Não tive muito tempo para raciocinar meus movimentos quando Ônix me puxou. Apenas segui seus passos, desastrada, parando em um dos cantos do cômodo extenso. A voz de Morgana, que surgira atrasada no jantar, se espalhava até onde estávamos. Infelizmente.
- Vamos relaxar um pouco. - o artista murmurou, segurando minha cintura e uma de minhas mãos.
Quando olhei em volta percebi que, graças a Deus, não éramos os únicos a dançar. Por estarmos distantes da aglomeração maior, parecia que éramos simples atrações da noite.
- Endoidou de vez?! - sussurrei energicamente, obrigando-me a segurá-lo também e a balançar sob o ritmo doce.
Em vez de responder, o mesmo sorriso de canto que dirigira-me mais cedo apareceu em seu rosto. Embora sua expressão tenha permanecido tranquila, no entanto, pude sentir a tensão que seu corpo adquiriu.
- Quero apenas obedecer as ordens de Thereza de um jeito vantajoso para mim. É tão errado assim querer aproveitar uns últimos instantes de paz? - a maneira como me encarava, direta e intensa, fazia-me sentir como se estivesse perdida.
Por alguns instantes, rodopiando aqui e ali, pensei. Queria dar-lhe uma resposta negativa e séria, mas esta não veio.
- Não, não é errado. - respondi, enfim, rendendo-me à emoção.
O sorriso em seu rosto adquiriu um quê amargurado.
- Estou aproveitando o que podem ser seus últimos momentos, musa. - suas falas resumiram-se a um tom baixo e rouco - Se ho sbagliato...
Não precisei de uma frase inteira em italiano para entender sua angústia, para compreender o que o estava deixando estranho: assim que assimilei, então, soquei-o de leve.
- Você não errou. Eu confio completamente em suas escolhas. - murmurei, interrompendo suas divagações.
Por mais uma vez, os anéis verdes em seus olhos reluziram, destacando o preto também presente. Tive vontade de tocar seu rosto, somente para aproximar meus dedos da luz em suas íris.
- Espero que esteja certa. - ele sussurrou, em um sopro de desabafo e alívio.
Como não podíamos fazer mais nada, somente nos encaramos e rodopiamos até o final da música.
×××
Saí do local do jantar quando a dor de cabeça iniciou. Thereza e Morgana, distraídas demais com seus convidados, somente assentiram para me liberar. Sequer observaram meu estado, o que era uma vantagem.
Com uma mão na têmpora, o mundo turvando outra vez, apertei o passo pelos corredores. O barulho de pessoas ficou cada vez mais distante, até sumir no escuro sufocante. Eu devia chegar ao meu quarto, para que as coisas corressem do jeito certo. Eu precisava estar ao alcance de Lindsey, que já devia estar a postos.
Então, de repente, uma figura surgiu das trevas, junto com um barulho leve e contínuo. Era pequena e se movimentava com pressa perto da parede, algo com um reflexo metálico em mãos.
- Hã... oi? - perguntei, assustando-a, sem parar para refletir se deveria ou não abordá-la.
Quando deu um passo para trás, o rosto sendo iluminado pelos raios de luar que atravessavam as frestas da parede, notei que sua boca estava aberta em terror. Era ninguém mais, ninguém menos, que a bambola asiática restante.
Com a mente cada vez mais distante e bagunçada, um cronômetro sobre a cabeça, olhei para o que estava fazendo. A fresta, na verdade, não era na parede. Era na janela coberta por tábuas, que tentava desesperadamente abrir com um pedaço de ferro.
- Você... quer fugir? - perguntei, por um segundo esquecendo de meus próprios planos.
Ela não respondeu, apenas apertando mais forte a ferramenta que possuía em mãos. Eu não sabia se ela entendia o que eu falava, mas pude perceber que tremia de medo e adrenalina.
Era possível que até mesmo me atacasse, caso eu realizasse algum movimento em falso.
- Calma... - murmurei, erguendo as mãos em gesto de paz. Faria mímica se preciso, para que me entendesse - Eu não vou fazer nada...
