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Ao fim de tarde um fina garoa começa a cair. É libertador, porém torna as coisas mais difíceis para mim. Não consigo mais me guiar através do sol e ainda não avistei nada nem remotamente parecido com uma ruína.

Afinal, onde eles estão?

Paro de caminhar e tomo o último gole de água. Não é o bastante para matar minha sede, nunca é.

Tento encontrar um abrigo para esperar a garoa passar, percebo que aos poucos ela começou e engrossar e a temperatura baixa depressa.

Não encontro sequer uma árvore para me proteger da chuva, então me obrigo a caminhar novamente, ainda tenho um dia para alcançar Roman e Eve, mas esse clima me deixa muito desconcertada e sem esperanças.

Caminho com a cabeça voltada para cima e a boca aberta tentando matar minha sede com a água da chuva. Pouco tempo depois desisto e abraço à mim mesma em busca de um pouco de calor ou conforto.

Talvez Roman tenha um pouco de razão, talvez eu seja boa, pelo menos um pouco, pois enquanto vago por essa planície deserta, encharcada até os ossos, tudo o que quero é que ele e Eve tenham abrigo e estejam aquecidos.

Em meio ao meu desespero, imagino o que teria ocorrido se eu dissesse sim para a proposta do Axel. Eu não menti quando disse que era tentadora, nesse mundo é muito fácil desejar a morte, e me conheço bem o suficiente para saber que em meu egoísmo eu poderia realmente ter deixado Axel perfurar meu pescoço, só não sei se eu faria o mesmo por ele. A morte é um privilégio para poucos.

Minha visão fica embaçada e a cada segundo meu estômago ronca mais alto. Tento ao máximo não tropeçar, sei que se eu cair não me levantarei mais.

Piso sobre um pequeno amontoado de terra e meu pé desliza para a frente levando todo o meu corpo ao chão. Fecho os meus olhos para protegê-los da chuva. Um tempo depois, quando tento me levantar, percebo que não consigo curvar a região da barriga e uma dor aguda no meu lado esquerdo indica que quase quebrei uma costela.

Quando escapei dos canibais não tive tempo para analisar como meu corpo está. Sinceramente me sinto completamente destroçada, por dentro e por fora.

Faço uma força sobre-humana para me levantar. Ignorando as dores pelo meu corpo, sigo em frente.

De repente, como se surgindo do nada, um coelho me observa à poucos metros de mim. Ele não parece assustado e nem se importa com a chuva. Ele está magro e com partes do corpo sem pelo algum, além disso tem apenas um olho.

Sem pensar duas vezes me lanço sobre o coelho e o pego pela pata traseira. Antes de pensar em qualquer coisa e me dar tempo para me sentir mal por isso, quebro o pescoço do pobre animal e com as unhas rasgo sua barriga para retirar as entranhas. Retiro os maiores pedaços de carne que encontro e os como ainda cru. Sinto o sangue do animal escorrendo pelo meu queixo e tento ignorar o cheiro e o gosto ruim que ele tem.

Meu corpo se contrai quando engulo os primeiros pedaços da carne do coelho, porém me mantenho mastigando e engolindo mecanicamente, meu corpo precisa disso, mesmo que nesse momento eu queira vomitar.

Esse é, sem dúvida alguma, o pior dia da minha vida.

Assim que meu corpo parece recuperar alguma força, pego o que sobrou do coelho e continuo caminhando. Sempre em frente.

Então me pergunto se não sou tão diferente dos canibais que me capturaram. Sem nem hesitar matei um animal indefeso e me alimentei dele um segundo depois. Sinto como se eu tivesse acabado de comer um ser humano, e se eu não tenho direito de tirar a vida desse pequeno ser, por que os canibais teriam o direito de tirar a minha?

Sacudo a cabeça e afasto os pensamentos de culpa sem muito esforço. Não há mais regras nesse mundo.

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O sol se põe e caminho por mais algum tempo. Como o céu está nublado logo percebo não ser uma boa ideia, não consigo mais me orientar, mal saberia distinguir o norte do sul, quanto mais a direção em que Roman e Eve seguiram.

Paro próxima à um carvalho e me abrigo embaixo dele. A chuva diminuiu ao poucos, mas a temperatura continua baixando e não tenho com o que me aquecer.

Algum tempo depois me encontro falando sozinha. Nunca havia feito isso e mesmo sendo o primeiro passo em direção à loucura, percebo ser um pouco calmamente e continuo.

Logo meu corpo se rende e me acomodo da melhor forma possível. Estou pronta para encerrar esse péssimo dia.

Tudo em mim começa a se desligar e percebo que não estou prestes a dormir. Na verdade, estou perdendo a consciência.

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– Roby?

– Está tudo bem, Roman.

– Não, não está! Por que ela não acorda?

– Deve estar muito cansada. Não se preocupe. Tenho certeza que ela está bem.

– Não, Eve. – Um suspiro cansado. – Tenho certeza que ela não está bem. Você ouviu o que eles disseram. Ela está muito machucada. Eu quero fazer alguma coisa, mas simplesmente não sei o quê.

– Logo ela vai se recuperar. Ela é forte. Você sabe disso.

– Sim, mas... Eu só... Quero ajudá-la.

– Se você continuar nervoso não conseguirá ajudá-la em nada.

– O que você acha que aconteceu com ela?

– Não sei... Mas espero que não tenha sido tão ruim quanto parece.

– Se foi, eu vou atrás de quem fez isso.

– Não, você não vai. Para começar, ela não deixaria e eu também não. Além disso, se ela está nesse estado, eu não quero nem imaginar o que ela fez com a outra pessoa.

– Eve, você não a conhece. Ela não é tão forte quanto demonstra.

– Ela é sim. Ela é a pessoa mais forte que eu já conheci, e eu sei que no fundo você sabe que ela não precisa que você lute por ela.

– Ela é minha irmãzinha. Para mim ela sempre vai ser frágil e precisar de mim.

– Eu também preciso de você. Preciso que mantenha a esperança e que não enlouqueça. Logo ela vai acordar e eu não duvido que vá ficar brava com você por ter ficado tão preocupado.

– Eu sei. Ela é exatamente assim.

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ImperfeitosOnde histórias criam vida. Descubra agora