Imperfeitos

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Há alguns dias, tudo o que tenho feito é me dedicar às minhas tarefas diárias. Até tentei conversar com Axel nos primeiros dias, depois que recusei seu pedido de casamento, mas ele sempre arrumava uma forma de se esquivar, e se fosse necessário ele deixar de ir à certos lugares para não cruzar comigo, ele simplesmente o fazia.

Embora ele esteja magoado – e com razão – comigo, percebi uma mudança na relação dele e de Eve. Às vezes ela é mais gentil com Axel, e quando se refere à ele, não há mais hostilidade ou desprezo em sua voz. Fico feliz que ele tenha feito o que eu pedi, mesmo sentindo-se ferido por mim.

Estou novamente no setor de medicina, dessa vez como assistente de Eve. Ela é gentil e atenciosa com todos os pacientes e tenho certeza que será tanto uma boa mãe quanto uma boa médica.

Vez ou outra, Howard aparece para supervisionar seu progresso e lhe oferecer um pouco mais de sua sabedoria.

É incrível como em tão pouco tempo os dois se encontraram e agora parece que sempre estiveram juntos. Tem uma liberdade para brincadeiras entre si, que às vezes fico com inveja. É um pouco parecido com o que eu tinha com Roman.

Quando Howard aparece pela terceira vez no mesmo dia, Eve está ocupada atendendo uma mulher grávida. Howard se limita a observá-la através de uma parede de vidro e como não tenho nada para fazer no momento, me junto à ele.

– É incrível, não? – ele diz de repente, mas não o compreendo. – Há alguns meses eu pensei que minha linhagem tinha deixado de existir, assim como minha felicidade, junto com meu único filho. Agora sinto que uma nova chance me foi oferecida, embora eu saiba que não sou a pessoa que mais precisava disso. Conheci tantas outras pessoas, muito mais boas que eu, e que jamais tiveram oportunidade igual.

– É quase um milagre – sussurro. Embora nada na vida tenha me provado que milagres são sempre bons, tenho a certeza de que esse é.

– Milagre – diz, como se saboreasse a palavra. – Sim. É essa a palavra. Milagre.

– Somos todos um milagre, não somos? – pergunto retoricamente. – Uma bomba explodiu e levou consigo milhares de vidas de milhares de boas e más pessoas, mas nós não. Continuamos aqui. Às vezes eu me pergunto...

– Se há algum motivo – Howard completa, e não poderia estar mais certo.

Continuo esperando por sua resposta.

– Há pessoas muito mais significativas, que mereciam mais.

Howard parece não me ouvir. Ele se vira para mim, mas seus olhos não estão realmente me vendo.

– Sim, somos um milagre, mas isso não significa que precisamos mudar o mundo para provar nosso valor. Somos o melhor que podemos ser. Fazemos o que podemos fazer e isso pode não parecer muito para alguns, mas para outros pode ser. Meu pai costumava dizer que todo o dia, quando acordamos, às vezes temos a chance de mudar ou até mesmo de salvar algumas vidas ao nosso redor, nunca questionei sua sabedoria e hoje, sou um médico.

Reflito muito sobre suas palavras e me pergunto: quantas vidas eu já mudei ou salvei hoje?

Quantas pessoas cruzaram meu caminho e sairam transformadas em algum lugar dentro de si?

– Você nunca vai saber – Howard responde, como se meus pensamentos tivessem sido soprados até sua mente –, e acho que é isso o que um milagre significa, ele não sabe o que é capaz de fazer, mesmo fazendo. Não sabe que é um milagre.

Voltamos a observar Eve em silêncio e permanecemos assim até que a paciente grávida vai embora e entramos no seu consultório.

– Você está se saindo muito bem, Eve – parabeniza Howard, enquanto eu me limito a sorrir.