Sua boca se moveu, como se pensasse em falar alguma coisa. Em vez disso, apenas suspirou, os cabelos negros e curtos caindo sobre a testa.
Apesar de tudo o que tinha para fazer, senti-me impelida a ajudá-la. Afinal, aquela era a mesma janela que eu usara em todas as minhas fugas.
- Eu só quero ver uma coisa, ok? - prossegui, dando um pequeno passo lateral.
Trêmula, ela não me impediu, mas se afastou mais.
Observei o buraco que tentava abrir, olhando para o lado de fora. O muro, que Luigi construíra somente para me conter, se espalhava por todo o contorno daquela área do terreno. Era feito de pedras, tão escuro e sombrio quanto a própria casa. Por sorte, ainda não tinha altura o suficiente, parado na própria metade.
- Ok... - falei, me afastando e encarando-a nos olhos - tem uma saída por aqui. Pule o muro e corra pelo bosque. Há uma rua no final.
Falei tão depressa as informações que tinha em mente, que mal reparei em suas feições. Quando terminei, percebendo sua confusão, expliquei novamente e mais devagar, fazendo gestos com as mãos.
- Não contarei a ninguém... - prossegui, séria - vou te ajudar.
Estiquei as mãos pedindo pelo ferro. Nos primeiros instantes, ela recusou, agarrando-se ao mesmo.
Insisti, balançando a cabeça para convecê-la e sinalizando que o tempo estava passando. Por fim, ela me entregou o objeto desconhecido, que provavelmente tirara do próprio quarto. Não demorei em enterrá-lo nos pregos que mantinham as tábuas.
Foi questão de segundos até que a madeira estivesse inclinada o suficiente para que sua estatura pequena pudesse passar. Ela me encarou e piscou, hesitante.
- Vai. - incentivei, mandando-a passar - Hoje é a noite perfeita para você fugir. Acredite no que digo.
Ela ficou parada mais um momento, o corpo vacilando e os olhos cor carvão grudados em meu rosto.
- Esta pode ser sua única chance... - sussurrei, sentindo que poderíamos ser descobertas a qualquer instante.
Ela pareceu acordar, praticamente saltando para a janela. Não me disse seu nome ou qualquer informação do que pretendia fazer. Não demonstrou sequer medo ou aflição.
A garota apenas sorriu pequeno em minha direção.
- Obrigada. - sussurrou, com um sotaque carregado, e pulou.
Ouvi o impacto de seus pés no solo, e vi quando se mesclou à escuridão da noite. Queria ter podido observar mais, mas me pus a tapar o buraco que havíamos aberto.
Ele era uma pista grande demais para os habitantes da casa. E uma tentação grande demais para mim.
Quando a luz da lua já não podia ser vista, levantei o carpete avermelhado de um dos cantos do chão e escondi a peça de ferro ali. Depois, continuei caminhando pelo corredor, fazendo o que deveria ter feito antes.
A tontura voltou com tudo enquanto me dirigia ao meu quarto, o coração acelerado e a boca fechada pelo que havia acabado de acontecer.
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☆Se ho sbagliato... = Se eu tiver errado...
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Oi gente!!! Sim, eu estou viva, kkkk!!!
Desculpem pelos mil anos de demora, de verdade. Eu estava ocupada concluindo minhas leituras e ajeitando algumas coisas. Agora, felizmente, tenho uma boa notícia a vocês: estou de férias e adiantarei os capítulos da história!!! Ebaaa!!! Kkkk.
Espero, de coração, que estejam gostando e se sentindo cada vez mais intrigados com o que está prestes a acontecer. Ainda há bastante emoção antes do fim de Porcelana 2. ;)
Bjsss, amo vocês!!!
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Porcelana - A Promessa Escondida (Completo)
Fantasy☆Sociedade Porcelana - Livro 2☆ "Seus sorrisos eram cínicos e debochados. Seus atos bondosos, uma mentira. Suas palavras generosas, um enfeite. Encará-los nos olhos era pavoroso, pois, a única coisa que demonstravam, eram uma maldade e um vazio tão...