Cap. 24: Pedaços Frágeis

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Nuvens de chuva sempre foram coisas que me arrepiaram. A maneira como eram sinceras, não ocultavam de ninguém seu aspecto sombrio ou o fato de estarem prestes a desabar, deixava meu sangue gelado dentro das veias. Quando desaguavam, enfim, estas nuvens ainda banhavam a terra com inspiração e vida. Secretamente, sempre desejei ser uma delas, mas nunca tive um vislumbre real do que eram. Não, até ver os olhos do artista naquele dia, logo depois de ouvir o que Thereza tinha para falar.

Assim como o tempo que se agitava do lado de fora, seus olhos marejaram, fixos em um ponto invisível.

- Isso... isso... vo-você está brincando, não é? - ele perguntou, a voz mais trêmula do que eu jamais ouvira e a coluna tão ereta que poderia se partir.

- Não, amor. Eu não brincaria com algo assim. - a ruiva continuou, franzindo as sobrancelhas - Saiba que estou aqui para o que precisar neste momento. Te liberarei do funcionário que o acompanha para lhe dar espaço, também.

Eu queria saltar da poltrona e segurar seu pescoço entre as mãos, arrancar dela todas as informações possíveis. Porém, apenas encarei Ônix, que não fazia nada além de respirar com dificuldade.

- Sem o funcionário, inclusive, você poderia me ver a hora que quisesse... com muito mais privacidade, também... - Thereza complementou, dando um sorriso alegre.

Ela estava feliz enquanto a vida da pessoa que eu amava ruía. Enquanto tudo o que ele tivera durante anos virava cinzas e lembranças. Eu tinha nojo, asco daquela garota desprezível. Queria cuspir em seu rosto e pedir que saísse de sua bolha de egoísmo.

Quando Ônix se levantou e simplesmente saiu da sala, tive que cerrar os punhos e me segurar para não seguí-lo. A ruiva apenas ficou com uma cara de descontentamento, xingando baixinho.

- Eu esperava que ele viesse buscar meu consolo. - disse, provavelmente dirigindo-se a mim.

Antes que precisasse falar alguma coisa e acabasse espancando-a ali mesmo, acabando com seu tom ciumento e prepotente, Lucca pronunciou-se:

- Ninguém procura consolo em você, Thereza. Desde quando se procura consolo em puro veneno? - não soube o que fazer na hora, assim como a garota mimada. Mas, mais tarde, meu coração agradeceu-lhe imensamente.

×××

Eu estava em meu quarto, diante do almoço que esfriava, praticamente arrancando os cabelos. Não havia encontrado a marca de Lindsey no prato, nem estava com apetite, portanto, apenas empurrei-o para o lado. O espelho da penteadeira refletia meus olhos cansados e repletos de preocupação. Já passava de meio-dia e eu sequer pudera ver o artista novamente, sabendo como ele devia estar destruído. Precisava encontrá-lo, precisava fazer alguma coisa.

Ninguém aparecera desde que a porta do quarto fora trancada. Nenhuma alma viva fazia barulho do lado de fora. Nem sequer minhas novas colegas da ala das bambolas se movimentavam dentro do quarto. Eu tinha que descobrir mais sobre elas, tentar me aproximar, mas não conseguia pensar em nada no momento. Nada, além daquele que podia estar partindo naquele segundo, desabando sobre o mundo e dizendo adeus. Eu sabia que não resistiria à perda da única coisa que me fazia bem na vida, e faria de tudo para impedí-lo de tentar se ferir. Porque o olhar que vi naquele rosto perfeito e intrincado, foi o olhar de alguém que pensa não ter mais nada a perder. Não era o tipo de olhar que alguém gostaria de ver no rosto da pessoa que ama.

Sem conseguir aguentar mais a espera angustiante por alguma coisa, qualquer coisa, resolvi agir. Eu precisava saber como ele estava, precisava vê-lo. Precisava sentir seu coração batendo, para ter a certeza de que ainda havia meios de consertar tantos pedaços quebrados. Por sorte, fazia ideia de onde ele poderia estar.

Porcelana - A Promessa Escondida (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora