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Não há janelas aqui, e pela primeira vez em três semanas, sinto falta da luz do sol. Não aquele sol escaldante do meio-dia, mas aquele tímido, que surgia entre as nuvens logo após uma chuva forte e calmamente removia o frio e a água.

Contudo, mesmo sentindo saudades de muitas coisas, sei que Alexandrena é o melhor lugar para se estar nesse momento. Temos um vida tranquila aqui.

Eu e minha nova família estamos bem. Jantamos juntos todas as noites e conversamos sobre as tarefas para as quais fomos designados.

Keun tem muito jeito com as plantas. Ele trabalha no setor de agricultura, no primeiro andar, ele disse que é difícil fazer plantas brotarem no subsolo, mas há tecnologia o suficiente para termos alimentos saudáveis fabricados aqui mesmo.

Brakko e Mariz estão no setor onde cuidam das crianças, acredito que isso alivia um pouco a dor de ter perdido Louise. Eles passam muito tempo lá, às vezes quase esquecem de se alimentar, mas quando voltam estão simplesmente radiantes.

Eve passa os dias com seu tio Howard, ela quer se dedicar à medicina, e não melhor mentor que ele.

Chelsea ajuda na limpeza. Só nessa semana ela já limpou o quarto do Axel seis vezes, e tenho certeza que duas foram no mesmo dia. Aparentemente seu ódio por ele não foi tão duradouro assim, mas eu preferia que fosse. E seu braço quebrado não é nenhum estorvo.

Felizmente Axel não passa os dias no quarto. Ele foi designado para o setor de mecânica e é muito bom no que faz, mas vez ou outra se mete em problemas ou briga com alguém. Axel nunca me conta como as brigas começam e tenho a estranha sensação de que ele não gosta de Alexandrena como o resto de nós. Ele não foi feito para ficar preso.

Quanto à mim, é meio complicado encontrar um setor onde eu me encaixe. Não gosto de ajudar na cozinha, não tenho paciência com crianças, não tenho mãos gentis para a agricultura, medicina não me atrai nenhum pouco, não sei nada de mecânica e não quero cruzar com Chelsea fazendo limpeza. Sendo assim, a cada dia sou realocada em um setor diferente, mas aparentemente não tenho nenhum talento especial, mesmo me esforçando tanto.

Durante à noite, todos têm algo a dizer sobre o que aprenderam ou algo de interessante que aconteceu no setor. Eu e Axel não falamos muito sobre nossos dias, nem mesmo entre nós. Muitas vezes eu o pego pensativo, como se estivesse tentando tomar uma decisão e sua expressão se perde em uma estranha melancolia que eu nunca presenciei antes, mas é claro que quando eu lhe pergunto algo sobre isso, ele me distrai e desvia do assunto com maestria.

Às vezes eu fujo das minhas tarefas e volto para o quarto, afinal, Howard mesmo deixou bem claro que não somos obrigados à ajudar, mas que seria bom se o fizéssemos. Alexandrena é grande e precisa de inúmeras pessoas para se manter.

Estou a caminho do meu quarto quando de repente mudo de rota completamente. Pego o elevador dos funcionários, desço até o segundo andar e vou até o setor de mecânica. Preciso de uma autorização para entrar, e como não tenho, espero que o guarda se afaste para buscar seu quinto café do dia e entro no setor pela porta dos fundos, que nunca está trancada. Admito que a segurança de dentro é um tanto falha.

Procuro durante algum tempo pelo Axel, mas ou o setor é muito grande, ou ele simplesmente não está mais aqui.

Nessa última semana, fiquei cada vez mais intrigada com o que ele faz aqui. Sempre que pergunto ele diz que não é nada importante, contudo sei que é mentira. Quando estávamos saindo do refeitório, na noite passada, um de seus colegas de mecânica parou ele e perguntou o que ele faz o dia todo preso em uma das salas. Axel lhe disse de forma ríspida que não era da sua conta e me arrastou de lá, como se estivesse fugindo do próprio diabo.

ImperfeitosOnde histórias criam vida. Descubra agora