Ele me observa em silêncio. Seus olhos parecem ver muito mais em mim do que eu costumo mostrar aos outros. É um pouco reconfortante saber disso, mas assustador na mesma medida.– Como ela era?
– Em poucas palavras? – questiona erguendo levemente as sobrancelhas. – Ela era o único resquício de bondade que sobrou do mundo passado.
Não consigo imaginar alguém assim, principalmente alguém que criou o Axel, no entanto não há motivos para ele mentir, pelo menos não sobre a própria mãe.
– Apesar de tudo ela amava meu pai, mesmo que ele a fizesse sofrer muito. É estranho como eu odiava isso nele e acabei fazendo o mesmo com a Eve.
– Então por que você se casou? Não me parece que o matrimônio fosse algo que você desejasse, ou ter filhos.
Axel dá uma risada leve, a qual não compreendo o motivo já que tudo isso é qualquer coisa, menos engraçado.
– Era o único modo de garantir que minha mãe continuaria viva. Em uma noite, quando eu tinha 16 anos, meu pai estava brigando com ela, eu entrei no meio e ele me disse que ia matá-la, a não ser que eu me casasse. Assim que eu me casei ele a matou.
Queria oferecer alguma forma de conforto para ele. Somos todos quebrados e talvez o Axel seja ainda mais. Só agora consigo compreender as palavras de Keun sobre ele.
É realmente estranho quando me pego tendo sentimentos de compaixão por ele, já que na primeira vez em que nos vimos eu o odiava, agora sinto que o ódio foi quase completamente substituído por algum outro sentimento, um sentimento bom, sincero e profundo. Algo que talvez ele não seja digno de saber.
– Então você resolveu se vingar do seu pai – concluo em voz baixa.
Axel fecha os olhos e apoia a cabeça na parede da caverna. Sua respiração está tão calma que chega a ser quase imperceptível. Olho para sua mão ao lado do seu corpo e a cubro com a minha.
– Era mais do que vingança, e ao contrário do que você pode estar pensando, eu não fiz por mim. Fiz pela minha mãe e pela Eve. Ela só tinha 13 anos na época, mal sabia o que estava acontecendo.
– Ela realmente se apaixonou por você?
Ele abre os olhos, mas continua com a cabeça voltada para cima, olhando contemplativo para o teto escuro da caverna.
– Infelizmente sim. Não era o mesmo sentimento que ela tem pelo seu irmão, era algo bem mais frágil e infértil, mesmo assim eu comecei a tratá-la pior do que antes, queria que ela soubesse que o amor não poderia salvá-la.
– Você sempre tenta mostrar às pessoas o quão enganadas elas estão e o quão certo você está, mas não pode estar sempre certo.
– Não é pela minha própria satisfação que eu faço isso. Só não gosto de pessoas iludidas. Passei quase sete anos ao lado da Eve e ela só não tentou fugir antes porque tinha esperança de que eu pudesse gostar dela, isso trouxe muitos problemas. Eu tive que cuidar para que o meu pai não se aproximasse dela. Ele costumava seguir ela para se aproximar quando ela estivesse sozinha.
– Por que você está me contando tudo isso agora? – indago confusa.
Axel segura e aperta minha mão, volta lentamente seus olhos para o meu rosto.
– Porque eu quero que você saiba quem eu fui. Quem eu sou.
Não reflito muito sobre suas palavras. Se antes nós não nos importávamos um com o outro, o que mudou agora?
– Eu ainda não sei quem você é. Na verdade, acho que nunca vou saber realmente.
Axel se levanta e fica de cócoras na minha frente. Pega minhas duas mãos e as aperta entre as suas, oferecendo um pouco de calor aos meus dedos gelados.
– Tenho que lhe dizer algo – revela parecendo quase aflito e isso me assusta, parece que ele sabe que algo ruim está prestes a acontecer. – Mesmo que você nunca venha a saber quem eu sou de verdade, quero que saiba que eu tenho motivos para não querer que me conheçam. Se eu der falsas esperanças às pessoas vou machucá-las e eu sei que parece que eu não me importo, mas estou começando a me importar.
– O que está havendo, Axel?
Então acontece. De repente ele me observa com uma espécie de carinho e admiração que eu jamais imaginei que um dia ele pudesse ter por mim.
– Lembra-se, no deserto, quando eu lhe disse que não tinha medo de nada? – Confirmo com um leve aceno de cabeça. – Bem, naquele dia era verdade. Eu, de fato, não temia nada nem ninguém, sei que era excesso de imprudência ou coragem insana... Mas... O que eu quero dizer é que isso mudou. Você mudou isso em mim.
– E-eu não compreendo – gaguejo ridiculamente.
– Eu sei que você sabe, eu sei que você entende. E eu queria poder esperar por você, mas eu não posso ter você, e só vou lhe fazer mal.
Separo nossas mãos e balanço minha cabeça em choque. Meus pensamentos estão se movendo velozes e parecem quase não caber em minha mente perturbada.
Me levanto e ele acompanha meu movimento, ficando na minha frente.
Procuro pelas palavras certas para acabar com essa estranha situação em que nos encontramos, mas minha cabeça parece submersa e eu só consigo pensar em respirar para me manter viva.
– A primeira vez em que eu te vi, eu te odiei e acho que você me odiou também, mas alguma coisa aconteceu ao longo do caminho e dos dias, alguma coisa que mudou tudo. Desde então meus pensamentos, meus sonhos, meus delírios, são todos assombrados por você. Mas é que quando eu a vejo, tudo o que sinto é que quero você, mais do que qualquer coisa ou pessoa, e eu não deveria querer alguém que não me quer. Sou um louco sonhador.
Sua revelação foram as palavras mais estranhas que alguém já disse para mim, alguém que eu não conheço de verdade ou confio. Talvez seja melhor fingir que ele jamais disse isso, pois Axel tem um lado que eu jamais vou conhecer e esse lado não é sincero, assim como suas palavras.
– Por que você está me dizendo todas essas coisas? – questiono e um pouco de irritação se infiltra em minha pergunta.
– Porque, quando eu estiver velho e cansado, perdido em algum lugar desse mundo, sentado sozinho e pensando em você, não quero me sentir triste por não ter lhe revelado o que eu sinto, quero me lembrar que eu arrisquei mesmo sabendo que as chances não me eram favoráveis.
Sinto meu pulso acelerar e me afasto com medo que ele perceba algo. Se aqui tivesse iluminação o suficiente, Axel veria o quão vermelho meu rosto está.
– Eu quero sair daqui – exijo de costas para o Axel e caminho para o corredor por onde nós viemos, sem dar lhe chances de me contrariar.
Eu sei que há algo em mim vibrando com tudo isso, mas existe uma parte de mim que não quer aceitar nada disso. É difícil explicar, porque com o Roman foi completamente diferente. Ele gostou de alguém e não se importou com mais nada.
Entretanto pensar sobre isso dessa forma, seria como admitir que eu posso estar gostando do Axel e isso é uma das coisas que eu menos almejo no presente momento, mesmo que a situação fosse completamente diferente, provavelmente eu não iria querer isso. Jamais.
Assim que saímos da caverna, percebo que o sol já está mais baixo e algumas nuvens carregadas começaram a se juntar no céu.
– É melhor nos apressarmos – Axel sugere e vejo que seu tom de voz já mudou completamente. – Parece que vai chover em algumas horas.
É reconfortante saber que uma chuva se aproxima, mas também inquietante, chuvas que caem de repente sempre me lembram enterros.
Subimos na moto e começamos a fazer nosso caminho até o próximo acampamento em que ficaremos. Tenho esperança de que dessa vez vou conseguir falar com o meu irmão e lhe dizer tudo o que eu guardei dele durante toda a minha vida.
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Imperfeitos
Fiksi IlmiahEm um futuro pós-apocalíptico, onde as jovens são forçadas a se casar e a terem inúmeros filhos com o intuito de "salvar o mundo", Robyn Leatherwood de 17 anos não aceita seu destino e quando fica noiva de Alden, decide que é hora de mudar seu futur...