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Acordo com uma dor de cabeça infernal que se torna mais intensa na parte de trás da cabeça. Tento tocar o local para descobrir o que houve e percebo que minhas mãos estão amarradas com um pedaço de corda, atrás do meu corpo.

De repente uma enchente de lembranças me atinge e consigo me lembrar claramente o porquê de me encontrar assim, ou melhor, quem me deixou assim.

Como pude ser tão distraída? Eu achei mesmo que ele iria me beijar?

E eu iria permitir tamanho absurdo?

Não consigo crer que – não pela primeira vez – deixei Axel me manipular a seu bel-prazer.

Aparentemente ele me abandonou aqui, amarrada e impotente, presa dentro do veículo dos Rhewn. E mesmo que uma pequena parte de mim insista em se perguntar se ele realmente foi embora e abandonou a todos nós, sei a verdade. Axel foi atrás dos Rhewn sozinho, bancando o herói que ele insiste em dizer que não é.

Ele conseguiu me enganar desde o princípio, mantendo aquela pose de despreocupado quanto ao que aconteceu aos Rhewn, quando no fundo já planejara exatamente o que iria fazer.

Definitivamente eu não o conheço.

Me esforço para sentar e isso exige de mim mais energia do que eu possuo. Quero escapar, mas sei que minhas chances são mínimas, ou, sendo realista; minhas chances são nulas. Axel não é descuidado a ponto de deixar uma brecha para que eu possa escapar e ir atrás dele. Sou um fardo nesse momento.

Giro meu corpo de forma que minhas mãos alcancem a porta do carro, minha surpresa não é tão grande ao descobrir que a porta está trancada por fora. Nada do que eu fizer irá adiantar muito.

Me recosto no banco da caminhonete e tento acalmar meus pensamentos furiosos enquanto busco uma solução para minha atual situação.

Fecho os olhos para em seguida abri-los novamente e constatar que o sol está alto no céu, só então percebo que já passa do meio dia. Se Axel não retornar isso significa que ele foi mal sucedido quanto a salvar os Rhewn e nesse caso eu ficarei presa aqui por um tempo indeterminado ou até algum canibal me encontrar e me transformar em sua próxima refeição.

Imaginar que eu passei por tudo isso e terminarei assim não é nem um pouco animador. Nada nessa vida é, afinal de contas.

Quero fechar meus olhos e deixar que o tempo me leve para longe daqui, mas não sei exatamente para que lugar eu desejo ir. Há muito pouco nesse mundo que me faça querer permanecer nele.

Vencida pela frustração, fecho meus olhos.

O silêncio e a escuridão nunca me pareceram mais convidativos do que agora.

O tempo parece não passar e quando vozes familiares chegam até mim, penso ser apenas minha imaginação, que adquiriu o dom de me enganar com mais frequência.

Conforme os minutos seguem, percebo que as vozes estão se aproximando. Uma é um claro choro feminino descontrolado, como se alguém estivesse tão triste que jamais fosse sorrir novamente.

Me atenho a essa voz e com um pouco de concentração, chego à conclusão de que se trata de Mariz.

Ouço mais vozes. De conforto e carinho, mas com um grande grau de tristeza escondido abaixo da superfície. Brakko e Keun.

Antes que eu chame por alguém para me libertar, a porta da caminhonete se abre e Eve me encara com olhos tristonhos. Ela não está surpresa com a minha presença aqui, pelo contrário, parece um tanto aliviada.

Em completo silêncio ela me desamarra e quando eu saio da caminhonete e a encaro, ela me abraça.

– O que aconteceu? – pergunto porque sei que algo horrível aconteceu, posso sentir isso no clima.

Quando nos afastamos me dou conta de que ela não consegue me responder, então vasculho a área ao redor com os olhos e percebo a falta de duas pessoas.

Louise e Axel.

O resto dos Rhewn se aproximam de mim me abraçam um por vez, mas parece que são eles que estão procurando conforto e não me oferecendo.

Quando Mariz me abraça, ela não consegue mais me largar. Fica com os braços ao redor de mim por um longo tempo, só quando Brakko se aproxima dela é que ela se afasta e me deixa.

Chelsea está abraçada ao irmão e chora quase tanto quanto sua mãe. Keun mantém uma expressão séria, no entanto seus olhos estão transbordando de lágrimas que ele faz um enorme esforço para segurá-las.

– Onde estão os outros? – questiono esperando que alguém me dê atenção.

– Louise... Louise está... morta.

Incrédula, olho para Eve.

– O quê? – Minha voz está quebrada e sai mais como um assobio fino e agourento.

Observo a família Rhewn e eles não negam as palavras de Eve. Então, assim como Roman se foi, Louise também.

Mariz começa a chorar ainda mais alto enquanto Georgia se encontra em um estado entorpecido, como se nada mais importasse, nem mesmo a dor da perda.

Tenho medo de perguntar onde Axel está pois tenho medo de que o destino dele tenha sido como o de Louise, e eu não sei, porque de repente sua possível morte me traz um grau de angústia impossível de ignorar.

– E quanto ao Axel? – pergunto tentando evitar a aflição eminente e querendo terminar logo com a dúvida.

– Ele está ferido – Keun responde e olha para a direção de onde eles provavelmente vieram. – Pediu para ser deixado para trás.

– O quê?

Olho para além dos Rhewn na inútil tentativa de encontrar Axel, mas é claro que eu não o encontro.

Ele fez de novo. O heroísmo faz parte dele assim como a loucura.

De repente me deparo com uma verdade incontestável, eu não vou seguir viagem sem antes encontrá-lo. Vivo. Não vou deixá-lo tomar a estúpida decisão de sacrificar-se pelos outros.

Talvez agora eu compreenda que todos merecem ao menos uma chance de viver da melhor forma que o mundo pode oferecer.

Se estamos no inferno, temos de encontrar nosso próprio paraíso em meio a tudo isso.

– Você vai atrás dele, não vai? – Brakko pergunta e todos se voltam para mim.

Solto um suspiro, completamente resoluta.

– Eu preciso.

– Eu vou com você – Keun diz e caminha até mim. – Ele nos salvou e se eu puder fazer o mesmo por ele, eu farei.

Brakko concorda com um aceno de cabeça.

– Vamos todos atrás dele. – Brakko leva Mariz para a caminhonete.

Assim que todos estão prontos, vou até a moto do Axel e subo nela. Ele não me perdoaria se eu a deixasse para trás, sei disso.

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ImperfeitosOnde histórias criam vida. Descubra agora