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O ferimento de Axel não é tão profundo quanto eu imaginei, mas também não é superficial o suficiente para não precisar de pontos, e como eu nunca antes fiz pontos na minha vida, provavelmente estou mais atrapalhando do que ajudando, além disso, todo o sangue começa a tornar a agulha demasiada deslizante em meus dedos.

Começo a achar incrível minha capacidade de reparar em coisas tolas e inúteis, como a sensação de pele dele sob minhas mãos.

– Falta muito? – Axel pergunta e tenho certeza que apesar de não demonstrar, está doendo muito, principalmente com meus pontos ridículos.

– Estou quase terminando.

Ele mexe um pouco as costas e seguro seu ombro para mantê-lo quieto.

– O que você pretende com tudo isso?

– Como? – ele questiona enquanto fica completamente imóvel.

– Você veio atrás de nós por algum motivo, e deixou claro que não é pela Eve, então, por quê?

Paro de costurar quando Axel se curva um pouco para a frente e apoia os cotovelos sobre as pernas.

– Acredita realmente que eu vou lhe contar? – Sua voz é calma e cheia de curiosidade sincera.

– Você costuma me contar coisas que me deixam com medo, raiva e surpresa; seus motivos para estar aqui não devem ultrapassar tudo isso.

– Vamos fazer um pequeno acordo – propõe e se volta para mim. – Termine de costurar o ferimento da melhor forma possível, de preferência sem me causar mais dor e depois eu respondo qualquer pergunta que você me fizer.

Penso um pouco, pelo menos não tenho nada a perder.

– Tudo bem – digo e ele volta a posição anterior.

Tento ser cuidadosa, mas minhas mãos simplesmente não entendem o recado, quando enfim termino, sei muito bem que não fiz um bom trabalho.

– Terminei – anuncio.

Corto a linha com os dentes e sem querer roço a boca em suas costas. Ambos ficamos imóveis e me afasto assim que a vergonha já não me assombra tanto. Lavo a agulha, enquanto Axel se põe em pé e respira aliviado tentando ser discreto. Me aproximo dele e paro na sua frente.

– A curiosidade matou o gato – ele comenta me observando com os olhos levemente franzidos.

– Em um mundo como esse, acho que na verdade foi a radioatividade que matou o gato.

Ele ri.

– Então, quais são suas perguntas, Robyn?

– Para começar, o que você e o Roman estavam conversando ontem?

– Você é tão previsível. Vou responder qualquer pergunta sua relacionada somente à mim.

– Esse não era o trato.

– É pegar ou largar – informa cruzando o braços sobre o peito ainda descoberto.

Suspiro rendida. Eu sabia que ele ia trapacear, deve estar no próprio sangue passar os outros para trás.

– O que está fazendo aqui?

– Apenas tirando férias da minha família. – Ele diz família como se a palavra tivesse um gosto extremamente desagradável.

– Eu quero uma resposta concreta.

– Não há resposta mais concreta do que a que eu te dei.

– Você é um mentiroso.

Digo e estendo a agulha de volta para Axel, pronta para ir embora, isso foi uma perda de tempo. Quando ele estende a mão para pegá-la, segura meu pulso ao invés e me puxa para si até que tenha todo meu corpo pressionado contra o seu.

Tento me afastar. Toda essa proximidade não pode ser boa.

Seu outro braço envolve minha cintura e me mantém presa à ele com firmeza. Com a mão livre tento empurrá-lo espalmando minha mão sobre seu peito, mas não adianta muito.  Seu corpo está mais quente do que eu julgava ser possível para um ser humano.

Axel aproxima o rosto do meu e diz em voz baixa:

– Você é tão patética.

Paro de me debater e o encaro, confusa e ofendida.

– Fica o tempo todo implorando pela atenção do seu irmão quando toda a atenção dele pertence à Eve. Aposto que você costumava ser o centro do mundo dele e ele o centro do seu, mas agora foi deixada de lado e se sente sozinha. Sabe o que você me lembra? Uma menininha assustada. Uma criança que perdeu seu brinquedo preferido para outra e só agora percebe o quão importante ele era. Patética.

Fico confusa com a repentina mudança de assunto e por mais que eu jamais vá admitir isso para ele é exatamente assim que eu me sinto na maior parte do tempo.

– Me solte – digo afastando minha cabeça para observá-lo.

Axel sorri de lado e quero socá-lo no rosto até seu sorriso desaparecer.

– Não fique brava só porque eu estou certo. Não tenho culpa se você é carente mesmo tentando não demonstrar.

– Você não sabe o que está dizendo. Eu não sou assim.

– Ah, não é?

– Não. Eu não me importo que Roman esteja apaixonado e pensando em Eve o tempo todo. Só quero que ele seja feliz enquanto puder.

Ele afrouxa o braço em minha cintura, mas não o suficiente para que eu consiga escapar.

– Roman está apaixonado por Eve e ela por ele e enquanto eles ficarem juntos você ficará sozinha, mas não se preocupe, eu cuido de você, e saiba que toda a minha atenção é sua.

Suas palavras fazem algo dentro de mim se alterar. Uma pequena parte de mim que sempre oscila entre a loucura e a sanidade parece ter ouvido com atenção as palavras de Axel e se regozija em segredo.

– Só está dizendo isso porque perdeu Eve.

Ele nega com veemência.

– Não me importo com Eve. Nunca me importei, poderia ter aceito a paixão que ela sentia por mim, ter beijado ela. – Nesse momento, por um breve instante, seu olhar paira sobre minha boca. – Poderia ter tido um filho com ela e formado uma linda família feliz, mas nunca teríamos dado certo de verdade, porque eu sou louco enquanto o resto do mundo tenta não ser. Mas você, Robyn... Você, como eu, aceitou sua loucura.

– Eu não sou louca.

Axel volta a me apertar, solta meu pulso e leva a mão até meu rosto. Passa o polegar sobre minha bochecha e desce até o canto da minha boca.

– Sim, você é. E você sabe e tenta se importar porque é isso que todo o resto faz, mas no fundo você não liga. Você só quer ter alguém como você. Deixe-me lhe contar um segredo: – Axel trás minha cabeça para perto da sua e sussurra em meu ouvido. – Eu sou exatamente como você. Somos só nós dois no mundo. Aceitamos nossa insanidade. Eu sou seu, se me quiser, e continuarei sendo, mesmo que você não queira.

Ele cola os lábios na minha bochecha e os desliza gentilmente para a direção da minha boca, quando um pigarro atrás de nós me faz saltar para longe dele e só então percebo que ele não estava mais me prendendo.

Olho uma última vez para Axel, que sorri vitorioso, e atordoada me volto para Roman com um olhar nada agradável no rosto.

– O que está acontecendo aqui? – Roman pergunta alternando os olhos entre mim e Axel.

– Nada – respondo rápido demais e com horror constato que estou um tanto ofegante.

Meu irmão olha para a camisa de Axel, abandonada em uma das pedras e seu olhar se torna feroz e com uma pitada de descrença.

– Volte para o acampamento, Robyn.

Olho para Axel e fico tentada à desafiá-lo, mas a vontade de sumir é mais forte.

Deixo a agulha perto da sua camisa e saio do rio. Calço meus sapatos e saio andando rápido, sem olhar para trás.

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ImperfeitosOnde histórias criam vida. Descubra agora