Já perdi a conta das noites gastas andando pelas ruas sombrias do bairro olhando para cima e pensando em tudo aquilo que vi e ouvi em outras noites - quantas já nem me lembro. Escrever daquilo que não se conhece já é uma árdua tarefa, mas em nada se compara com o escrever daquilo que continua desconhecido mesmo depois de revelado. Aqueles que escrevem sabem do que eu estou falando e se você não é um deles não tem problema; basta entender que este é um motivo mais do que justo para se perder o sono e perambular no escuro apenas com o céu como testemunha.
Para você que aqui veio à procura de um conto, lenda ou estória de aventuras, pense novamente. Aqui vocês não encontrarão nada disso e tudo e mais um pouco. Confuso? É para ser. Porque, veja bem, de onde estes relatos vieram o próprio conceito de relato é, digamos... diferente. Mas eu divago.
Antes porém de irmos ao que interessa, eu preciso que você entenda que, por mais que eu quisesse, não posso começar esta estória com o afamado ¨era uma vez¨, aquele embutido na maior parte das grandes estórias que valem a pena serem lidas. Isto porque ¨vez¨ me faz lembrar de tempo, e no lugar para onde estamos indo este é um conceito que eu ainda não consegui entender. Afinal, como se explica tempo onde tudo é naturalmente infinito?
Por isso, me perdoe se com minha limitações eu acabo com sua expectativa, mas no lugar de falar de tempo e coisas abstratas eu prefiro jogar em terreno conhecido e falar de árvores - afinal todos nós entendemos de árvores, nem que seja um pouco. Então, sem mais delongas.
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Era um árvore, daquelas pequenas e tortas, isolada em uma clareira sem luz. Em silêncio, o homem contemplava sua historia, tão antiga quanto o céu acima deles. Por um momento o tempo fugiu. O passado e o futuro se misturaram em uma massa incerta. Erguendo a cabeça, pareceu-lhe que o céu estava mais escuro, as estrelas apagadas. Só o Grande Guerreiro brilhava intensamente em seu aspecto forte e seguro - como sempre - tendo sob seus pés, a Serpente, igualmente grande que se contorcia ameaçadora.
- Está chegando – o homem sussurrou para si mesmo e mais uma vez voltou sua atenção para a árvore. Meteu a mão entre os galhos finos e retorcidos. A manga longa de sua roupa brilhante contrastava com a sombra das folhas secas que não caíam formando mosaicos interessantes, mas mesmo assim fora de lugar. Recolheu o braço trazendo na palma da mão o que parecia ser um grande escaravelho que espreguiçava-se espantando o sono.
- Tenho uma missão para você, meu rapaz – ele acariciava o casco macio da criaturinha que dava seu último bocejo e ouvia quieta. Em outras ocasiões ela sairia voando e zunindo brincalhão ao redor do homem, mas hoje algo estava de fato diferente, e não era por causa da árvore.
Com a outra mão o homem estendeu ao escaravelho um rolinho amarrado com fita dourada. Num vôo curto, o bichinho pousou sobre ele e o envolveu com as seis patas. Com um zunido surdo foi lentamente erguendo a carga. Ficou flutuando na altura dos olhos do homem que com um sorriso bondoso acenou com a cabeça.
- Encontre-o, Bizi – foi a ordem.
O escaravelho virou sobre o próprio corpo e foi ganhando altura num vôo rápido para o sul, onde o novo dia estava apenas começando.
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Na ultima casa da Alameda Branca, aquela que sozinha no alto da colina do lado de cá do Rio Veloz dava as boas vindas ao povoado, o jovem Haizeck assobiava pela centésima vez diante da janela da sala.
- Eu desisto! – resmungou batendo as mãos na perna – Com certeza Helie mudou a senha. Por que o pai foi ensiná-la a fazer janelas musicais?!
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BIBLION
FantasyQuando se tem 15 anos em Allakelion, nada pode dar errado. Quando se é adolescente em Vernom, o melhor sempre está por vir... ...a não ser que você seja Haizeck e comemore o momento mais importante de sua vida na noite em que as sete luas se alinh...