Mariz têm o estranho hábito de fazer com que Keun se aproxime de mim mais vezes do que o necessário. Estou ficando preocupado com a sanidade dela, será que ela não percebe o quanto acho extremamente desnecessário uma união entre duas pessoas apenas para procriar?Extremamente desnecessário, é sem dúvida um eufemismo dos mais polares. Simplesmente prefiro não pensar em tudo o que me desagrada, incluindo pessoas.
Roman me tirou da barraca pela manhã para nossa refeição matinal. Depois disso ele e Eve sumiram e prefiro pensar que eles estão apenas conversando em algum lugar mais reservado, mas conhecendo os sentimentos que meu irmão têm por Eve, duvido que seja apenas isso.
Ainda estou sentada sob a sombra da carcaça de uma árvore quando, pela primeira vez, Keun se aproxima de mim sem que sua mãe o pressione.
Ele se senta ao meu lado, no entanto permanece calado.
Pergunto à contragosto:
– Está tudo bem?
Keun suspira, me olha rapidamente e então desvia o olhar para as próprias mãos.
– Quer realmente saber ou está apenas tentando ser educada?
– Estou tentando ser educada.
Ele ri, embora saiba que eu não fiz uma piada
– Pelo menos você foi sincera...
Concordo com a cabeça.
– Sempre faço o possível para ser sincera.
– Mas nem sempre é.
Olho para ele, surpresa. Não gosto de ser tão transparente em minhas atitudes.
– Por que está aqui? – pergunto, e dessa vez quero saber realmente.
Keun dá de ombros e pega um graveto perto de sua perna e começa a desenhar no chão poeirento.
– Minha mãe quer que eu esteja aqui e não gosto de contrária-la, mas não significa que eu faço tudo o que ela pede.
– Ela te pediu algo recentemente?
Ele solta o graveto e me olha parecendo nervoso, tenta falar duas vezes e falha, por fim, quase num sussurro, arrisca:
– Você não quer casar comigo, não é?
Primeiro tenho vontade de rir, mas me contenho, então franzo o cenho e digo:
– Achei que isso fosse um tanto quanto óbvio.
Keun respira aliviado e quando percebe que eu o observo tenta esconder seu alívio.
– Ahn, essa é minha deixa para ir embora.
Antes que ele se levante, eu seguro seu braço para impedi-lo, logo me afasto.
– Está tudo bem? – pergunto pela segunda vez e tento soar sincera.
– Não quero me casar – confessa, inquieto. – Também não quero ter filhos ou qualquer outra coisa que me lembre uma família.
Fico completamente surpresa com sua revelação. Essa é a primeira vez que encontro alguém com um pensamento semelhante ao meu, mas que parece atormentado com isso.
– E isso te perturba?
– Há coisas mais grandiosos a se fazer no mundo do que ter filhos.
Então, antes que eu possa me aprofundar no assunto, Keun se levanta e caminha para longe como se tivesse falado de mais.
Observo ele de longe. Quando o vi pela primeira vez não achei que ele fosse tão complexo como se mostrou a pouco, agora as coisas se mostraram muito mais interessantes.
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Estamos todos almoçando, exceto Roman e Eve, que continuam desaparecidos. Em um breve momento egoísta, desejo que um animal selvagem apareça e devore Eve, o pensamento me faz rir em silêncio, logo tento me repreender, se Roman está feliz, eu também deveria estar.
Mas por mais que eu me esforce, não consigo gostar de Eve. Roman é a única coisa sólida na minha vida, e sinto que o estou perdendo e que não posso fazer nada.
Percebo a tagarela Louise se aproximando após terminar sua refeição.
– Olá, Robyn – me cumprimenta para então sentar-se ao meu lado sem permissão.
– Como vai, Louise?
Ela sorri, contente, pois pela primeira vez quero apenas ouvi-la falar sem parar. Estou cansada de ouvir meus pensamentos cruéis e egoístas.
– Muito bem! Papai disse que partiremos depois de amanhã.
– Que bom – digo sem demonstrar o ânimo que Louise espera.
– Sabe para onde estamos indo?
Penso um pouco, não sabia que havia um destino certo nos planos dos Rhewn, aparentemente estava enganada.
– Não sabia que estamos indo de fato para algum lugar.
Louise fica incrédula com minha falta de informação, mas logo se prontifica a me contar tudo o que sabe sobre essa jornada.
– Morávamos em uma área repleta de canibais, então resolvemos procurar um lugar mais tranquilo e seguro para viver. No caminho soubemos de um lugar no Norte, com grandes muros, comida farta e animais que não foram afetados pela radioatividade. Aparentemente eles querem fazer uma colônia para proteger aqueles que precisam.
Fico boquiaberta com toda essa informação, embora tudo tenha sido dito por uma menina de apenas 10 anos que gosta absurdamente de conversar.
Um sentimento novo e completamente estranho surge em meu peito, algo como esperança, uma pequena chama que eu não quero alimentar para depois ter de apagá-la caso tudo seja mentira.
– Como ficaram sabendo dessa colônia? – indago ainda com meus pensamentos confusos devido a surpresa sobre tudo o que Louise disse.
– Encontramos um homem no primeiro mês de viajem, ele nos contou sobre o lugar, disse que estava indo para lá e disse também que não teria nada a perder mesmo que essa colônia não exista. Meu pai pensa como ele, também não temos nada a perder.
– E onde exatamente fica esse lugar?
Louise se cala e parece envergonhada pela primeira vez.
– Vocês não sabem? – pergunto e deixo que Louise perceba o quão cética começo a ficar em relação à esse lugar.
– Ainda não.
Eu sorrio porque sei que lamentar não tornará nada mais fácil.
Então tomo uma decisão simples, mas que já rodeava meus pensamentos há algum tempo.
Me levanto e Louise me observa, curiosa.
Ando até Brakko e Mariz no exato momento em que Roman e Eve aparecem no acampamento. Nesse momento todos os olhares se voltam para mim e tenho a ligeira impressão de que eles sabem minhas intenções.
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Imperfeitos
Science FictionEm um futuro pós-apocalíptico, onde as jovens são forçadas a se casar e a terem inúmeros filhos com o intuito de "salvar o mundo", Robyn Leatherwood de 17 anos não aceita seu destino e quando fica noiva de Alden, decide que é hora de mudar seu futur...