (pela primeira vez). Mas o fato de ter sido enganada por Daniel me deixava fervendo de raiva.

- Oi, Biancaneve. - falou, assim que se sentou ao meu lado.

Não o encarei.

- Por que continua me chamando assim? Não era tudo parte da investigação? - retruquei, inexpressiva - aliás, se tem algo aqui que ainda não me esclareceu, é: quem é você?

Ouvi-o suspirar outra vez e, com o canto do olho, percebi que passou a mão pelo cabelo.

- Bianca, você sabe quem eu sou.

- Não, não sei. Eu só conheço o seu disfarce. - finalmente, virei-me para ele, demonstrando toda a raiva que sentia.

Sua expressão era a de alguém cansado, chateado até. Talvez, apenas talvez, aquela expressão se devesse ao ataque que dei quando me revelou toda a verdade, ainda no carro. Eu ficara tão assustada com a perspectiva de a Sociedade nos pegar e nos punir, que gritara a viagem inteira. Era duro acreditar que estava fora do edifício maligno no qual passara minha vida inteira.

- Tudo bem, tudo bem. É verdade que fingi ser outra pessoa, mas era tudo por causa do trabalho. - sua voz, que só agora eu percebia ser muito grave e masculina, baixou um tom - mas foi tudo pelo seu bem, também. E...

Ele pausou, deixando a frase perdida no ar. Arqueei as sobrancelhas, curiosa, e então cruzei os braços, recuperando o mau-humor.

- Quem é você de verdade? - insisti.

Seu semblante tristonho desapareceu, substituído por seriedade.

- Se insiste tanto... - afastou-se um pouco, para me olhar nos olhos - Meu nome de verdade é Alejandro Daniel Reyes. Não sou italiano, nem tenho 21 anos. Na verdade, tenho um pouco mais: 23 anos.

Ouvi sua verdadeira identidade de maneira atenta, engolindo em seco no final. Havia uma sensação estranha sobre meu peito, como se uma bigorna estivesse ali.

Escondendo todas as emoções, dei um sorriso amargo, falando de maneira sarcástica:

- Claro. Te conheço muito bem. - virei a cara, apertando os olhos - Se quer saber, também não tenho a idade que disse: fiz 18 anos recentemente.

Silêncio pesado.

- O que vão fazer comigo? - perguntei, afinal.

Alejandro Daniel (senti uma pontada ao imaginá-lo com esse nome) demorou a responder. Apenas quando comecei a bater os pés no chão, fingindo impaciência, foi que abriu a boca para falar:

- Você será incluída no Programa de Proteção a Testemunha. Ficará aqui para nos ajudar com o que sabe. - quase ri, tão ácida foi a sensação - assim, nós poderemos resgatar todas as vítimas da Sociedade.

Olhei em seus olhos, buscando por sinceridade. A imagem de Alessa, Rubi ou Meena sendo libertas, invadiu minha mente.

- Jura que vão ajudar todos eles? - perguntei, hesitante.

Ele assentiu com afinco.

- Juro.

☆☆☆☆

☆Por: Ônix (um mês depois da rodada de vendas)☆

Dor. Uma dor insuportável e constante, que me era aplicada quase todos os dias. Eu não fazia ideia do motivo de me castigarem com tanta frequência, apenas sabia que, com poucos bambolottos ou bambolas por ali, a "atenção" da Sociedade triplicava sobre suas vítimas. Virei-me no colchão com dificuldade, sem conseguir pegar no sono.

Meus braços estavam cheios de hematomas, que sumiriam em breve graças à ação do remédio. Porém, a memória de que haviam estado ali perduraria por muito mais do que algumas horas.

Imaginei que os outros dois membros restantes deviam estar sofrendo tanto quanto eu, possivelmente pelo fato de não termos sido bons o bastante para sermos comprados. Mercadoria inútil deveria ser descartada, não é?

Mas também, eu estaria destroçado de qualquer maneira, sem precisar das punições físicas. A cena de minha irmã indo embora com aquele demônio asqueroso, do medo refletido em seu rosto, me atormentava o tempo inteiro. A imagem de Alessa se afastando, com os punhos cerrados e a expressão de horror, na companhia daquele monstrengo ruivo, ainda me causava uma raiva colérica. Até mesmo o desespero contido na expressão de Meena, que fora comprada bem na minha frente, aumentava meu sofrimento.

Pensei que, assim que a Sociedade buscasse seus novos membros, eu morreria de vez. Crianças gritando de agonia, adolescentes em pânico, bambolas e bambolottos transferidos de outras sedes com expressões vazias... uma ânsia de vômito dominou-me repentinamente, fazendo-me rolar no colchão.

Não cheguei a vomitar naquele momento, mas senti minha cabeça girar. Eram tantas noites insones acumuladas, problemas na Academia, torturas da Sociedade, que sentia-me doente. Só que, mesmo diante de tudo aquilo, eu ainda tinha uma esperança. Uma esperança irritante e de cabelos vermelhos.

Desde que me dissera seu sobrenome, Thereza Mangini não saíra mais de minha cabeça. Eu começara a notá-la, percebendo sua obsessão por mim, e tramando um plano: se eu a conquistasse e fosse comprado, talvez tivesse chance de ver Alessa outra vez. Era estúpido, eu mesmo sabia, mas não conseguia deixar de ansiar o momento em que reencontraria minha musa. Até mesmo minhas pinturas na Academia (lugar no qual eu passara a ficar isolado) refletiam tal desejo, o que me causara confusão com os professores.

Respirando profunda e irregularmente, virei de barriga para cima, observando o teto. Teria de avançar mais um pouco com Thereza, e não podia parecer um zumbi ao fazer isso. Confesso que passei o resto da noite tentando dormir, sem sucesso.

Eu precisava catar todos os pedaços de sonho que conseguisse alcançar, sendo eles os mais minúsculos possíveis.

Porcelana - A Promessa Escondida (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora