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Corremos o mais rápido possível. Meu pulmão parece querer se desintegrar pela falta de oxigênio, mas sei que não posso parar.

Roman corre apenas alguns passos à minha frente. Sei que seu estado é ainda mais debilitado que o meu e gostaria de poder ajudá-lo de alguma forma, tudo isso está acontecendo por minha causa.

De repente uma mão agarra meu cabelo e me faz parar de forma brusca. Assim que percebe minha ausência, Roman para de correr e retorna para me salvar, apesar de eu implorar para que ele salve a si mesmo.

Roman se joga sobre o meu captor e tenta acertá-lo de todas as formas possíveis. Entre gritos e gemidos de dor, ouço a voz cheia de dor do meu irmão. Ele me pede para correr e não olhar para trás sob qualquer circunstância.

Determinada ando a passos largos para tentar ajudá-lo, mas ele me olha furioso e sei que se eu não fizer o que Roman diz ele jamais me perdoará.

Ainda com certa relutância me ponho a correr novamente, mas dessa vez com passos mais lentos, esperando que a qualquer momento Roman me alcance sinalizando que o perigo finalmente acabou.

Ouço mais gritos do que deveria e meus pés começam a diminuir a velocidade até pararem completamente, demoro algum tempo para reunir a coragem necessária e olhar para trás.

Com um aperto no coração percebo que não consigo mais ouvir a voz de Roman, nem algo remotamente parecido.

Lentamente me volto para trás. Agora, ao invés de apenas um homem, mais três cercaram meu irmão.

Um grito terrível de pavor saí da minha boca.

Roman está caído no chão, desacordado, enquanto é devorado pelos canibais que nos perseguiam.

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- Roby, acalme-se. Foi apenas um pesadelo.

Seguro Roman com força, em algum lugar distante da minha mente sei que estou machucando ele, no entanto tenho a sensação de que se eu solta-lo ele irá sumir e jamais o encontrarei de novo.

Meu coração está acelerado, fazendo meu peito doer e minha mente acreditar que aqui é o sonho e lá a realidade.

Meu irmão me afasta dele e me olha de forma carinhosa e reconfortante.

- Isso nunca vai acontecer, entendeu? - Permaneço calada e ele me sacode de leve. - Entendeu?

Eu sei que ele é capaz de se proteger em muitas situações, porém acima de tudo, sei que se ele tiver de escolher entre a própria vida e a minha, Roman não hesitará em se sacrificar. Entre nós dois, diferente do que nossos pais acreditam, Roman acha que eu tenho mais chances de fazer algo produtivo no futuro do que ele.

Ele me sacode uma última vez e eu concordo levemente com a cabeça.

- Sim, eu entendi.

Roman sorri de forma terna e volto a me agarrar a ele.

- Fique calma. Eu estou aqui e sempre vou estar.

Fecho os olhos e sinto seu queixo repousando sobre minha cabeça.

- E não esqueça que eu sou a pessoa mais esperta que você conhece.

Sorrio diante de sua falsa pretensão e logo o pesadelo começa a se dissipar dos meus pensamentos.

- Você deveria ficar e se casar, Roman. Sei que é isso o que você quer - digo depois de algum tempo.

- Já tivemos essa conversa.

- Mas agora é diferente, temos uma boa quantia de suprimentos e isso pode comprar uma boa noiva para você.

- Eu sei que você sabe que é isso o que eu quero, mas acima de tudo não quero alguém ao meu lado que seja infeliz pelo resto da vida. - Ele suspira pesaroso. - Se for para eu me casar com alguém, espero que essa pessoa queira estar ao meu lado de verdade. Quero que ela me ame, mas sei que no mundo de hoje isso é pedir demais.

Olho para ele e instantaneamente seu desejo inocente se transfere para meu coração. Volto para seus braços, fecho com força meus olhos e com igual força, desejo que Roman encontre o que busca.

Se há uma pessoa no mundo que mereça ser feliz verdadeiramente, essa pessoa é Roman.

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O espelho à minha frente reflete a mim mesma de uma forma que eu nunca me vi antes. Eu estou bonita.

Estou usando o único vestido que possuo, ele é azul claro e chega até os meus joelhos, era para ser mais comprido, mas meu corpo já é um tanto grande para ele. Há um laço preso ao meu vestido e minha mãe o apertou ao máximo para modelar minha cintura, quase não consigo respirar direito.

Meus cabelos castanhos possuem algumas mechas mais avermelhadas pelo sol e estão presos em uma longa trança firme que chega até o meu quadril, já fazem alguns anos que não o corto e temo que ele venha a ser um empecilho em minha fuga como no sonho que tive.

Uso um sapato simples, um que eu imagino já ter sido muito famoso e consumido em alguma época. É um All Star num tom de rosa claro que há muito tempo já foi vermelho, com um cano um pouco mais alto que meus tornozelos. É o único sapato aceitável que eu tenho para a ocasião.

Olho-me um pouco mais no espelho e quando me viro para ir esperar Alden na varanda minha mãe surge com um colar em mãos e o oferece a mim.

- Alden o trouxe ontem e pediu para que você usasse hoje - minha mãe responde minha pergunta silenciosa.

Pego o colar e o observo. É muito antigo, mas continua sendo belo. O colar é de ouro, ou um material muito semelhante e preso a ele há um pequeno pingente de uma pedra acinzentada na forma de uma gota.

O colar é da mesma cor que os olhos de Alden. Um cinza tespestuoso, me lembra um vulcão prestes a acordar.

Roman surge na porta do quarto e me observa através do espelho enquanto minha mãe coloca o colar em mim.

- Vou ver que horas são - ela diz e se retira em seguida, dando uma chance de Roman aceitar meu futuro, coisa que ele jamais fará.

Meu irmão entra no quarto e se prostra atrás de mim. Nos fitamos pelo espelho.

- Pôr-do-sol. Poço. Norte.

Assinto com a cabeça quase imperceptível em concordância. Agora é arriscado falarmos abertamente, mas essas poucas palavras bastam para que eu o compreenda.

Nos encontraremos no pôr-do-sol, no poço abandonado e seguiremos para o norte.

- Você está linda, Roby.

- Obrigada - murmuro um tanto constrangida.

Roman olha para o laço do vestido e franze o cenho, em seguida desfaz o laço e volta a fazê-lo, mas dessa vez mais frouxo e me sinto ligeiramente mais confortável.

Assim que ele termina me volto para ele e o abraço de surpresa.

- Obrigada - digo novamente, porém dessa vez não me refiro ao elogio e tão pouco ao laço menos apertado. - Obrigada.

- Shh - Roman sussurra, tocando minha testa com a sua. - Não estou fazendo nada que um bom irmão não faria.

O som de uma moto soa ao longe e abraço Roman ainda mais apertado, ele retribui enquanto ouvimos a moto se aproximar ainda mais.

A voz do nosso pai grita da cozinha:

- Apresse-se, Robyn!

Com certa relutância me afasto do meu irmão e andamos de mãos dadas até a varanda, quando por fim nos separamos.

Alden nem se dá ao trabalho de descer da moto, apenas cumprimenta meus pais à distância com um aceno de cabeça e espera que eu me junte à ele.

Ando até ele e as palavras de Roman reverberam em minha mente como um mantra.

Pôr-do-sol. Poço. Norte.

Estou há apenas algumas horas da tão esperada liberdade e nada nem ninguém vai conseguir me fazer mudar de ideia.

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ImperfeitosOnde histórias criam vida. Descubra agora