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Um dia depois de resgatarmos o Axel, uma curta cerimônia é feita em homenagem à Louise, uma vez que não há um corpo para sepultar. Dessa forma, nos despedimos dela e abandonamos seus pertences.

Vagamos por mais dois dias em direção ao norte, por fim, saímos do território dos canibais e sentimos um alívio mínimo.

Axel continua desacordado, mesmo depois de ter seu ferimento tratado da melhor forma que conseguimos. Ele está respirando e seu coração, embora fraco, ainda está batendo. Ele não se move, mas Brakko garante que ele pode nos ouvir.

Fiquei próxima à ele desde que preparamos um novo acampamento, longe o bastante dos canibais. Não estamos em completa segurança, mas precisamos nos estabilizar até que Axel melhore ou até que ele decida nos deixar.

Os Rhewn ainda estão passando pela fase do luto, enquanto isso, Eve e eu cuidamos de tudo o que é necessário. Preparamos as refeições e nos encarregamos de buscar a água necessária para todos. Há um pequeno córrego por perto, por isso não é preciso andar tanto para conseguir água.

Na manhã do quarto dia, quando me levanto, após mais uma noite mal dormida, encontro Georgia na mesma posição em que esteve durante todos esses dias. Ela não fala, se move pouco ou quase nada e come o suficiente para sobreviver, na maior parte do tempo é como se ela já não existisse. Keun disse que ela está traumatizada e que isso vai passar em algum momento, mas isso pode demorar.

Passo pela barraca do Axel no caminho até o córrego. Ele continua como em todos os dias anteriores. Imóvel e silencioso. Como se estivesse morto mesmo com seu coração vivo.

Não gosto de vê-lo assim.

Me aproximo dele e sento-me ao seu lado. Eu espero que ele sinta que não está sozinho.

– Oi, Axel. – Me sinto uma idiota toda vez que falo com ele, mesmo assim não consigo evitar. – Hoje é um bom dia para acordar e continuar a viver.

Eu sempre espero que ele acorde milagrosamente e me responda, me contrarie ou até mesmo, me engane, como sempre.

– As coisas são diferentes sem você. Eu não consigo dormir. Acho que é porque, mesmo não aceitando, você me transmitia segurança. Eu lutei tanto para que você não me tocasse em um nível emocional alto demais e só agora eu me dei conta de que foi em vão. Você adora me contrariar, não é mesmo?

Retiro as gazes do ferimento na barriga de Axel e vejo que não há melhora aparente. Ele levou uma facada do lado direito, perto das costelas. Não atingiu nenhum órgão importante, mas ele perdeu uma quantia considerável de sangue, Mariz disse que é por causa disso que ele ainda não acordou.

Termino de trocar as gazes do seu ferimento e seguro sua mão, tentando aquecer seus dedos gelados.

– Você estava certo quando disse que eu tenho sentimentos por você. Naquele dia eu não achei que fosse importante te dizer, mas estou começando a questionar isso agora. – Tomo a decisão antes mesmo de me perguntar se é certo ou não, porém é a verdade, então não pode ser errado. – A verdade é que eu gosto de você. Gosto de uma maneira que nunca desejei gostar, de uma maneira que eu não achei ser possível, não para mim. Quando acordar, não me peça para dizer isso, porque eu me conheço bem o suficiente para saber que não terei coragem.

Me levanto e saio antes que eu acabe falando ainda mais.

No momento em que estou do lado de fora da barraca, percebo o erro que cometi e espero que Brakko esteja errado e que Axel não tenha me ouvido.

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Terminamos de jantar e logo Brakko e Mariz se recolhem, eles têm feito isso desde a morte de Louise. Não conversei com eles ainda, não lhes disse que sinto muito porque, como Axel me disse uma vez, isso não trará Louise de volta.

Keun e Chelsea se mantém sozinhos na maior parte do tempo, e quando alguém se aproxima, eles fazem questão de se afastar em algum momento. Mesmo assim, não resisto ao impulso de me aproximar de Keun.

Ele permanece em silêncio, como sempre.

– Como você está, Keun?

Keun não me olha quando responde:

– Sinceramente, vazio. – Ele se volta para mim e percebo que seu olhar confirma suas palavras. – Acho que eu já esperava por uma tragédia desse tamanho, só foi muito mais forte do que eu imaginava.

– Eu sinto muito, Keun, e eu sinto ainda mais por não ter feito algo à respeito enquanto vocês estavam presos.

Ele sacode a cabeça levemente.

– Você fez o que estava ao seu alcance, assim como o Axel. Ele fez o que fez porque queria te manter protegida.

É minha vez de negar as palavras de Keun.

– Axel não me deixou ir junto porque eu não seria útil. Ele sabia que eu poderia atrapalhar tudo. E ele estava certo.

– Talvez sim, talvez não. Isso nós nunca saberemos. O que sabemos é que ele sempre te subestimou.

Isso é um fato, e eu nunca entendi o porquê.

– Você acha que ele vai acordar? – pergunto e minha voz sai insegura.

– Eu espero que sim, mas... não sei. Ele está desacordado há quatro dias, sem poder se alimentar ou se hidratar. Isso não é bom.

– Em quanto tempo você desistiria dele?

Keun suspira alto. Sei que é uma pergunta difícil, Axel não estaria nesse estado se não tivesse ido atrás dos Rhewn sozinho.

– Não sei se posso responder essa pergunta, Robyn.

– Tudo bem.

– Mas se quer a minha sincera opinião, você deveria se preparar. Dizer o que tem para dizer. Fazer o que tem para fazer.

Olho envergonhada para minhas mãos em meu colo.

– Eu...

– Já disse para o Axel que está apaixonada por ele?

Meu rosto aumenta de temperatura em uma velocidade que eu não julguei ser possível, e Keun já não precisa de uma resposta minha.

Ele sorri.

– Bem, eu espero que ele sobreviva para ouvir isso novamente.

– Foi um sacrifício dizer isso sem ele estar consciente, imagine só se ele estivesse. Eu simplesmente não conseguiria.

– Pelo menos você sabe sobre os sentimentos dele.

– Embora eu o tenha desprezado, quando ele me revelou isso – digo, me recordando da caverna em que estivemos. – Eu nunca imaginei que algo assim fosse acontecer.

Keun olha contemplativo para as estrelas cintilantes do céu.

– Axel lutou muito para chegar até aqui. Mesmo conhecendo-o pouco, não acho que ele vá desistir agora. Vá lhe desejar boa noite, Robyn.

Concordo com um aceno e espero Keun ir em direção à caminhonete, onde os irmãos Rhewn têm dormido desde que cederam sua barraca para o Axel.

Assim que chego na barraca, troco novamente as bandagens e gazes em seu ferimento e me deito ao seu lado. Não posso e não quero deixá-lo sozinho.

– Eu conversei com o Keun hoje e cheguei a conclusão de que não quero retirar o que eu disse mais cedo, também não quero que você esqueça. E espero que você acorde e que seus sentimentos por mim não tenham mudado.

Me aproximo mais do seu corpo e puxo o cobertor sobre nós. Coloco a mão sobre seu peito para sentir que seu coração ainda está batendo e me sentir ao menos um pouco segura.

– Boa noite, Axel. Sonhe comigo.

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ImperfeitosOnde histórias criam vida. Descubra agora