– Você não vai – Roman diz, após invadir a barraca onde deixarei de dormir.Guardo meus pertences em uma mochila surrada marrom, e em outra mochila de couro preto coloco coisas essenciais para sobreviver fora dessa clareira.
– Por que não vai dar mais uma olhada na sua namorada? Acho que você não passou tempo suficiente com ela – sugiro, sarcástica.
– Então é por isso? – Roman pergunta franzindo a testa. – Está querendo chamar minha atenção? Por acaso está com ciúmes de Eve?
Largo meus pertences no chão e me volto para Roman.
– Não. Estou fazendo isso por todas essas pessoas, incluindo você e ela. Estou fazendo isso porque cedo ou tarde a comida não vai ser suficiente para todos nós e estou tentando fazer com que isso demore a acontecer.
– Pare com isso! – Roman ordena em um grito que com certeza todos do lado de fora ouviram.
– Parar com o quê? De tentar ajudar?
Meu irmão caminha de um lado para o outro enquanto passa as mãos de maneira desesperada pelos cabelos castanhos.
– Não é isso o que você está fazendo – diz, por fim mais calmo. – Você não costuma fazer favores. Você é egoísta. Eu te conheço melhor do que você mesma.
Embora a situação exija outra reação de mim, tudo o que eu faço é curvar os lábios no que eu imagino ser um sorriso nenhum pouco feliz.
– Tem razão. Tem toda a razão. Eu sou egoísta, e creio que uma pessoa tão egoísta assim deva viver sozinha com seu próprio ego.
– O quê?
– Você me ouviu, Roman.
Um minuto inteiro de silêncio se passa e tudo em que consigo pensar é que, sim, eu estou sendo um tanto infantil, e sei que quanto mais Roman se afasta de mim, mais meus pensamentos ficam nebulosos devido à solidão.
Termino de organizar minhas coisas e coloco a mochila que levarei comigo no ombro direito.
– Quando você volta? – questiona, parecendo finalmente ter aceitado minha partida iminente.
– Não tenho certeza. Talvez em três dias.
– Três dias? Tanto tempo assim?
– Não tenho certeza quanto vou ter que caminhar ou se conseguirei encontrar comida logo, mas se depois de três dias eu não encontrar nada, terei de voltar.
– Então... Deixe-me ir com você.
Nego com a cabeça. Ir para longe já será difícil sozinha, mesmo que logo eu retorne, não quero que ninguém me acompanhe.
– Vou ser mais ágil se estiver sozinha.
– Mas você ainda não está completamente recuperada – argumenta, se pondo entre mim e a saída da barraca.
– Eu estou bem, Roman. Não se preocupe, quando se der conta já estarei aqui novamente.
Ele me observa desconfiado, no entanto sabe que nada do que faça ou diga me fará mudar de ideia.
– Você acha que eu estou me afastado de você, mas, na verdade é o contrário.
Fixo meus olhos em meus pés. Talvez ele tenha razão, mas o que é que eu posso fazer? Agora ele têm a Eve e o que sobrou para mim?
Nada. Absolutamente nada.
Entretanto eu já estava sozinha antes disso, sempre estive e, talvez, sempre vá estar.
– As coisas ficarão bem. Eu prometo.
Digo e saio da barraca pensando na promessa que fiz e que, com certeza, não poderei cumprir.
Brakko já está me esperando dentro da caminhonete. Entro na mesma e me acomodo no banco de couro ao lado do motorista.
– Tem certeza do que está fazendo, Robyn? Mesmo que aqui não seja território dos canibais, não deixa de se ser perigoso.
– Tenho, e bem, eu sei me cuidar.
Brakko liga a caminhonete e começa a dirigir.
Do lado de fora, Louise acena para mim em despedida e eu aceno brevemente para ela.
– Está precisando ficar sozinha? – Brakko pergunta, no entanto parece mais uma afirmação.
– Creio que sim. – Me surpreendo ao constatar que fui sincera com alguém em quem não confio totalmente ainda. – Não tenho me sentido bem, psicologicamente.
– Nessa caso, espero que volte se sentindo melhor.
Aceno com a cabeça em agradecimento.
– Eu também.
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Em quase três horas de viajem, logo avistamos as ruínas de uma grande cidade. Os pedregulhos do que deveriam ter sido uma ponte no passado nos impedem de passar de carro por lá e ter acesso direto à cidade, logo Brakko diminui a velocidade e por fim para.
– Como sabe que vai encontrar mantimentos aqui?
Olho para a cidade. Ela realmente é grande, a maior que eu já vi, e espero que esteja desabitada.
– Era uma grande cidade, acho que o que não faltava nela era comida. Alguns lugares, por serem construídos com materiais mais resistentes não sucumbiram à grande explosão e continuam praticamente intocados.
– Como sabe disso? – questiona Brakko, surpreso.
– Li em algum lugar.
Brakko não parece ter fé nisso ou em mim, mesmo que seja a forma mais rápida de conseguir comida e em abundância.
– E como vai levar a comida até o acampamento, supondo que a encontrará?
Dou de ombros, acho essa parte a mais fácil em tudo isso e não estou preocupada.
– Vou dar meu jeito. Vai ficar tudo bem.
– É um longo caminho, Robyn. Realmente prefere fazer tudo sozinha?
– Sim. Eu sei que todos estão preocupados e querem, de algum modo me ajudar. Mas é melhor que eu fique sozinha, trabalho melhor assim.
Brakko assente um tanto relutante e perdido em pensamentos, então, inesperadamente, me abraça.
Ainda um tanto chocada e assustada, retribuo seu abraço, nunca imaginaria que Brakko tem um lado extremamente sentimental.
– Se cuide e volte logo. Estaremos esperando por você.
Nos afastamos e abro a porta do carro, antes de sair, peço-lhe:
– Cuide de todos e diga à eles que voltarei o mais rápido possível.
Ele confirma com um movimento de cabeça e saio do carro com minha única bagagem, uma mochila de couro preta, pendurada no meu ombro.
– Boa sorte – acrescenta Brakko e logo se afasta em direção ao nosso pequeno acampamento.
Antes que a caminhonete suma de vista, já lhe dei as costas e caminho em direção às ruínas de uma cidade, cujo nome ainda não sei.
Passo pelas ruínas da ponte que já não existe e que, aparentemente, era usada para passar sobre um rio que cercava a cidade, mas agora não há mais nada aqui, apenas um deserto que segue até onde a vista alcança.
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Imperfeitos
Science FictionEm um futuro pós-apocalíptico, onde as jovens são forçadas a se casar e a terem inúmeros filhos com o intuito de "salvar o mundo", Robyn Leatherwood de 17 anos não aceita seu destino e quando fica noiva de Alden, decide que é hora de mudar seu futur...